A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, defende, em vídeo divulgado nesta data [1], que ‘a igreja evangélica perdeu espaço na história’ em detrimento da ciência e, em especial, com a entrada da teoria evolucionista nas escolas [2]. A mensagem é criticada pela diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que defende o método científico e alerta para os riscos de ‘misturar fé com ciência’ [3]. Em nota, o MMFDH responde que ‘a declaração ocorreu no contexto de uma exposição teológica que não tem qualquer relação com as políticas públicas que serão fomentadas’ [4]. Dois meses depois, em discurso na ONU, Damares realiza defesa da vida desde a concepção [veja aqui] e, em novembro, anuncia canal de denúncias para questões contra moral, religião e ética nas escolas [veja aqui]. Vale notar que outros ministros do governo acumulam episódios de ataques à produção científica, em especial, contra pesquisas sobre meio ambiente [veja aqui], mudanças climáticas [veja aqui], estudos de gênero [veja aqui] e conhecimento produzido por acadêmicos de esquerda [veja aqui]. A pauta evangélica também é valorizada pelo presidente que, no ano seguinte, anuncia que irá indicar evangélico para o cargo de ministro do Superior Tribunal Federal [veja aqui].
Leia análise sobre os impactos da defesa do criacionismo, alternativa à teoria evolucionista, para a produção científica
O presidente Jair Bolsonaro, em entrevista à imprensa, declara que o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Luiz Mendonça – pastor presbiteriano – é ‘terrivelmente evangélico’ e um bom nome para indicar a uma futura vaga ao Supremo Tribunal Federal (STF) [1]. No dia anterior, em um culto religioso na Câmara dos Deputados, Bolsonaro já havia afirmado que indicaria um nome ‘terrivelmente evangélico’. Na ocasião, ele reconhece que o Estado é laico, mas ressalta que ‘somos cristãos’, defendendo que esse ‘espírito deve estar presente em todos os Poderes’ [2]. Até o final de seu mandato, Bolsonaro poderá indicar ao menos dois nomes ao STF, que deverão ser aprovados pelo Senado [3]. No mesmo dia, em café da manhã com a bancada evangélica, Bolsonaro se mostra à disposição para viabilizar medidas do interesse dessa frente por meio de decreto presidencial, ato administrativo que entra em vigor assim que publicados sem passar pelos trâmites do Legislativo [4]. Além disso, ele menciona que o Itamaraty pretende remover do formulário de solicitação de passaportes os campos ‘genitor 1’ e ‘genitor 2’ – forma adotada para incluir casais homoafetivos – para inserir os termos pai e mãe [5], visando excluir as ‘menções de gênero’ [6]. Em maio de 2020, Bolsonaro volta a mencionar indicação a uma vaga no STF, afirmando que será ocupada por evangélico e Augusto Aras, atual responsável pelas investigações contra ele, poderia ser indicado caso uma terceira vaga ficasse vacante [veja aqui] e, em abril, ao indicar Mendonça como novo ministro da Justiça, Bolsonaro reforça seu discurso [veja aqui].
Ouça sobre o ministro ‘terrivelmente evangélico’ cotado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal e leia a análise sobre os nomes já cotados para as vagas.
Decreto presidencial [1] dispensa igrejas da exigência de adaptação de todas as suas áreas comuns para acessibilidade de pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção. O decreto inclui o parágrafo segundo ao art.18 do Decreto n.5296/2004 [2] que define que áreas destinadas ao altar e ao batistério das edificações de uso coletivo utilizadas como templos de qualquer culto não precisarão atender as normas técnicas de acessibilidade da ABNT [3] como, por exemplo, ter rampa de acesso ou sinalização tátil no piso. Em resposta, a presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade da Prefeitura de São Paulo critica o decreto presidencial, questionando, por exemplo, se pessoas com deficiência física que frequentam esses templos não poderiam mais casar, ou conduzir um culto ou uma missa [4]. O senador Romário (PODEMOS-RJ) propõe projeto de Decreto Legislativo (PDL 638) para sustar o Decreto presidencial e garantir a acessibilidade em templos religiosos [5]. Posteriormente, em novembro o governo federal envia proposta de lei (PL6159) que flexibiliza lei de cotas para contratação de pessoas com deficiência [6]. No ano seguinte, o Congresso Nacional aprova Medida Provisória [7] que adia entrada em vigor de dispositivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que exige recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência em estabelecimentos cinematográficos [veja aqui].
Leia análise sobre o conceito de acessibilidade na Constituição e pesquisa que mapeou o nível de acessibilidade das cidades brasileiras.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, anuncia a formulação em conjunto com o Ministério da Educação (MEC) de canal oficial para recebimento de denúncias sobre conteúdos considerados impróprios no ambiente escolar [1]. Nas palavras de Damares, seria proibido o ensino de conteúdos ‘contra a moral, a religião e a ética da família’ [2]. O anúncio é feito em reação à matéria de jornal sobre professor que teria ministrado aula sobre sexo anal e oral para alunos do ensino fundamental [3]. A ministra afirma, ainda, que é a favor da educação sexual nas escolas [4], no entanto, sua atuação é marcada por limitações a direitos sexuais e reprodutivos, como a defesa da abstinência sexual [veja aqui]. Ressalta-se também que a proposta ocorre dois meses após o MEC encaminhar ofício para secretarias de ensino com orientações para manutenção de ambiente escolar ‘sem doutrinação’ [veja aqui]. Somam-se, ainda, uma série de recomendações polêmicas por parte do MEC, como a orientação para filmagem de alunos cantando o hino nacional [veja aqui], e comunicado para não realização de protestos [veja aqui]. Membros de organizações da sociedade civil e professores criticam a proposta por ameaçar o pluralismo, a autonomia pedagógica e desincentivar o diálogo entre professores e alunos [5].
Leia análise sobre os riscos de criação de canal de denúncias na escolas, a relevância da educação sexual nas escolas e as regras legais sobre filmagem de professores em sala de aula.
O desembargador Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), determina, em decisão liminar, a suspensão da exibição e divulgação publicitária do programa ‘Especial de Natal: A Primeira Tentação de Cristo’ da produtora Porta dos Fundos, atendendo a pedido da associação católica Centro Dom Bosco de Fé e Cultura [1]. O programa foi extremamente criticado por religiosos ao representar Jesus Cristo como homossexual e de satirizar outras figuras bíblicas relevantes [2]. O magistrado argumenta que a liberdade de expressão não é absoluta e que a suspensão é adequada para ‘acalmar os ânimos’ e mais benéfica para a sociedade brasileira de maioria cristã [3]. Em primeira instância o pedido foi negado, pois, ao sopesar o direito à proteção do sentimento religioso e da liberdade de expressão artística, a juíza entendeu que a proibição da exibição só poderia ocorrer caso houvesse ‘a prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio’ [4]. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, se posiciona contra a decisão liminar do TJRJ, afirmando que se trata de cerceamento à liberdade de expressão [5]. Dias antes, a sede do Porta dos Fundos foi alvo de um atentado com bombas caseiras em represália ao programa [6], a produtora declara em nota que condena qualquer ato de violência e afirma que ‘o país sobreviverá a essa tormenta de ódio’ [7]. Em novembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal decide, em caráter definitivo, que o Especial de Natal do Porta dos Fundos não incita a violência e deve ser exibido [8]. Outros episódios de violações à liberdade artística são vistos no Congresso Nacional, onde um deputado quebrou uma placa com charge crítica à atuação da polícia em exposição [veja aqui], e no Itamaray, pois a diplomacia brasileira solicitou a retirada de filme sobre o cantor Chico Buarque de festival de cinema internacional [veja aqui].
Leia as análises sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no caso Porta dos Fundos e qual o conceito de liberdade de expressão artística para o direito.
Presidente Jair Bolsonaro lista, através do Decreto 10.282 [1], série de serviços considerados essenciais, isto é, aqueles que se não realizados podem colocar em risco a sobrevivência, saúde ou segurança da população. Dentre as atividades listadas estão as de assistência à saúde e segurança pública, transporte de passageiros, serviços de call center e delivery, farmácias e supermercados, transporte e entregas de cargas em geral, mercado de capitais (Bolsa) e de seguros. Em 22/03, o Decreto 10.288 [2] inclui a imprensa como um serviço essencial [3]. Já o Decreto 10.292 [4], de 25/03, inclui atividades religiosas de qualquer natureza como serviços essenciais [veja aqui]. Em 28/04, o Decreto 10.329 [5] exclui o transporte intermunicipal do rol das atividades essenciais, mantendo o transporte interestadual e internacional de passageiros. Em 08/05, o Decreto 10.344 [6] inclui salões de beleza e academias como atividades essenciais durante a pandemia [veja aqui]. Vale lembrar que, em decisão do STF, foi fixado entendimento de que estados e municípios têm autonomia para determinar atividades tidas como essenciais, de forma concorrente ao governo federal [veja aqui].
Leia a análise sobre as disputas políticas das atividades que podem ser consideradas como essenciais no contexto da pandemia.
Em complementariedade aos decretos que definiram e listaram atividades consideradas essenciais durante a pandemia [veja aqui], novo decreto da Presidência da República [1] inclui atividades religiosas de qualquer natureza como serviço essencial [2]. A medida gerou polêmica e foi criticada por parcela de líderes religiosos, que se opuseram ao decreto e mantiveram alinhamento às recomendações da OMS de garantir isolamento social da população [3]. A Justiça Federal no DF [4] e no RJ [5] atendeu pedidos do Ministério Público Federal (MPF) para suspender os efeitos do decreto. Em recurso, o Tribunal Regional Federal 2 caçou a decisão da Justiça Federal no RJ, mantendo a validade das disposições do decreto [6]. Em ação protocolada no STF pelo MPF para suspender o decreto, a AGU se manifestou em defesa do governo federal e opinou pelo desprovimento da ação [7]. O STF já decidiu em outra oportunidade que os estados e municípios têm autonomia para definir quais serviços devem ser considerados essenciais [veja aqui]
Leia análises sobre a possibilidade jurídica de o presidente qualificar atividades religiosas como serviços essenciais e as ações de Bolsonaro a favor da Igreja durante a pandemia.
Jair Bolsonaro anuncia seu quarto ministro da Educação, o pastor presbiteriano e professor universitário Milton Ribeiro [1], que também tem carreira militar [veja aqui]. O novo ministro, que não tem experiência em políticas de educação ou gestão pública, tem atuação acadêmica fortemente voltada à religião [2]. A indicação, segundo o presidente, acontece porque o pastor teria ‘apreço à família e aos valores’ – e não por seu papel como gestor na área da Educação [3]. Ainda, agrada parlamentares da bancada evangélica, embora seja fruto de articulação dos ministros da Justiça e Segurança Pública (de pouca experiência em gestão pública) [4] e da Secretaria Geral da Presidência [5]. Damares Alves, nome evangélico e ligado ao pensamento conservador no governo, comemora a nova nomeação [6]. Ribeiro apresenta posições controversas: é a favor da punição física para crianças [7] e afirmou que o homem seria o responsável por impor o caminho da família e quem se ele esta seria ‘atacada’ [8]. A pasta da Educação enfrenta diversos desafios na pandemia causada pela covid-19, como o fechamento de escolas [veja aqui] e alterações no Enem . Ainda, o ministro que ocupou a pasta durante maior período de tempo no governo Bolsonaro, Abraham Weintraub [veja aqui], envolveu-se em diversos atos de caráter antidemocrático , como insinuar que chineses se beneficiariam com a pandemia causada pela covid-19 [veja aqui], ataques verbais a povos originários [veja aqui] e ameaças à universidades federais por balbúrdia [veja aqui].
Leia as análises sobre as ideias do novo ministro, a relação entre o ministro e a bancada evangélica e, por fim, sobre a posição quanto à disciplina de crianças veiculada por Ribeiro.
Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, anuncia que lançará cartilha para instruir municípios a fortalecer os ‘vínculos conjugais e intergeracionais’ nas famílias [1]. A medida tem a mesma finalidade do Programa Município Amigo da Família (PMAF), anunciado em junho de 2020 [veja aqui]. Diante do possível enviesamento ideológico do documento, o subprocurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado, pede explicações ao Ministério acerca dos motivos que fundamentam o guia [2] e alega que pode haver uso da máquina pública movida por opiniões pessoais, e não em prol do interesse público [3]. A ministra defende a cartilha, dizendo que os deveres conjugais estão previstos nas leis brasileiras [4]. Damares Alves já defendeu que a mulher ‘deve ser submissa dentro da doutrina cristã’ [ ref id=1109]; que homens deveriam guardar força física para proteger mulheres, em possível perspectiva de proteção de relação ‘heterossexual saudável’ [veja aqui] e defendeu conceito de família a partir de uma visão heteronormativa, em combate à denominada ideologia de gênero [veja aqui]. Frise-se que, segundo dados do Atlas da Violência 2020, o ainda companheiro é responsável por 88% dos casos de feminicídio registrados no Brasil [5].
Veja análise sobre o desempenho e o enviesamento ideológico de Damares Alves e de seu ministério.
Em evento de lançamento de políticas contra a mutilação e o suicídio [1], o ministro da Educação, Milton Ribeiro, diz que jovens do Brasil sem fé são ‘zumbis existenciais’ [2] [3]. O ministro já afirmou que uma de suas prioridades à frente do Ministério da Educação (MEC) é combater o que chamou de ‘inversão’ em relação ao ensino básico, quando afirmou que nos ‘últimos 10 ou 15 anos algumas pessoas passaram a ter a ideia de que seria possível colocar na mente e coração dos meninos das escolas públicas conceitos ideológicos, como o de que o capital era ruim’ [4]. Milton Ribeiro também já afirmou, em tom de crítica ao aumento de vagas em instituições federais de ensino superior, que o ‘número de universidades federais que nas últimas gestões foram implantas de maneira festiva’ e que as instituições recebem alunos poucos aptos [5]. No que se refere à atuação do ministério na pandemia, o MEC afirma que ‘não sabe quantos alunos da rede pública estão assistindo aulas virtuais’ [6]. Ribeiro é pastor presbiteriano e já exerceu atividades militares [veja aqui], sua nomeação foi um aceno à parlamentares da bancada evangélica e teria sido feita em razão de valores cristãos – e não competência profissional [veja aqui]. Uma das primeiras indicações efetuadas pelo ministro foi a nomeação de Inez Borges, uma assessora que defende a aplicação de ‘princípios bíblicos’ na educação [veja aqui]. A pauta religiosa também é forte no ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: ano passado, a ministra Damares anunciou para denunciar atentados contra moral, religião e ética nas escolas [veja aqui] e criticou o fato de que igreja evangélica teria perdido espaço nas escolas para a ciência [veja aqui].
Veja a análise sobre o primeiro mês de atuação do ministro da Educação Milton Ribeiro