O Ministério das Relações Exteriores não adere a compromisso internacional de combate à desinformação durante a pandemia de covid-19 [1]. Proposto por Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), o documento [2] reitera que é função dos Estados combater as informações falsas e ajudar no esclarecimento público sobre o tema. Ao não assinar o texto, o Brasil se junta ao grupo minoritário que ficou de fora —ao todo, 132 países e autoridades aderiram [3]. O compromisso elenca prioridades para o combate à desinformação, como a garantia das liberdades de imprensa e expressão, a proteção dos profissionais de imprensa, a promoção da educação midiática e a tomada de decisões com base na ciência [4]. Questionado pela bancada do PSOL na Câmara dos Deputados, o Itamaraty justifica que a não adesão se deve a ‘dificuldades do ponto de vista dos interesses brasileiros’, mas não explica quais termos do texto seriam prejudiciais ao país [5]. A medida também é questionada no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) das Fake News [6] [veja aqui]. Ao longo dos dois últimos anos, o Brasil assiste à deterioração de fatores-chaves listados no compromisso, como a liberdade de expressão [veja aqui] e de imprensa [veja aqui], além de conviver com ataques a jornalistas proferidos pelo presidente da República, Jair Bolsonaro [veja aqui], e a difusão de notícias falsas dentro de órgãos públicos, como o próprio Itamaraty [7]. Em outras ocasiões durante a pandemia, o direito à informação também não foi assegurado: o governo acumulou atrasos na divulgação de dados epidemiológicos [veja aqui] e mesmo omitiu o total de mortes por covid-19 [veja aqui]. Essa também não é a primeira vez que a diplomacia brasileira se opõe à promoção de direitos fundamentais: a pasta não assinou carta sobre proteção a LGBTs na Polônia [veja aqui], fez objeções a projeto de combate ao racismo [veja aqui], se absteve de votação na ONU sobre discriminação a mulheres [veja aqui] e se alinhou a países considerados repressivos em aliança internacional antiaborto [veja aqui].
Leia análises sobre os rumos do Itamaraty durante a gestão do ministro Ernesto Araújo e as ondas de desinformação no Brasil.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.