A subprocuradora Lindôra Araújo, auxiliar próxima do Procurador-Geral da República (PGR) Augusto Aras, realiza visita à força-tarefa da operação Lava-Jato em Curitiba nesta data e no dia seguinte [1]. No dia seguinte, a força-tarefa envia ofício à Corregedoria do Ministério Público Federal (MPF) [2], enquadrando a visita como uma ‘manobra ilegal’ para acesso a dados sigilosos das investigações de modo informal [3], o que é negado em seguida pela PGR [4]. Um dia depois, três integrantes do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR pedem demissão, alegando discordância com a coordenação de Aras [5]; o grupo já tinha sofrido desfalques anteriores em razão da centralização de tarefas promovida pelo PGR [6]. A partir do episódio, inúmeros desdobramentos se seguem, com notas de apoiadores da força-tarefa da Lava Jato [7] [8] [9] [10] [11] [12] e críticas alinhadas à PGR [13] [14] [15] [16] [17] [18], e o ressurgimento de proposta de órgão central às investigações [19]. A Corregedoria do MPF também abre sindicância para apurar a conduta de Araújo, atendendo a pedido da força-tarefa [20], e o ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal (STF) determina que a Lava Jato compartilhe todos os dados já adquiridos em investigações com o PGR [21], o que o possibilita de ter acesso a dados de 38 mil pessoas [22]. O caso acende o debate sobre os limites da atuação do PGR e a independência das forças-tarefas. De um lado, há críticas de que o modelo de forças-tarefas favoreceria a aproximação do juiz com o órgão acusador (MPF) [23] e teria tendido a uma criminalização da política [24] e a excessos [25]. De outro lado, também há o reconhecimento de que, a despeito de erros, há igualmente acertos [26] e de que o modelo favorece a eficiência, a especialização [27] e a coleta de dados sensíveis [28], bem como diminui o perigo de manipulação de investigações [29] [30]. Centralizar os dados de operações ao PGR, além disso, significa o acesso dados de investigações que estão além de sua competência – restrita a casos de competência originária dos tribunais superiores [31]. Em junho, o PGR já havia centralizado a atuação do MPF na pandemia [veja aqui] e, no mês seguinte, edita portaria que amplia seu acesso a material sigiloso [veja aqui] [32], faz novas críticas à operação lava-jato [33] e defende órgão central para investigações [34]. Em agosto, o ministro Edson Fachin revoga a decisão de Toffoli [35], mas diversos dados já haviam sido compartilhados [36]. No mês seguinte, Deltan Dallagnol, procurador-chefe da Força Tarefa Lava Jato no em Curitiba, anuncia saída do cargo [37], Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, procurador-chefe da Força-Tarefa Greenfield de Brasília, também [38], e demissão coletiva da Lava Jato em São Paulo implica sua dissolução [veja aqui]. No mesmo mês, Aras propõe mudança na distribuição de recursos da Lava Jato no Superior Tribunal de Justiça [39] e prorroga da Força Tarefa de Curitiba por quatro meses, a despeito de pedido de prorrogação por um ano [40]. Em novembro, corregedora-geral do Ministério Público Federal, Elizeta de Paiva Ramos,determina fornecimento de cópias do banco de dados sigilosos da Lava-Jato, o que vai contra a decisão de Fachin em agosto [41]. Em dezembro, Aras prorroga as forças-tarefas do Paraná e Rio de Janeiro até outubro do ano seguinte [42]. Vale notar também que alguns embates entre a Lava Jato e o PGR se iniciaram durante o mandato de Raquel Dodge, PGR entre 2017 e 2019 [43] [44].
Leia as análises sobre os conflitos recentes envolvendo o PGR e a força-tarefa da Lava Jato, que remontam a abril de 2020, a cronologia deste caso específico, os problemas das investidas do PGR, os limites da autonomia dos procuradores e o impulso desse embate pela arquitetura institucional do Ministério Público.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.