Decreto presidencial [1] dispensa igrejas da exigência de adaptação de todas as suas áreas comuns para acessibilidade de pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção. O decreto inclui o parágrafo segundo ao art.18 do Decreto n.5296/2004 [2] que define que áreas destinadas ao altar e ao batistério das edificações de uso coletivo utilizadas como templos de qualquer culto não precisarão atender as normas técnicas de acessibilidade da ABNT [3] como, por exemplo, ter rampa de acesso ou sinalização tátil no piso. Em resposta, a presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade da Prefeitura de São Paulo critica o decreto presidencial, questionando, por exemplo, se pessoas com deficiência física que frequentam esses templos não poderiam mais casar, ou conduzir um culto ou uma missa [4]. O senador Romário (PODEMOS-RJ) propõe projeto de Decreto Legislativo (PDL 638) para sustar o Decreto presidencial e garantir a acessibilidade em templos religiosos [5]. Posteriormente, em novembro o governo federal envia proposta de lei (PL6159) que flexibiliza lei de cotas para contratação de pessoas com deficiência [6]. No ano seguinte, o Congresso Nacional aprova Medida Provisória [7] que adia entrada em vigor de dispositivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que exige recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência em estabelecimentos cinematográficos [veja aqui].
Leia análise sobre o conceito de acessibilidade na Constituição e pesquisa que mapeou o nível de acessibilidade das cidades brasileiras.
Congresso Nacional aprova a Medida Provisória (MP) 917 [1], convertida na Lei 14.009/2020 [2], que determina o adiamento, por um ano, da entrada em vigor de alteração do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) [3]. O Dispositivo normativo de 2015 define que todos os estabelecimentos cinematográficos do país devem garantir, obrigatoriamente, recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência. A norma deveria entrar em vigor no início de 2020, mas a MP, agora convertida em Lei, estabelece que a obrigação passe a valer somente em janeiro de 2021 [4]. Na exposição de motivos da MP é alegado que a proposta se baseia na necessidade de adequação do prazo às etapas necessárias para o lançamento das linhas de crédito, previstos para iniciar em fevereiro 2020, e que a avaliação de propostas e aprovação dos respectivos créditos costuma durar aproximadamente 8 meses [5].
O presidente Jair Bolsonaro assina decreto que permite a segregação de crianças com deficiências [1]. O decreto institui a nova Política Nacional de Educação Especial, que permite que as escolas ofertem diferentes alternativas de ensino: classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues de surdos, deixando a critério dos pais a escolha de qual instituição matricular os filhos [2]. Entre os dispositivos presentes no decreto, há a afirmação de que alguns estudantes ‘não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas’. Tal norma não encontra amparo em pesquisas: após dez anos do Brasil ter aderido à convenção mundial da ONU pelos direitos das pessoas com deficiência, existe avaliação de que as escolas melhoraram quando passaram a incluir alunos com deficiência [3]. Para diversas entidades representantes de pessoas com deficiência e da área da educação, o decreto é um ataque ao ensino inclusivo no Brasil. Nesse sentido, são publicadas várias notas de repúdio ao conteúdo do decreto [4]. Essas manifestações ressaltam que o decreto contraria a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, do qual o Brasil é signatário [5]; que legitima formatos educacionais que são opostos às práticas inclusivas [6], o que contribui para segregação dos sujeitos com deficiência [7]; que não garante o direito à convivência entre as diferenças; que amplia a cisão entre a escola comum e regular; e que estigmatiza as crianças com deficiência [8].O decreto é questionado juridicamente no STF, pela Rede Sustentabilidade, por contrariar a Constituição Federal e tratados dos quais o Brasil é signatário [9], e membros do Congresso Nacional prometem revogá-lo [10] [11]. Dias depois, doze Defensorias Públicas ingressam na ação, com o objetivo de apresentar ao tribunal sua opinião sobre o tema. Nesta manifestação, os defensores afirmam que o decreto viola diretamente a garantia de acesso ao sistema inclusivo e influencia comportamentos discriminatórios [12]. No dia 1º de dezembro, o ministro do STF, Dias Toffoli, suspende o Decreto, afirmando que a norma ‘fragiliza o imperativo da inclusão de alunos com deficiência’ [13]. Em defesa de Bolsonaro, a Advocacia-Geral da União (AGU) envia parecer ao STF defendendo o conteúdo do decreto [14]. Em dezembro, em votação no plenário virtual, STF forma maioria pela derrubada do decreto, por entenderem que a medida incentiva a criação de escolas e classes especializadas para pessoas com deficiência em vez de priorizar a inclusão dos alunos, como determina a Constituição [15]. Não é a primeira vez que o governo federal edita normativa que prejudica pessoas com deficiência: Bolsonaro já editou um decreto dispensando a exigência de acesso adequado para pessoas com deficiência em igrejas [veja aqui] e já enviou protejo de lei para flexibilizar a lei de cotas para a contratação dessas pessoas .
Leia as análises sobre o que há de novo no projeto decretado pelo governo, seus retrocessos, sobre a criação de um ‘apartheid’ entre as crianças e as experiências de mães sobre a necessidade de inclusão das crianças com deficiência. Ouça, também, o episódio de podcast sobre discriminação e deficiência.
O presidente da República, Jair Bolsonaro, utiliza as expressões ‘lepra’ e ‘leproso’ para se referir à hanseníase [1]. Os termos são usados em discurso realizado em cerimônia oficial da Presidência da República, em Chapecó/SC, a qual foi transmitida pela TV Nacional do Brasil [2]. Diante da fala, o Movimento de Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase (Morhan) ajuiza ação alegando que os termos detêm teor discriminatório e estigmatizante em relação às pessoas atingidas pela hanseníase e seus familiares, que no passado eram submetidos a isolamento e internação compulsória em hospitais-colônia [3]. Em janeiro de 2022, o juízo da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro profere decisão proibindo Bolsonaro de voltar a usar os termos mencionados, por violarem o princípio da dignidade da pessoa humana [4]. A decisão se fundamenta na Lei 9.010/1995, que dispõe sobre a terminologia oficial da hanseníase, à qual o julgador do caso afirma representar significativo avanço na luta contra a discriminação e o preconceito em face das pessoas vivendo com a doença [5]. A Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) lança nota repudiando a declaração do presidente [6].
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