Ministério da Saúde (MS) edita portaria [1] que prevê a notificação obrigatória de profissionais da saúde à polícia em casos de atendimento de mulheres vítimas de violência sexual nos procedimentos de interrupção da gravidez [2]. A publicação da normativa ocorre uma semana depois da repercussão de caso de aborto legal envolvendo menina de 10 anos estuprada [veja aqui]. Além da notificação da autoridade policial, a portaria prevê quatro fases para realização do procedimento do aborto legal em caso de violência sexual, as quais incluem desde a assinatura de termo de consentimento pela paciente sobre ‘os desconfortos e riscos possíveis à sua saúde’, até a preservação de ‘possíveis evidências materiais do crime de estupro’ pela equipe de saúde e a obrigatoriedade de ofertar a gestante a ‘possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia’ [3]. A maior parte dos especialistas do direito e da saúde reagem negativamente às novas regras, as quais criam barreiras práticas para o acesso das mulheres ao serviço de interrupção de gravidez legal [4]. Além disso, parlamentares da oposição protocolam projeto de decreto legislativo para garantir a suspensão da normativa [5], entidade [6] e partidos da oposição [7] ajuízam ações no Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da portaria, e o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União editam recomendação [8] que orienta profissionais de saúde a não impedirem procedimento de abortamento legal [9]. A Defensoria Pública também ajuíza ação civil pública contra União para suspensão da portaria [10]. Em 24/09, o MS edita nova portaria sobre procedimento de justificação e autorização para interrupção da gravidez [11] que revoga a anterior. Apesar de excluir artigo que determinava que a equipe de saúde deveria informar a vítima sobre a possibilidade de visualização do feto [12], a nova portaria ainda prevê que os médicos notifiquem a polícia sobre os casos de estupro [13]. De modo minoritário, especialista e Secretário de Atenção Primária à Saúde do MS defende o conteúdo da portaria e a notificação policial por considerar que o procedimento ‘protege a vítima’ e ‘quebra ciclo de sofrimento [14]. Vale notar que em 2020 o Itamaraty se absteve em votação de resolução que visa ao fortalecimento de direitos sexuais e reprodutivos [veja aqui] e realizou conferência anti-aborto [veja aqui].
Leia análises sobre os impactos da notificação obrigatória para a polícia em casos de aborto legal por estupro, sobre as características intimidatórias da nova portaria, e entenda o que é a violência sexual.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.