Presidente Jair Bolsonaro realiza vetos na Lei 14.021/20 [1] que dispõe sobre medidas de proteção e prevenção ao contágio e disseminação do coronavírus nos territórios indígenas, quilombolas e de pescadores artesanais. Dos 14 trechos vetados, inclui-se o veto à obrigação governamental de fornecimento de água potável, distribuição gratuita de materiais de higiene e limpeza, e a oferta emergencial de leitos hospitalares e UTIs [2]. Na exposição das razões dos vetos, o presidente argumenta que as propostas legislativas criavam obrigações e despesas ao Poder Público sem demonstração do ‘impacto orçamentário e financeiro’, em afronta a regras constitucionais [3]. Entidades da sociedade civil [4], lideranças indígenas [5] e a frente parlamentar mista em defesa dos direitos dos povos indígenas [6] externam surpresa e preocupação com os vetos presidenciais, ao apontarem viés do atual governo que optaria pela vulnerabilidade dos povos indígenas [7]. Na semana anterior a publicação da lei, ação [8] no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitou que o governo federal instale barreiras sanitárias em territórios indígenas e elabore plano de combate ao coronavírus para os povos indígenas [9]. Um dia após a publicação da lei, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, concede decisão liminar [10] exigindo do governo federal a adoção de série de medidas que contenha a doença, incluindo plano de criação de barreiras sanitárias em terras indígenas [11]. Em 22/07, o gabinete do ministro Barroso expede certidão de ausência de manifestação, tendo em vista a não apresentação, por parte do governo, do plano de criação de barreiras saintárias nas terras indígenas no prazo determinado [12]. Barroso também determina que conselheira do CNJ acompanhe as próximas reuniões envolvendo o governo e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), tendo em vista relatos de tratamento ‘humilhante’ do primeiro em relação a última em reunião anterior [13]. Em 29/07, o governo envia plano apontando que 8 barreiras sanitárias já teriam sido instaladas, e a Sala de Situação, grupo composto por especialistas ambientais articulado pelo ministro Barroso do STF, avalia que as barreiras apontadas pelo governo não existem na realidade [14]. Em 05/08, o plenário do STF referenda a liminar concedida por Barroso para que sejam instaladas barreiras sanitárias visando a proteção dos povos indígenas no combate ao coronavírus [15]. Em 22/10, Barroso determina que a União elabore novo plano de enfrentamento e monitoramento do coronavírus para os povos indígenas, por considerar o plano enviado pelo Executivo ‘genérico e vago’, ao não apresentar ações, metas, critérios, e cronograma de execução [16]. Em 01/12, o ministro determina 48h para que o governo federal realize reunião extraordinária para explicar como barreiras sanitárias serão implementadas em terras indígenas do Amazonas e Mato Grosso [17]. Em novembro de 2020, o Ministério da Justiça autoriza o emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para apoiar a Funai na execução de medidas protetivas previstas no plano de barreiras sanitárias [18]. O emprego da FNSP é prorrogado em dezembro [19], em março de 2021 [20] e, novamente no final de abril de 2021 [21]. Em 05/07/21, o uso da FSNP é prorrogado pela quarta vez na Terra Indígena Enawenê-Nawê [22]. Em outra oportunidade, a Funai não havia apresentado nenhum plano de ação para proteção de indígenas na pandemia e havia gastado mais de R$ 1 milhão da verba enviada pelo governo federal para essa finalidade [veja aqui].
Leia análises sobre os vetos presidenciais, como os cortes na lei podem tornar as medidas de combate ‘inócuas’, a acusação do governo praticar genocídio contra os povos indígenas durante a pandemia, a judicialização de questões climáticas – em inglês, e a possibilidade de atuação garantista do STF, em contrapeso ao Executivo, pela preservação de direitos indígenas.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.