O presidente Jair Bolsonaro assina decreto que permite a segregação de crianças com deficiências [1]. O decreto institui a nova Política Nacional de Educação Especial, que permite que as escolas ofertem diferentes alternativas de ensino: classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues de surdos, deixando a critério dos pais a escolha de qual instituição matricular os filhos [2]. Entre os dispositivos presentes no decreto, há a afirmação de que alguns estudantes ‘não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas’. Tal norma não encontra amparo em pesquisas: após dez anos do Brasil ter aderido à convenção mundial da ONU pelos direitos das pessoas com deficiência, existe avaliação de que as escolas melhoraram quando passaram a incluir alunos com deficiência [3]. Para diversas entidades representantes de pessoas com deficiência e da área da educação, o decreto é um ataque ao ensino inclusivo no Brasil. Nesse sentido, são publicadas várias notas de repúdio ao conteúdo do decreto [4]. Essas manifestações ressaltam que o decreto contraria a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, do qual o Brasil é signatário [5]; que legitima formatos educacionais que são opostos às práticas inclusivas [6], o que contribui para segregação dos sujeitos com deficiência [7]; que não garante o direito à convivência entre as diferenças; que amplia a cisão entre a escola comum e regular; e que estigmatiza as crianças com deficiência [8].O decreto é questionado juridicamente no STF, pela Rede Sustentabilidade, por contrariar a Constituição Federal e tratados dos quais o Brasil é signatário [9], e membros do Congresso Nacional prometem revogá-lo [10] [11]. Dias depois, doze Defensorias Públicas ingressam na ação, com o objetivo de apresentar ao tribunal sua opinião sobre o tema. Nesta manifestação, os defensores afirmam que o decreto viola diretamente a garantia de acesso ao sistema inclusivo e influencia comportamentos discriminatórios [12]. No dia 1º de dezembro, o ministro do STF, Dias Toffoli, suspende o Decreto, afirmando que a norma ‘fragiliza o imperativo da inclusão de alunos com deficiência’ [13]. Em defesa de Bolsonaro, a Advocacia-Geral da União (AGU) envia parecer ao STF defendendo o conteúdo do decreto [14]. Em dezembro, em votação no plenário virtual, STF forma maioria pela derrubada do decreto, por entenderem que a medida incentiva a criação de escolas e classes especializadas para pessoas com deficiência em vez de priorizar a inclusão dos alunos, como determina a Constituição [15]. Não é a primeira vez que o governo federal edita normativa que prejudica pessoas com deficiência: Bolsonaro já editou um decreto dispensando a exigência de acesso adequado para pessoas com deficiência em igrejas [veja aqui] e já enviou protejo de lei para flexibilizar a lei de cotas para a contratação dessas pessoas .
Leia as análises sobre o que há de novo no projeto decretado pelo governo, seus retrocessos, sobre a criação de um ‘apartheid’ entre as crianças e as experiências de mães sobre a necessidade de inclusão das crianças com deficiência. Ouça, também, o episódio de podcast sobre discriminação e deficiência.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.