Funcionários da Fundação Florestal e da Polícia Ambiental do estado de São Paulo realizam sem autorização judicial a demolição de duas casas de famílias caiçaras das comunidades Rio Verde e Grajaú, ambas instaladas na Estação Ecológica Jureia-Itatins [1]. De acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a operação ocorreu amparada pela Procuradoria Geral do Estado, que considera a região ‘inabitada’ e as construções e moradias das famílias no Rio Verde como ‘crime ambiental’ [2]. Tal interpretação dos fatos é contestada por ativistas e organizações da sociedade civil, que destacam não só a existência de laudos antropológicos e documentos que comprovam a presença das comunidades Rio Verde e Grajaú desde pelo menos 1957, como reiteram que os conflitos sobre o uso das terras na região remontam à própria criação da Estação Ecológica em 1986 [3]. Para a presidente da União dos Moradores da Jureia, Adriana Lima, o Estado vem restingindo seus modos de vida e desconsiderando seu papel ‘para a conservação e defesa da natureza e para manutenção da biodiversidade’ [4]. Em reação, a Defensoria Pública ajuíza ação civil que barra liminarmente a demolição de uma terceira casa no local [5]. Em julho do ano seguinte, o Tribunal de Justiça de São Paulo reafirma o direito dos caiçaras do Rio Verde e proíbe a demolição das moradias [6].
Leia entrevista com liderança caiçara sobre os direitos das comunidades tradicioanais da Jureia
Ao ser questionado sobre o desmatamento, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pergunta: ‘busca-se o zero absoluto ou o zero relativo?’ e declara que o Brasil já atingiu o desmatamento zero em valores relativos [1]. No entanto, os dados divulgados até então, do período entre 2017 e 2018, demonstram a maior taxa de devastação da floresta na última década [2]. No dia anterior, o ministro afirmou que o desmatamento da Amazônia correspondia à 0,002% do bioma, porém, o número real é 0,16% [3]. Salles justifica que, em números inteiros, o desmatamento ‘já é zero, é 0,2’ e, ao ser questionado sobre a área desmatada ser semelhante ao tamanho do Distrito Federal, rebate: ‘quantos Distritos Federais cabem na Amazônia?’ [4]. Salles acusa supostos concorrentes do Brasil no agronegócio de promoverem uma imagem negativa da agenda ambiental no país [5]. Ambientalista afirma que a imagem do Brasil é comprometida pelos discursos dos líderes do governo ‘que vão contra dados e análises’ [6]. Ainda, critica líderes estrangeiros de tentarem influenciar nas políticas ambientais brasileiras e os governos anteriores que demarcavam terras e ‘dificultavam o progresso’ [7]. Três dias antes das declarações, dez ex-ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação se reuniram para demonstrar sua oposição às medidas do governo na área [8]; meses antes, o mesmo ocorreu em relação à pasta do Meio Ambiente [9]. As falas de Salles alinham-se às posturas do presidente Bolsonaro, que afirma que existe uma ‘psicose ambientalista’ contra o Brasil [veja aqui], contesta [veja aqui] dados produzidos pelo Inpe sobre desmatamento e diz que incêndios na Amazônia são mentira [veja aqui]. Em outros momentos, Salles diz que o Ibama cumpriu 100% da meta de redução do desmatamento, mesmo com número recorde da destruição da floresta [veja aqui], e o o vice-presidente contraria dados do Inpe [veja aqui], divulga dados falsos sobre desmatamento [veja aqui] e nega queimadas que acometem a floresta amazônica [veja aqui].
Leia as análises sobre o desmatamento na Amazônia em 2019, a política ambiental do governo Bolsonaro, quais as consequências dessa política para o meio ambiente e como ela reflete na imagem do país no exterior
O presidente Jair Bolsonaro afirma, em transmissão ao vivo nas redes sociais, que trabalhou na infância, em referência ao trabalho infantil, e completa que ‘o trabalho dignifica o homem e a mulher, não interessa a idade’ [1]. As declarações criticadas por defensores de direitos humanos, como a chefe de proteção da Unicef no Brasil [2] e a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) responsável pela Coordenação Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente [3]. Nessas manifestações, afirmam que o trabalho infantil contribui para o ciclo de pobreza e ainda é naturalizado pela sociedade brasileira. Organizações da sociedade civil [4], como a Ordem dos Advogados [5] e a Associação de Magistrados do Trabalho [6] publicam notas de repúdio. Pela legislação nacional trabalhista e pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) é proibido qualquer trabalho a menores de 14 anos, sendo permitida a realização de atividade laboral a partir dos 14 anos na modalidade de aprendiz [7]. Segundo dados do IBGE, mais de 1,8 milhão de crianças entre 5 e 17 anos trabalham, sendo que mais da metade (54,4%) está em situação de irregularidade [8]. Em razão do impacto negativo de sua fala, Bolsonaro faz postagem no Twitter negando a defesa ao trabalho infantil e acusando a esquerda de atacá-lo [9]. Vinte dias depois, o MPT lança plataforma digital para monitorar o combate ao trabalho infantil [10]. No final do mês, o presidente questiona legislação trabalhista que veda o trabalho análogo à escravidão [veja aqui] e edita decreto que altera o escopo do Conselho Nacional do Trabalho [veja aqui].
Leia análise sobre a relação do trabalho infantil e a pobreza e assista seminário de pesquisa sobre as formas mais incidentes de trabalho infantil.
O Ministro da Justiça Sérgio Moro comemora em suas redes sociais queda no índice de homicídios para o primeiro bimestre do ano utilizando dados estatísticos do Sistema Nacional de Informações da Segurança Pública (Sinesp), ferramenta reconhecida por ser incompleta e pouco confiável [1]. De acordo com pesquisadores, além de não seguir critérios de padronização estatística, o Sinesp é alimentado por informações oferecidas pelos estados sem qualquer controle sobre a forma de coleta dos dados, seu modo de classificação e abrangência [2]. A primeira tentativa de criar instruções de preenchimento e parâmetros de padronização ocorreu em dezembro de 2018 por meio de portaria editada pelo ex-ministro de Segurança Pública, Raul Jungmann [3]. Vale lembrar que problemas de transparência são comumente identificados no governo federal, que amplia o rol de agentes permitidos a classificar dados públicos como ultrassecretos [veja aqui] [veja aqui]; o Ministério da Economia mantém em sigilo estudos que embasam a reforma da previdência [veja aqui] e o próprio Moro se nega a fornecer informações sobre sua agenda de reuniões [veja aqui]. No ano seguinte, a Controladoria Geral da União altera regras de transparência, ampliando sigilo [veja aqui], e o Ministério da Saúde, no contexto da crise sanitária da covid-19, atrasa a divulgação de dados epidemiológicos [veja aqui] e propõe mudança de metodologia de contagem de infectados [veja aqui].
Leia análise sobre as possíveis causas da redução dos índices de criminalidade e o discurso de Sérgio Moro
O Ministério das Relações Exteriores publica edital que exclui da lista de conhecimentos exigidos para a prova de ingresso na carreira diplomática conteúdos referentes às políticas econômicas dos governos petistas [1], que previam comparações nos dois mandatos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e efeitos positivos das políticas distributivas de renda no governo de Dilma Rousseff [2]. As alterações também incluem a supressão de menção a gênero e raça do item que trata das políticas de identidade [3]. Professores encaram as exclusões como um retrocesso e possível ‘orientação ideológica’ nas modificações [4]. Vale notar que as mudanças estão alinhadas com outras posturas adotadas pelo Ministério, quando o ministro Ernesto Araújo exclui curso sobre América Latina de formação de diplomatas [veja aqui], chancela a retirada de menção a direitos LGBT em documento [veja aqui] e reforça matriz ‘antigênero’ da política externa brasileira [veja aqui]. Além disso, o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas sexo biológico [veja aqui], censura informações sobre política de gênero até 2024 [veja aqui] e o governo Bolsonaro, ao se candidatar para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, omite temas fundamentais como ‘gênero’, ‘tortura’ e ‘migração’ [veja aqui].
Leia a análise sobre a política antigênero do governo Bolsonaro.
O Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ataca o Fundo Amazônia em postagem nas redes sociais, a partir da divulgação de notícia de 2014 [1]. O Fundo Amazônia é um mecanismo de financiamento criado para arrecadar recursos – nacionais e internacionais – que são investidos em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia [2]. O texto republicado por Salles diz que os recursos do Fundo estavam sendo destinados a projeto do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da FAO (braço da ONU para agricultura e alimentação) nos países da bacia do rio Congo, na África [3]. O ministro complementa a postagem com a frase ‘Sem comentários’ [4]. A publicação acontece dias depois de uma reunião do ministro com os embaixadores da Noruega e Alemanha [5]. Na reunião, Salles trouxe pela primeira vez a hipótese de que o Fundo Amazônia poderia ser extinto [6]. Os dois países são os principais doadores do Fundo e têm sido contrários a mudanças no seu atual formato de governança [7]. Entre as mudanças, estão a proposta do presidente Jair Bolsonaro de usar o dinheiro do Fundo para indenizar proprietários rurais em unidades de conservação [8]. Além disso, Salles espera modificar a representação no conselho que define a aplicação das verbas do Fundo [9]. O ministro disse ter encontrado indícios de ‘inconsistências’ em contratos do programa [10]. Porém, auditorias empreendidas pelos doadores nunca identificaram distorções nos projetos e repasses do fundo geridos pelo BNDES [11]. Diante do impasse, a Alemanha bloqueou uma remessa de 35 milhões de euros, o equivalente a mais de R$ 151 milhões, para o Fundo Amazônia, até que o governo deixe claro o que pretende fazer com o programa. [12]. Em 2019, o Fundo Amazônia termina com 2,2 bilhões de reais paralisados, enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pede recursos internacionais para financiamento da preservação do meio ambiente [veja aqui].
Leia sobre o Fundo Amazônia em 10 perguntas e respostas.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – órgão de inteligência financeira destinado à investigação de movimentações suspeitas e reestruturado no governo Bolsonaro – e o ministro da Economia, Paulo Guedes, não esclarecem ao Tribunal de Contas da União (TCU) se o órgão estaria investigando o jornalista Glenn Greenwald [1]. A justificativa dada pelo órgão é que este não poderia se pronunciar sobre casos concretos; já Guedes afirma que não conheceria o caso. As respostas são consideradas evasivas e não deixam claro se há ou não investigação em curso [2]. Greenwald é fundador do The Intercept, site que publicou conversas entre Sergio Moro, ministro da Justiça, e a força tarefa da operação Lava-jato; as suspeitas da investição são levantadas após Moro não esclarecer se o procedimento existiria ou não [3]. O Ministério Público junto ao TCU pede que toda investigação sobre Greenwald seja suspensa; de acordo com o tribunal, a Polícia Federal teria pedido uma investigação que poderia ser uma ameaça à liberdade de imprensa [4]. O partido Rede, da oposição ao governo federal, pede o Supremo Tribunal Federal (STF) que as investigações sejam interrompidas [5], pedido que é atendido pelo magistrado Gilmar Mendes [6]. Entidades da sociedade civil, como a OAB pedem que Coaf explique as investigações contra Glenn [7]. Em 23/07, a PF afirma ao STF que Greenwald não é investigado [8]. Em 11/09, é enviado ao Ministério Público do Rio de Janeiro investigação do Coaf sobre David Miranda, marido do jornalista e deputado federal pelo PSOL; Greenwald vê isso como movimento de retaliação do governo federal [9]. Greenwald já foi chamado de ‘malandro’ por Bolsonaro [veja aqui] e, posteriormente, foi denunciado pelo Ministério Público Federal sem investigação [veja aqui].
Leia análise sobre as investigações do Coaf, as investidas de Sergio Moro contra quem vazou suas conversas e reportagem em que Glenn se pronuncia sobre o caso
O Brasil formaliza candidatura a um assento no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU [1]. O documento apresentado para a candidatura não menciona temas como ‘migração’, ‘gênero’ e ‘tortura’, que estavam presentes em anos anteriores [2]. O Presidente Jair Bolsonaro se manifesta nas redes sociais afirmando que as prioridades no documento são o ‘fortalecimento das estruturas familiares e a exclusão das menções de gênero’ [3]. O texto também não cita direitos LGBTI nem direitos reprodutivos das mulheres, cuja pauta, na visão do Presidente, promove a defesa do aborto [4]. Na mesma ocasião, o país deixa de votar resolução para que sejam investigadas execuções extrajudiciais realizadas pela polícia do governo filipino [5]. Além disso, o governo Bolsonaro deixou o Pacto Global para a Migração no início do ano [veja aqui] [6], já defendeu a ditadura de 1964 [veja aqui], elogiou torturador [veja aqui] e chamou tortura de presos de ‘besteira’ [veja aqui]. A Secretaria da Família afirma que a essência da Declaração Universal de Direitos Humanos ficou de lado com o enfoque em pautas minoritárias [7] e que ‘durante um bom tempo, houve um direcionamento ideológico dos direitos humanos’ [8]. As relações diplomáticas do Brasil com o CDH estão estremecidas, pois em sua campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que pretendia retirar o país do CDH [9] e gerou desconforto ao atacar Michelle Bachelet e seu pai, torturado e morto na ditadura chilena [veja aqui]. Na mesma linha, o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas ‘sexo biológico’ [veja aqui] e censura informações sobre política de gênero [veja aqui]. Diversas ONGs se posicionam contra a candidatura, pois o governo promove diversos retrocessos na área dos direitos humanos [10]. Em outubro, o Brasil consegue manter seu assento no CDH [11].
Leia mais sobre o funcionamento das eleições do Conselho de Direitos Humanos da ONU e ouça a análise sobre a reeleição do Brasil para o órgão.
O presidente, Jair Bolsonaro, em café da manhã com parlamentares da bancada evangélica do Congresso, afirma que ‘coisas absurdas têm acontecido dada a autonomia das universidades’, e completa ‘ali virou terra deles, eles que mandam’ em referência ao corpo docente e discente das universidades federais [1]. Na ocasião, Bolsonaro também comenta sobre a escolha de reitores e lamenta que as listas tríplices indicadas pelas instituições sejam formadas por nomes de pessoas ligadas a partidos de esquerda como o PT, PCdoB e PSOL [2]. As declarações acontecem no contexto de rompimento pelo presidente da tradição de escolha do primeiro nome da lista tríplice indicada por universidades [3]. Segundo Bolsonaro, as universidades estariam sendo ‘aparelhadas’, não só em termos de pessoal, como em termos legislativos, uma crítica à presença de docentes com posicionamentos políticos diferentes dos seus [4]. Vale lembrar que expressão ‘aparelhamento’ foi utilizada em abril por parlamentares do estado de São Paulo que instalaram Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as atividades das universidades paulistas, o que foi duramente criticado por especialistas por violar autonomia acadêmica e a liberdade de cátedra [veja aqui]. Em novembro, o Ministro da Educação, que já tinha utilizado a expressão ‘balbúrdia’ para se referir às atividades de universidades federais [5], acusa instituições de plantarem maconha [veja aqui]. Em dezembro, o presidente edita Medida Provisória que altera o processo de escolha dos reitores universitários [veja aqui]. No ano seguinte, MEC abre procedimento administrativo disciplinar contra docentes de universidade federal [veja aqui], e em seguida o contexto da pandemia sanitária é utilizado na editação de nova Medida Provisória sobre nomeação de reitores [veja aqui].
Leia análise sobre o conceito de liberdade acadêmica no contexto brasileiro e entenda os atuais riscos à autonomia universitária.
O presidente Jair Bolsonaro, em entrevista à imprensa, declara que o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Luiz Mendonça – pastor presbiteriano – é ‘terrivelmente evangélico’ e um bom nome para indicar a uma futura vaga ao Supremo Tribunal Federal (STF) [1]. No dia anterior, em um culto religioso na Câmara dos Deputados, Bolsonaro já havia afirmado que indicaria um nome ‘terrivelmente evangélico’. Na ocasião, ele reconhece que o Estado é laico, mas ressalta que ‘somos cristãos’, defendendo que esse ‘espírito deve estar presente em todos os Poderes’ [2]. Até o final de seu mandato, Bolsonaro poderá indicar ao menos dois nomes ao STF, que deverão ser aprovados pelo Senado [3]. No mesmo dia, em café da manhã com a bancada evangélica, Bolsonaro se mostra à disposição para viabilizar medidas do interesse dessa frente por meio de decreto presidencial, ato administrativo que entra em vigor assim que publicados sem passar pelos trâmites do Legislativo [4]. Além disso, ele menciona que o Itamaraty pretende remover do formulário de solicitação de passaportes os campos ‘genitor 1’ e ‘genitor 2’ – forma adotada para incluir casais homoafetivos – para inserir os termos pai e mãe [5], visando excluir as ‘menções de gênero’ [6]. Em maio de 2020, Bolsonaro volta a mencionar indicação a uma vaga no STF, afirmando que será ocupada por evangélico e Augusto Aras, atual responsável pelas investigações contra ele, poderia ser indicado caso uma terceira vaga ficasse vacante [veja aqui] e, em abril, ao indicar Mendonça como novo ministro da Justiça, Bolsonaro reforça seu discurso [veja aqui].
Ouça sobre o ministro ‘terrivelmente evangélico’ cotado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal e leia a análise sobre os nomes já cotados para as vagas.
O presidente da República Jair Bolsonaro declara intenção de indicar Eduardo Bolsonaro, seu filho e deputado federal (PSL – SP) para o cargo de embaixador brasileiro nos Estados Unidos [1]. O anúncio é feito um dia depois de Eduardo completar 35 anos, a idade mínima para assumir o cargo, e Bolsonaro, negando se tratar de nepotismo, justifica a intenção com base nos seguintes motivos: seu filho falaria inglês e espanhol, teria ‘vivência do mundo’ e seria amigo dos filhos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump [2]. O presidente chega a afirmar que, se Eduardo não conseguir assumir o cargo de embaixador, indicaria-o para ministro das Relações Exteriores [3] e que quer ‘beneficiar’ o seu filho [4]. Nesse mesmo contexto, critica os embaixadores brasileiros: ‘não fizeram nada de bom desde 2003’ [5]. Levantamento [6] aponta que em 28 anos de trajetória política, a família Bolsonaro (Jair, Flávio, Carlos e Eduardo) nomeou 102 pessoas com laços familiares para cargos do governo, além de ter abertamente assumido nomear parentes [7]. De acordo com juristas, a escolha de Eduardo para o cargo poderia implicar em violação de princípios da administração pública [8]. Ainda, para o ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal (STF), configuraria nepotismo [9], assim como para membros da oposição ao governo [10]; contudo, a opinião não é unânime entre especialistas [11] e teria que ser decidida pelo STF [12]. Deputados buscam tornar nepotismo a indicação de parentes para ministérios ou embaixadas [13] e o Ministério Público Federal entra com ação para impedir a nomeação, bem como partidos políticos [14]. O STF nega seguimento a um mandado de segurança sobre o tema por motivos processuais [15]. Em 22/10, após ser eleito líder do partido PSL, Eduardo anuncia a desistência do cargo na embaixada [16].
Leia a análise sobre os critérios jurídicos para configuração de nepotismo, a indicação na conjuntura política, os impactos no partido de Eduardo e sobre o embaixador escolhido.
O governador do Acre, Gladson Cameli, durante evento oficial orienta a população a não pagar multa do Instituto do Meio Ambiente do Acre (Imac), e completa ‘me avisem (…) porque quem está mandando agora sou eu’ [1]. Em nota o governador reitera o posicionamento e afirma que antes da atual gestão o Imac cometia ‘excessos’ ao sancionar produtores rurais [2]. As declarações acontecem no mesmo período que sistema de monitoramento internacional registra aumento de 364% da área desmatada no estado do Acre com relação ao mesmo período no ano anterior [3]. Os dados são compatíveis com os divulgados pelo Inpe, que registra aumento recorde [4]. Cameli também menospreza os dados do Inpe sobre o tema, afirmando que não estariam ‘consolidados’[5]. Questionado sobre reações, membro do Ministério Público Estadual diz que está acompanhando a ‘atuação do Imac’, mas não realiza outras providências contra a fala do governador [6]. Vale notar que no primeiro semestre de 2019 registra-se em âmbito federal uma redução das multas por crimes ambientais [veja aqui]; e, em agosto, o diretor do Inpe responsável por divulgar dados sobre o desmatamento na Amazônia é exonerado após a divulgação de dados alarmantes [veja aqui]. O discurso de Cameli se alinha a posicionamentos do presidente Jair Bolsonaro, para quem o desmatamento seria ‘cultural’ [veja aqui] e a preocupação internacional com a região seria ‘psicose ambientalista’ [veja aqui]. Em 2020, o vice-presidente também contraria dados do Inpe e diz que desmatamento caiu [veja aqui].
Leia análise sobre os efeitos do desmatamento para a sobrevivência da floresta amazônica
A Agência Nacional de Águas (ANA) publica resolução [1] que abre portas para o uso de recursos hídricos em áreas ao redor de terras indígenas, incluindo instalação de usinas hidrelétricas, sem participação da Funai nos processos de outorga [2]. Como previsto na Constituição Federal, o uso de recursos hídricos em terras indígenas é permitido mediante permissão do Congresso Nacional [3]. A nova resolução [4] traz a possibilidade do uso de recursos hídricos [5] nas áreas ao redor das terras indígenas sem necessidade da permissão da União [6]. Mesmo se tratando de terras próximas a terras indígenas, o uso de recursos hídricos nessas áreas poderá afetar na qualidade ou quantidade de água nas próprias terras indígenas [7]. Apesar do potencial de afetar terras indígenas, essa mudança normativa faz com que a FUNAI só receba a notificação da outorga quando ela já tiver sido deferida. Ou seja, caso haja qualquer contraposição referente à solicitação de uso que afete terras indígenas, só poderá ser realizada após a concessão da outorga e não durante o processo[8].
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determina monocraticamente – individualmente e sem concordância do plenário – a suspensão de investigações criminais baseadas em dados obtidos por órgãos de controle administrativo sem autorização judicial prévia [1]. A decisão, na prática, suspende inquérito conduzido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que investiga práticas ilícitas por parte do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro [2]. A investigação envolvendo Flávio se iniciou com o compartilhamento de dados entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o MPRJ, após identificação de transferências financeiras entre o senador e seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, no valor de R$1,2 milhão [3]. Posteriormente, a Justiça do Rio de Janeiro permitiu a quebra do sigilo bancário de Flávio [4]. Em recurso apresentado a Toffoli, a defesa do senador alegou que o MPRJ se valeu do Coaf para ‘criar atalho e se furtar ao controle da Justiça’ e que a quebra do sigilo bancário não poderia ser feita sem autorização judicial prévia [5]. O ministro acatou a argumentação de defesa e decidiu pela suspensão de todas as investigações criminais semelhantes, atingindo outros casos em todas as instâncias judiciais, envolvendo a investigação de corrupção e lavagem de dinheiro e tráfico de drogas [6]. Em reação, procuradores da operação Lava Jato criticam a decisão de Toffoli e alegam que esta ‘suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil’ [7]. Em dezembro de 2019, o plenário do STF reverte a decisão de Toffoli, por 10 votos a 1, e fixa a tese de que ‘é valido o compartilhamento de informações da Receita com órgãos de investigação’ sem a necessidade de autorização judicial prévia [8]. O presidente do Coaf, que critica a decisão de Toffoli, é posteriormente exonerado do cargo [veja aqui], um dia após a edição de Medida Provisória pelo presidente Bolsonaro que reduziu o número de Ministérios e transferiou o Coaf para a pasta da Justiça [veja aqui]. Em outra oportunidade, Toffoli determinou a quebra do sigilo bancário de 600 mil pessoas sob justificativa de ‘compreender relatórios financeiros’ [veja aqui].
Ouça podcast sobre as repercussões da decisão para o caso que envolve Flávio Bolsonaro.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz discurso em Rondônia apoiando madeireiros, após ataques deles ao Ibama em ações de fiscalização de extração de madeira ilegal em terras indígenas [1]. Duas semanas antes da visita do ministro, agentes do Ibama tiveram que desistir da operação que faziam de fiscalização ambiental, onde destruíram equipamentos dos madeireiros, devido aos ataques que sofriam [2]. Nas ocasiões, um caminhão-tanque do Instituto foi incendiado por madeireiros, além de terem havido outros ataques aos servidores que impediram a entrada nas terras indígenas para fiscalização [3]. Devido aos riscos que sofriam, receberam ordens para que voltassem e abandonassem as operações [4]. Salles alega demonstrar respeito ao setor produtivo, através de sua visita e também de estar aberto às reclamações feitas pelos madeireiros [5]. Afirma também não acreditar que o ataque ao caminhão do Ibama seja de autoria dos madeireiros [6]. O presidente Bolsonaro já havia se manifestado contra as medidas de queima de maquinário em fiscalizações ambientais do Ibama, prometendo modificações aos garimpeiros [veja aqui]. Estudo feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) [7] mostra que após discurso do Salles, os meses de agosto e setembro tiveram o aumento respectivo de 247% e 283% em comparação ao mês de maio de 2019, no local do discurso e dos acontecimentos em Rondônia [8].
Leia a análise sobre a opnião do professor de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (Procam) da Usp sobre as consequências da fala do Salles
Após o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, concordar com a indicação de Eduardo Bolsonaro para a Embaixada nos EUA [veja aqui], concede entrevista e comenta sobre a retirada de menções ao termo ‘LGBT’ no documento de candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU [veja aqui] [1]. O Ministro afirma que a proposta do governo é a ‘defesa dos direitos humanos reais de pessoas reais, e não de coisas abstratas que são sempre usadas para distorcer a realidade’ [2]. Ele complementa que o termo LGBT é usado para ‘controle do discurso’ e que a política externa do Brasil nos últimos anos se limita ao ‘politicamente correto’ [3], também reiterando seu discurso antiglobalista [veja aqui]. De acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2019, o Brasil registrou 329 mortes violentas de pessoas LGBT [4], sendo um dos países que mais mata LGBTs do mundo [5]. Gregory Rodrigues, membro da aliança nacional LGBTI de Minas Gerais, afirma que a fala do Ministro é um retrocesso para a comunidade LGBTI e busca excluí-la das políticas afirmativas [6]. O discurso do Ministro está alinhada com posturas homofóbicas adotadas pelo governo, como a menção ao inexistente ‘kit gay’ [veja aqui], a afirmação de que o Brasil ‘não pode ser o país do turismo gay’ [veja aqui] e o repúdio à denominada ‘ideologia de gênero’ [veja aqui], que levou o Itamaraty a orientar os diplomatas a mencionarem apenas ‘sexo biológico’ [veja aqui]. No agregado, os acontecimentos também estão atrelados à vinculação da diplomacia brasileira às políticas defendidas por Bolsonaro [veja aqui].
Leia as análises sobre o lugar de Ernesto Araújo na diplomacia brasileira, o que é LGBTfobia e os retrocessos para a população LGBT+ em 2019
O presidente Jair Bolsonaro transfere o Conselho Superior de Cinema do Ministério da Cidadania para o controle da Casa Civil [1] e reduz a participação de representantes do setor cinematográfico pela metade, de modo que o governo passa a ter a maioria na composição [2]. O Conselho integra a política de fomento ao audiovisual junto com a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e a Secretaria do Audiovisual e é responsável por formular as diretrizes para o desenvolvimento da indústria cinematográfica no país [3]. No dia seguinte, Bolsonaro ameaça extinguir a Ancine caso não consiga filtrar as produções nacionais financiadas pela agência reguladora [4] – responsável por regular e fiscalizar o mercado do cinema e do audiovisual no Brasil [5]. Na ocasião, declara que é preciso retratar as histórias dos ‘heróis’ nacionais e que o dinheiro público não pode ser usado para ‘fins pornográficos’ [6]. Ele afirma, ainda, que pretende transferir a sede da Ancine para Brasília e que quer transformá-la em secretaria [7]. Em reação, atriz afirma que os filmes devem continuar abordando histórias reais de milhares de mulheres, em alusão à produção Bruna Surfistinha [8] e ex-diretora da Ancine declara que censurar conteúdos é inconstitucional [9]. Em setembro, o filme Marighella é cancelado depois de ter sido negado um recurso solicitado pela produtora à Ancine [veja aqui] e o Itamaraty pede retirada de filme de festival internacional [veja aqui]. Em 2020, a Ancine nomeia capitão de Mar e Guerra para Diretoria Colegiada [veja aqui].
Leia as análises sobre o setor de audiovisual no país, os planos do governo para o setor, as transformações na Ancine que marcam a visão política do governo Bolsonaro e as ações vistas como censura a produções culturais.
O presidente Jair Bolsonaro, em conversa informal com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni e antes do encontro com imprensa internacional, afirma: ‘daqueles governadores de paraíba, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada para esse cara’ [1], sem saber que estava sendo gravado pela TV Brasil [2]. Os governadores do Nordeste manifestam ‘indignação’ com as ‘orientações de retaliação’ e uso do termo pejorativo ‘paraíba’ para se referir aos nordestinos [3], afirmando que, em respeito à Constituição e à democracia, deve-se manter uma relação de diálogo e convergências entre os Estados e o governo federal [4]. O governador do Maranhão, Flávio Dino, reage dizendo que o presidente não pode ‘determinar perseguição contra um ente da Federação’ e que é grave o presidente sugerir que não teria que ter nada para o governador do Maranhão [5]. Em resposta, Bolsonaro alega que os governadores do Nordeste têm ideologia e tentam manipular, por meio de desinformação, os eleitores da região [6]. Três dias depois (22/07), um advogado cearense processa Bolsonaro por injúria e racismo no Supremo Tribunal Federal por usar o termo ‘paraíba’ para se referir aos nordestinos [7]. Em 23/07, em visita ao Nordeste, Bolsonaro declara ‘amar os nordestinos’ e ter sangue ‘cabra da peste’ na família [8]. Essa não é a única vez que Bolsonaro promove ataques ao Nordeste. Em agosto, ele afirma que os governadores querem transformar a região ‘em uma Cuba’ [9] e, em fevereiro de 2020, sustenta que eles querem formar ‘militantes’ por não aderirem à criação de colégios cívicos-militares e, novamente, Flávio Dino reage, defendendo o seu investimento na rede pública e aumento do piso salarial para professores [veja aqui].
Leia as análises sobre o movimento de governadores do Nordeste para fazer contraponto político ao presidente e confrontar as pautas do governo federal e entenda os crimes de racismo e injúria racial.
O presidente Jair Bolsonaro questiona dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que apontam o aumento do desmatamento na Amazônia. O Instituto é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações [1]. Ao dar entrevista coletiva aos correspondentes estrangeiros em Brasília, Bolsonaro afirma que Ricardo Galvão, então presidente do Inpe, poderia estar ‘a serviço de algumas ONGs’ e que os dados do instituto não condizem com a ‘verdade’ [2]. Dois dias depois das declarações (21/07), o presidente chama as preocupações com o desmatamento de ‘psicose ambiental’ [veja aqui] [3]. Ao demonstrar insatisfação com a divulgação dos dados em tempo real pelo Inpe [4], Bolsonaro decide que quer ter acesso aos dados antes da divulgação [5]. Em nota, Ricardo Galvão ressalta a política de transparência de dados [6] e afirma, em entrevista, que Bolsonaro fez ‘comentários impróprios’ e sem qualquer embasamento [7]. No mês seguinte (02/08), ele é exonerado do cargo após ataques frequentes de Bolsonaro e Ricardo Salles em relação à veracidade dos dados de monitoramento [8] [veja aqui] e membros da comunidade científica temem a censura aos alertas de desmatamento [9]. A desconfiança e negligência com os dados não são episódios isolados. Em setembro, o ministro das Relações Exteriores afirma que incêndios na Amazônia estão na média prevista [veja aqui] e, em 2020, o vice-presidente da República afirma que o desmatamento na região caiu [veja aqui], ambos contrariando os dados divulgados pelo Inpe. O Ministério da Defesa também divulga número maior sobre o enfrentamento às queimadas do que o colhido por militares na região [veja aqui].
Leia as análises sobre como ler os dados do Inpe sobre desmatamento, o aumento do desmatamento na Amazônia em 2019 e como a política ambiental de Bolsonaro afetou a imagem do Brasil.
O presidente Jair Bolsonaro afirma que ‘passar fome no Brasil é uma grande mentira’ [1]. Durante encontro com correspondentes de jornais estrangeiros, Bolsonaro disse que podem ter pessoas que não se alimentam bem, mas que não existiria fome no país; a fala foi dada em resposta a uma pergunta que tratava do tema e do aumento da pobreza no país, além de criticar programas de redistribuição de renda, afirmando que ‘somos o país das bolsas’ [2]. Apesar da declaração do presidente, que voltou atrás em sua fala [3], dados apresentam panorama diferente da fome no país: relatório do Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018, produzido pelas Organização das Nações Unidas (ONU), levantou dados que apontam para o crescimento da fome no Brasil, estimando que a desnutrição atingiu até 5,2 milhões de brasileiros entre 2015 e 2017 [4]. Quanto à pobreza, dados do IBGE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada demonstram que 54,8 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza e a proporção de miseráveis no Brasil vem aumentando, subindo de 6,6% em 2016 para 7,4% em 2017 [5]. Dados divulgados pela ONU em 2020 também demonstram que a fome aumenta no país [6].
Leia as análises sobre segurança alimentar no país, o status da pobreza no Brasil, a fome na América Latina, o papel dos programas de redistribuição de renda na democracia e sobre os cafés da manhã realizados com o presidente e a imprensa.
Em entrevista para a imprensa estrangeira, o Presidente Jair Bolsonaro afirma que a jornalista Míriam Leitão ‘conta um drama todo, mentiroso’ sobre ter sido torturada e abusada durante a ditadura militar de 1964 [1]. O Presidente diz que Míriam integrou a luta armada e que foi presa quando se dirigia à guerrilha do Araguaia [2]. Na ocasião, também disse que ela serve a um ‘império’ que não tem mais força, se referindo ao jornalismo profissional, em contraposição ao que chama de ‘mídia completamente livre’, se referindo às redes sociais [3]. A jornalista desmente o Presidente, afirma que ‘não estava indo para a guerrilha do Araguaia. Nunca fiz qualquer ação armada’ [4]. Míriam é apoiada pela Rede Globo, que repudia a fala de Bolsonaro [5], e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que afirma que os atos de desqualificação e agressão a jornalistas têm graves consequências para a liberdade de imprensa [6]. Dias antes, Míriam teve sua participação cancelada em um evento por seu ‘viés ideológico’ [7]. Em depoimento para o Observatório da Imprensa, a jornalista conta como foi presa e torturada grávida por militares no Forte de Piratininga em Vila Velha [8]. Em outras situações, Bolsonaro defendeu publicamente a ditadura militar [veja aqui] e sua gestão pregou a inexistência do regime [9]. Bolsonaro também acumula histórico de ataques à jornalistas, como os casos de Patrícia Campos Mello [veja aqui], Constança Rezende [veja aqui] e Vera Magalhães [veja aqui].
Leia na íntegra o depoimento da jornalista Míriam Leitão sobre sua prisão durante a ditadura militar, a análise sobre o que foi a ditadura de 1964, entenda o que é a Comissão Nacional da Verdade e leia um capítulo do relatório da Comissão sobre os métodos e práticas de violações de direitos humanos durante o regime.
Decreto presidencial [1] altera a composição do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e exclui participação da sociedade civil [2]. A composição anterior ao decreto contava com 31 representantes, divididos em 13 da sociedade civil, de especialidades como jurista, médico e psicólogo,17 do governo federal e um do conselho estadual sobre drogas [3]. Com a alteração, o Conselho passa a ser formado quase que exclusivamente por representantes do governo federal, com apenas um de órgão estadual e um de conselho estadual que tratem da temática de drogas [4]. Bolsonaro afirma que a mudança visa a extinguir ‘órgãos aparelhados’ no Conad [5], mas atas comprovam a diversidade de opiniões nas discussões e desmentem suposto ‘aparelhamento’ [6]. A alteração recebeu duras críticas da Comissão Nacional de Direitos Humanos, ao afirmar que viola o sentido constitucional de políticas públicas construídas e fiscalizadas pela sociedade [7] e de entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que considera um ataque à democracia [8], o Conselho Federal de Psicologia, que alerta para o retrocesso da mudança [9] e a OAB do Ceará, que julga a alteração como contrária aos princípios democráticos [10]. Em janeiro de 2021, o Conselho Federal da OAB apresenta ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) visando restaurar a participação da sociedade civil no Conad, demandando a inserção de figuras como jurista, médico, psicólogo, assistente social, enfermeiro, entre outras na composição do conselho [11]. Em outra oportunidade, Bolsonaro editou decreto que extinguiu grupos de trabalho, comitês e conselhos de participação da sociedade civil em órgãos da Administração Pública [veja aqui].
Leia as análises sobre como a eliminação de espaços participativos prejudica a democracia, outras alterações na Política Nacional sobre Drogas no governo Bolsonaro, a pesquisa da Fiocruz sobre o uso de drogas e as distorções das informações trazidas pelo governo e sua política pautada por tentativas de controle da sociedade civil.
Ao comentar o aumento de mortes por policiais no estado do Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel (PSC) afirma que os números decorrem da maior frequência de operações policiais e tendem a diminuir, pois ‘a polícia já mandou o recado’ [1]. No primeiro semestre de 2019, 881 pessoas foram mortas por policiais, um aumento de 15% em relação ao mesmo período no ano passado, que somou 769 óbitos; é também o maior valor dos últimos 10 anos [2]. O governador também afirma que ‘não se combate o terrorismo com flores, se combate com investigação, armas de mesmo calibre e um processo rigoroso. Se não se entregarem, serão mortos. O recado está dado, não enfrente a polícia’ [3]. Antes de assumir a posse, Witzel incentivou a letalidade policial [4] e afirmou que policiais que matarem quem porta fuzis não devem ser responsabilizados ‘em hipótese nenhuma’ [5]. Na ocasião do assassinato da menina Ágatha Félix, Witzel lamenta, mas diz que ‘política de segurança está no caminho certo’ [veja aqui]. A fala do governador está alinhada com posturas de legitimação da violência policial do governador de São Paulo [veja aqui], que afirma que ‘a política de segurança pública não vai mudar’ [veja aqui] e do Presidente Jair Bolsonaro [veja aqui] e se enquadra no contexto de valorização de medidas punitivistas no âmbito da segurança pública [veja aqui].
Leia as análises sobre a ‘política de polícia’ no Rio de Janeiro em 2019, sobre como as democracias fortes controlam suas forças policiais e ouça a análise sobre segurança pública
O presidente Jair Bolsonaro, durante uma declaração sobre seu plano de transformar a Baía de Angra dos Reis em uma ‘Cancún brasileira’, chama ONGs de ‘xiitas ambientais’ por fazerem campanha para difamar a imagem do Brasil no exterior, em alusão a suposto radicalismo [1]. Na mesma ocasião, Bolsonaro ainda declara não ter preconceito contra ninguém, mas que sente ‘profunda repulsa por quem não é brasileiro’ [2]. Em maio, ele já havia declarado a sua intenção de transformar a Baía carioca na nova ‘Cancún brasileira’ [3] e, quando questionado sobre a importância do meio ambiente na sua proposta de exploração turística, afirma que a questão ambiental só importa ‘aos veganos que comem só vegetais’ [veja aqui]. Em junho, seu governo começou a preparar um pacote de medidas para criar a ‘Cancún brasileira’ . Em agosto, Bolsonaro volta a atacar ONGs, ao acusá-las de promoverem incêndios na Amazônia em diversas ocasiões [veja aqui]. O uso de termos pejorativos é frequente nas declarações do presidente. No mesmo mês, ele utiliza o termo ‘paraíbas’ para se referir aos nordestinos, sendo inclusive processado por um advogado cearense por injúria e racismo no Supremo Tribunal Federal [veja aqui].
Leia as análises sobre o papel das ONGs ambientais na Amazônia e os projetos de Bolsonaro que promovem uma flexibilização nas regras ambientais.
Representantes diplomáticos brasileiros participam de Conferência Internacional sobre mudanças do Clima com tradicionais nomes que negam mudanças climáticas como ameaça ao planeta e se alinham a essas tendências [1]. Durante o evento são criticados os resultados de trabalhos científicos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) [2] utilizados nas negociações de acordo internacional sobre o clima [3]. Em linha com posicionamento dos diplomatas, o Presidente da Câmara do Comissão de Mudanças Climáticas [4] e Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores [5], demonstram ser céticos ao que se refere às mudanças climáticas. Araújo alega não haver equipamento que meça a temperatura global, somente diversos equipamentos de medição de temperatura locais, não existindo meios para comprovar o aquecimento global [6]. Não é a única vez que o ministro mitiga problemas ambientais se pautando em dificuldades de equipamentos. Em setembro, afirma em reunião nos Estados Unidos que satélites confundem incêndios na Amazônia com fogueiras de acampamento , indicando serem equivocados os números divulgados de queimadas florestais[7].
Leia mais sobre o que é negacionismo climático e sobre políticos negacionistas brasileiros e suas influência.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) baixa portaria nº 666/2019 [1], regulamentando a lei da migração sancionada durante o governo de Michel Temer e endurecendo o tratamento dado a estrangeiros suspeitos de diversos crimes, prevendo inclusive sua deportação e impedimento de ingresso no país [2]. Não é necessária acusação formal, já que a portaria fala apenas em ‘suspeitos’ [3]. No rol de crimes constantes, encontram-se terrorismo, pedofilia, tráfico de drogas e envolvimento em crime organizado ou organização criminosa armada [4]. A portaria prevê que a deportação seja sigilosa e não esclarece se o acusado terá acesso à motivação (o que é vedado pela legislação brasileira) [5]. A norma é editada em meio à troca de acusações entre o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça Sergio Moro e o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, estrangeiro residente no Brasil e cujo site ‘The intercept’ publicou uma série de mensagens entre o ministro, ex-juiz da operação Lava Jato, e procuradores do Ministério Público responsáveis pela força-tarefa da operação [6] – o presidente chega a afirmar que o jornalista ‘talvez pegue uma cana aqui no Brasil’ [veja aqui]. Bolsonaro afirma também que não seria xenófobo, mas ‘na minha casa entra quem eu quero, e minha casa no momento é o Brasil’ e que mesmo se as pessoas a serem deportadas fossem apenas suspeitas, deveriam sair do país [7]. Já Greenwald afirma que a portaria seria ‘terrorismo’ e o MJSP informa que a portaria não se dirige a casos em que há ‘vedação legal, como de estrangeiro casado com brasileiro ou com filhos brasileiros’ – situação de Glenn [8]. Organizações da sociedade civil também se posicionam contra a norma, alegando que não respeitaria o direito à presunção de inocência [9]. Em setembro, a Procuradoria Geral da União entra com ação no Supremo Tribunal Federal para a suspensão da portaria [10] e um mês depois o MJSP volta atrás e revoga a norma [11].
Leia as análises sobre quais as polêmicas por trás da portaria, decisão do STF sobre migração, sobre deportação e lei de migração e ouça podcast sobre investigação da portaria.
Durante cerimônia da formatura de novos paraquedistas das Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro defende a exploração de minerais em reservas indígenas [1]. Ele afirma que a reserva Ianomami e a Raposa da Serra do Sol são riquíssimas em minerais e busca algum país do ‘primeiro mundo’ para explorá-las. Isso isso motivaria sua aproximação com os EUA e o desejo de colocar seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, na embaixada do Brasil no país norte americano [veja aqui] [2] . Bolsonaro também critica o aumento da demarcação de terras indígenas e reafirma a soberania do Brasil sobre a Amazônia [3], repetindo discursos anteriores [veja aqui] [veja aqui]. Entidade ligada à causa socioambiental afirma que, além da mineração causar grande impacto ao meio ambiente, expõe os povos indígenas a situações de violência e pode afetar a saúde de seus membros [4]. A fala do presidente está alinhada a outras medidas tomadas pelo governo de desmonte de políticas de proteção de áreas indígenas, como o apoio a ruralistas [veja aqui] e madeireiros [veja aqui], a revogação do decreto que impede a expansão do plantio de cana em terras indígenas [veja aqui], a paralisação do Fundo Amazônia [veja aqui] e a liberação da pesca esportiva em áreas protegidas [veja aqui]. Bolsonaro também defende a regularização pecuária em terras indígenas [veja aqui] e sofre representação no Tribunal Penal Internacional por implementar políticas predatórias contra indígenas [veja aqui]. Em 2020, Bolsonaro encaminha Projeto de Lei ao Congresso Nacional que permite a mineração em terras indígenas [veja aqui].
Leia as análises do porquê da exploração de terras indígenas preocupa estudiosos, quem são os maiores beneficiários da mineração nessas áreas e o que está em jogo na exploração de minerais nas terras indígenas
Ao ser questionado sobre portaria que permite deportação sumária de estrangeiros [veja aqui], o presidente da República Jair Bolsonaro afirma que o jornalista norte-americano Glenn Greenwald poderia ‘pegar um cana’ no Brasil [1]. Greenwald é um dos fundadores do The Intercept Brasil e um dos responsáveis pela divulgação de mensagens vazadas entre Sergio Moro (quando exercia magistratura) e procuradores da operação Lava Jato [2]. Além disso, ainda falando sobre a portaria, o presidente também afirma que Greenwald e seu marido David Miranda (parlamentar pelo partido da oposição ao governo federal PSOL) seriam ‘malandros’, em referência a terem se casado e adotado crianças no Brasil, o que impediria a deportação de Glenn [3]. Organizações da sociedade civil repudiam a fala do presidente, vendo nela um risco à liberdade de expressão [4]; também se posicionam contra a perseguição de jornalistas após a publicação da série de reportagens [5]. Além disso, o advogado Edson Lanza, autoridade máxima da Organização dos Estados Americanos em liberdade de expressão, vê com ‘absoluta preocupação’ as declarações do presidente e afirma que poderiam gerar discurso de ódio [6]. Greenwald aciona o Supremo Tribunal Federal para que Bolsonaro explique suas declarações [7], o que o presidente faz após um mês depois de ser notificado, alegando que não teria cometido nenhum crime [8]. Vale lembrar que Jair Bolsonaro já se envolveu em questões de liberdade de imprensa com as jornalistas Constança Rezende [veja aqui], Patrícia Campos Mello [veja aqui] e Vera Magalhães [veja aqui] e com os jornalistas como um todo [veja aqui].
Leia entrevista com Greenwald e análises sobre as reportagens e a liberdade de imprensa, medidas tomadas por Sergio Moro e qual a limitação das agressões de Bolsonaro à imprensa.
Durante o 20º Festival de Inverno em Bonito, no Mato Grosso do Sul (MS), a Polícia Militar interrompe o show da banda BNegão & Seletores de Frequência e expulsa todos do local [1]. Durante a apresentação, o cantor se posiciona de forma contrária à violência policial e aos ataques nas aldeias Wajãpis, no Amapá e critica o presidente Jair Bolsonaro [2]. As críticas também ocorrem durante o show anterior, da cantora Gal Costa, em que o público se manifesta com gritos de ordem e xingamentos ao presidente [3]. De acordo com BNegão, o estopim para a interrupção se dá quando ele diz, no palco, que produtores do evento teriam sido agredidos por policiais dois dias antes [4]. Uma das produtoras foi agredida por policiais, que a levaram algemada para a delegacia e o outro foi detido ao filmar a ação ilegal da polícia [5]. O Fórum Estadual de Cultura do MS divulga nota de repúdio frente ao ocorrido [6]. Sobre a interrupção do show, o cantor afirma se tratar de censura e ressalta o uso desproporcional da força pelos policiais, que empurraram as pessoas e utilizaram cassetetes e gás de pimenta [7], fato corroborado por relatos de pessoas que assistiam ao show, ao afirmarem que a polícia agiu de forma ‘truculenta’ [8]. Em nota, a prefeitura de Bonito repudia as manifestações políticas que ocorreram no festival [9] e a Polícia Militar declara que as acusações são inverídicas e que os policiais foram averiguar as denúncias de que pessoas estariam fazendo o uso de entorpecentes no local do evento [10]. Em março, foliões denunciaram violência policial durante o Carnaval [veja aqui] e outras interferências na área cultural ocorrem, como os cancelamentos de peça de teatro com cena de nudez [veja aqui], de peça infantil com temática da repressão e ditadura [veja aqui], da apresentação de cantora transexual em Parada LGBT , de eventos e espetáculos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e adiamento da estreia do filme ‘Marighella’ [veja aqui].
Leia a entrevista com BNegão sobre o ocorrido e a análise sobre as estratégias do governo vistas como censura a produções culturais.
O presidente Jair Bolsonaro afirma que a questão ambiental só importa aos ‘veganos que comem só vegetais’ ao ser questionado sobre a importância do meio ambiente na proposta de exploração turística da baía de Angra dos Reis (RJ) [1]. Na ocasião, Bolsonaro defende a transformação da baía na ‘Cancún brasileira’, alega que Cancún fatura ‘US$ 12 bilhões por ano’ e critica o fato de que a baía de Angra só recebe o dinheiro proveniente de ‘cuscuz, cocoroca e água de coco’ [2]. A proposta foi mencionada inicialmente em maio, quando o presidente disse que iria promover uma alteração no status da Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis, local onde possui uma casa e já foi multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por pesca ilegal em 2012 [3], mas teve a multa anulada em 2018 [4]. O servidor do Ibama que aplicou a multa foi, inclusive, exonerado do cargo em março de 2019 [5] [veja aqui]. Ao defender a mudança em Angra, Bolsonaro questiona os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) [6], postura similar que adotou quanto ao aumento do desmatamento na Amazônia [veja aqui]. Vale notar que, segundo relatório da organização não governamental Human Rights Watch [7] divulgado em maio de 2020, as multas por desmatamento ilegal na Amazônia estão praticamente paralisadas desde outubro de 2019 em decorrência de mudanças administrativas feitas pelo governo [8]. A ideia de Bolsonaro é rejeitada por diversos setores da região, como empresários, pescadores, a prefeitura de Angra dos Reis e Ambientalistas, segundo apuração da imprensa [9].
Leia as análises sobre a atuação do governo Bolsonaro para paralisar políticas de preservação ambiental e sua gestão na política do meio ambiente no ano de 2019.
Indígenas da etnia Waiãpi denunciam invasão de garimpeiros às suas terras e consequente assassinato do cacique Emyra [1]. Os moradores não presenciaram a morte do líder, mas relatam que os invasores estavam armados e ocuparam a região em torno da aldeia Yvytotõ, por isso, os waiãpi tiveram que se refugiar em aldeia vizinha [2]. O território dos Waiãpi localiza-se no Amapá, faz parte da Reserva Nacional de Cobre e Associados, e é rica em diversos minérios, principalmente ouro [3]. O Ministério Público Federal investiga os acontecimentos [4] e o Presidente Jair Bolsonaro, ao ser indagado sobre o caso, afirma que ‘não tem nenhum indício forte’ de que o cacique tenha sido assassinado e reafirma sua intenção de legalizar o garimpo em terras indígenas [5] . O Ministério Público Federal arquiva o inquérito que investigava os acontecimentos [6]. Em suas falas sobre o episódio, o Presidente também afirma que ‘usam o índio como massa de manobra, para demarcar cada vez mais terras, dizer que estão sendo maltratados’ e critica a atuação de ONGs estrangeiras, afirmando que querem que os índios permaneçam ‘presos num zoológico animal’ e querem ‘ter para si a soberania da Amazônia’ [7] e, posteriormente, as culpa pelas queimadas na região [veja aqui]. As falas do Presidente seguem a mesma linha de outros discursos seus [veja aqui] e da diplomacia brasileira [veja aqui]. Em outras ocasiões, o Presidente se posicionou contra o aumento de demarcação de terras indígenas [veja aqui] e favorável à exploração de minerais na região [8].
Leia a análise sobre a relação do governo Bolsonaro com os povos indígenas.
O presidente da República Jair Bolsonaro afirma que poderia contar a Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como seu pai desapareceu na ditadura militar e que Santa Cruz ‘não vai querer saber a verdade’ [1]. Bolsonaro critica na ocasião, a atuação da OAB no caso de Adélio Bispo, que desferiu uma facada a ele à época da campanha eleitoral [2]. O pai de Santa Cruz, Fernando Santa Cruz, fazia parte da Ação Popular (organização de esquerda que combatia o regime ditatorial) e desapareceu no Rio de Janeiro após ter sido apreendido pelo DOI-CODI em 1974; o presidente teria insinuado que os militantes teriam assassinado Fernando [3], o que não é verdade segundo documentos oficiais [4]. No dia seguinte, afirma que não há documentos comprobatórios da morte de Fernando Santa Cruz pelo regime [5], o que está em desacordo com relatório da Comissão Nacional da Verdade [6]. Organizações da sociedade civil, parlamentares (incluindo do partido de Bolsonaro), ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e outros repudiam a fala do presidente [7]. Em 31/07/19, Santa Cruz ajuíza ação no STF solicitando que Bolsonaro esclareça as informações que afirma ter sobre a morte de seu pai [8], assim como apresenta representação à Procuradoria Geral da República [9]. Outros familiares de desaparecidos políticos afirmam que também seguirão esses procedimentos [10] e antigos militantes da Ação Popular declaram que prestarão queixa-crime no STF [11]. Em 02/08/19, Bolsonaro afirma que não falou ‘nada demais’ e em 25/08/19, diz não ter ofendido Santa Cruz e pede ao STF que arquive o caso [12]; um dia depois, o ministro da Corte Luís Roberto Barroso arquiva a petição do presidente da OAB [13].
Ouça podcast sobre diversas acusações de Bolsonaro e leia análises sobre Felipe Santa Cruz, um balanço do início de 2020 sobre a situação de direitos humanos no país, a retórica de Jair Bolsonaro e as consequências de suas falas.
Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro, declara apoio a política de internação compulsória de pessoas em situação de rua [1]. Na fala, o governador diz que ‘pessoas que estão na rua e que não têm capacidade de autodeterminação não podem decidir se querem ou não ficar na rua’ [2]. A declaração faz referência a pessoas em situação de rua e dependentes de substâncias químicas, em especial a episódio de dois dias antes na zona Sul da capital, em que um homem em situação de rua e possivelmente em estado de transtorno psicótico tentou assaltar duas pessoas, resultando em morte [3]. Sobre o ocorrido, o governador ainda elogia os policiais militares (PM), que acertaram com um tiro o homem em situação de rua, e completa ‘teria dado um tiro na cabeça dele’[4]. A proposta se relaciona a lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que prevê a internação compulsória de dependentes químicos sem a necessidade de autorização judicial [veja aqui]. A proposta é considerada por especialistas como um retrocesso, uma vez que viola direitos fundamentais como a autodeterminação, além de incentivar a criminalização da pobreza [5]. Vale notar ainda as declarações de Witzel são marcadas pela legitimação do uso de violência contra minorias [veja aqui], com a comemoração de ações policiais que resultam em morte [veja aqui].
Leia análise sobre tratamentos alternativos à internação compulsória e ouça podcast sobre a lei que facilitou a internação
O presidente Jair Bolsonaro, ao ser questionado sobre as 58 mortes em um presídio do Pará, episódio conhecido como ‘massacre de Altamira’, pede para que a pergunta seja feita às ‘vítimas dos que morreram lá’ e completa ‘depois que eles responderem eu respondo a vocês’ [1]. Esse é o maior massacre ocorrido em um presídio desde o ‘massacre do Carandiru’, em 1992, que resultou no assassinato de 111 detentos [2]. Diante do episódio, Bolsonaro não fornece nenhuma informação sobre o que o governo federal pretende fazer [3]. Após o massacre, mais quatro presos morrem por asfixia em transferência para outro presídio [4], resultando em 62 mortes [5]. Sobre essas mortes, o presidente dá nova declaração afirmando que ‘problemas acontecem’ [6]. Em setembro, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) elabora relatório sobre as inspeções feitas em presídios do Pará e aponta a prática de maus-tratos e tortura e denuncia a atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária após o ‘massacre de Altamira’ [veja aqui]. Em outubro, Bolsonaro chama de ‘besteira’ as denúncias de tortura em presídios paraenses feitas em relatório elaborado pelo Ministério Público Federal [veja aqui].
Leia as análises sobre o que foi o ‘massacre de Altamira’, a sua previsibilidade diante do esgotamento das condições do cárcere, o motivo de existirem tantos massacres em presídios no Norte e Nordeste e ouça sobre outros massacres em presídios.
O presidente Jair Bolsonaro contesta a atuação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), responsável por apurar violações dos direitos humanos no período da ditadura militar, ao afirmar serem ‘balela’ os documentos que registram assassinatos de militantes por militares [1]. Na ocasião, ele alega não existirem documentos provando ‘se matou ou não matou’ [2], mas o relatório produzido pela CNV apresenta, em seu volume III, os mortos e desaparecidos políticos, contrariando as declarações do presidente [3]. A declaração é dada após ser questionado sobre o comentário controverso feito a respeito do desaparecimento do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, durante a ditadura [4], afirmando que um dia contaria a Felipe como ele morreu [veja aqui]. As declarações geram repúdio inclusive por parte de seus aliados [5], com avaliações de que Bolsonaro superou o limite do aceitável [6]. Os ataques às vítimas da ditadura e aos trabalhos de órgãos que apuram as violações no perído são recorrentes no governo. Em março, a Ministra Damares Alves já havia criticado os trabalhos anteriores da Comissão de Anistia [veja aqui]. Além disso, o presidente afirma que não houve ditadura no Brasil [veja aqui], desconsidera relato de jornalista que foi torturada durante o regime militar [veja aqui] e o Ministro do Gabinete de Segurança Institucional defende o golpe de 1964 [veja aqui]. Em 2020, o Ministério da Defesa publica nota dizendo que o golpe militar seria ‘marco para a democracia’ [veja aqui], o vice-presidente da República faz homenagem à ditadura [veja aqui] e Bolsonaro se refere ao dia do golpe militar como ‘dia da liberdade’ [veja aqui].
Leia as análises sobre o que é a Comissão Nacional da Verdade, a importância da sua atuação e o relatório final produzido pela CNV dedicado aos mortos e desaparecidos políticos.
O presidente Jair Bolsonaro baixa decreto [1] que reformula as atribuições do Conselho Nacional do Trabalho. O decreto revoga outros dois sobre o tema: um [2] que criou o Fórum Nacional do Trabalho – agora extinto – que buscava promover entendimento entre trabalhadores e empregadores [3] e outro [4] que previa para o Conselho a finalidade de promoção da justiça social e democratização das relações de trabalho [5]. Com o novo decreto, o Conselho perde a função de acompanhar o cumprimento dos direitos constitucionais dos trabalhadores, limitando-se a propor políticas visando à modernização das relações de trabalho [6] e passa a ter número menor de participantes, sofrendo uma alteração de 30 para 18 representantes do governo, empregadores e trabalhadores [7]. O decreto também reformula a Comissão Tripartite Paritária Permanente, que passa a propor ações nas áreas de segurança e saúde no trabalho [8], perdendo o caráter ativo que tinha antes, por atuar agora somente quando for solicitada para participar da revisão de normas sobre o tema [9]. Em reação às mudanças, o Observatório de Análise Política em Saúde afirma que o decreto promove uma diminuição da participação da sociedade civil nas decisões do Estado e do poder de ação presente no órgão, reforçando uma perspectiva de desregulamentação geral do mundo do trabalho [10]. Essa não é uma medida isolada do governo, que em novembro de 2019 [veja aqui] e em março de 2020 [veja aqui] edita Medidas Provisórias flexibilizando direitos trabalhistas.
Em pelo menos duas ocasiões na mesma semana, o presidente da República Jair Bolsonaro critica normas referentes à escravidão. Em evento no dia 30/07/19, o presidente critica a visão de alguns juízes de que trabalho análogo à escravidão seria igual ao trabalho escravo; afirma também que haveria uma ‘confusão’ na Constituição [1]. De acordo com a legislação brasileira, a escravidão não existe desde a abolição da escravatura, em 1888; a exploração da mão-de-obra de maneira ilegal é chamada de ‘trabalho análogo à escravidão’, e, de acordo com o Código Penal, é crime no Brasil [2]. Ainda segundo Bolsonaro, o Estado brasileiro estaria próximo do regime socialista ou comunista por causa da legislação [3]. No dia seguinte o presidente critica a punição de expropriação de terra para quem pratica trabalho escravo constante na Emenda Constitucional 81 [4] e diz que para mudar as normas sobre o assunto é preciso vencer a ‘guerra de informação’ [5]. De acordo com o presidente, a definição legal faria ‘o que bem entende com os proprietários rurais ou urbanos’ [6] e existiria apenas uma ‘minoria insignificante’ que manteria trabalhadores em condição análoga à escravidão [7]. A Comissão Pastoral da Terra contesta as falas do presidente [8], bem como a Força Sindical [9] e o chefe do Ministério Público do Trabalho [10], órgão que nos últimos cinco anos recebeu 5.909 denúncias sobre trabalho escravo [11]. No Brasil, em 2019, 1.213 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo [12]. Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro tentou relativizar condições de trabalho proibidas por lei [veja aqui].
Leia as análises sobre o trabalho escravo no país, a realidade das punições de quem explora mão de obra escrava, o mapa do trabalho escravo, a relação entre raça e trabalho escravo e sobre o papel do Ministério Público do Trabalho.