O ministro Benedito Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide afastar o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, pelo período de 180 dias [1]. A decisão ocorre no âmbito de uma investigação criminal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre possíveis irregularidades e esquema de corrupção envolvendo a contratação de serviços e equipamentos de saúde no contexto da crise sanitária da covid-19 [2]. Em nota, a defesa do governador diz que a decisão é recebida com ‘surpresa’ e afirma que aguarda ‘acesso ao conteúdo da decisão para tomar medidas cabíveis’ [3] e o governador declara que é vítima de perseguição política do governo federal [4]. Cinco dias depois, 14 dos 15 magistrados que compõem o colegiado do STJ confirmam o afastamento por 6 meses [5]. O voto divergente, do ministro Napoleão Nunes Maia, ressalta que não cabe ao Judiciário tomar decisões políticas, alegando que a defesa do governador não teve a oportunidade de ser ouvida antes da retirada do cargo, o que violaria o direito de defesa [6]. De modo semelhante, a ministra Maria Thereza, a despeito de votar com a maioria, afirma que ‘trata-se de governador eleito com mais de 4 milhões e 600 mil votos’, de modo que a decisão não deveria ter sido dada isoladamente por apenas um magistrado da corte [7]. Igualmente, jurista e professor da USP explica que o fundamento da decisão não está contemplado na Constituição do Rio de Janeiro, segundo a qual a suspensão do cargo é prevista na hipótese de que o representante se torne réu de um processo, o que não inclui a fase de investigação [8]. A decisão do STJ é amparada por uma interpretação do Superior Tribunal Federal (STF) de 2017 que entendeu que governadores estão submetidos à aplicação de medidas cautelares do Código de Processo Penal, incluído o afastamento do cargo, interpretação que amplia a atribuição de poderes do Judiciário no âmbito político [9]. Vale lembrar que, além das investigações criminais, Witzel responde atualmente a processo de impeachment aberto em junho pela Alerj [10]. Em 09/09 o STF indefere recurso de Witzel e mantém afastamento [11]. Em 17/09 a Alerj aprova relatório favorável ao prosseguimento do impeachment [12], e em 23/09 o processo por crime de responsabilidade é aberto [13]. Desde o começo da pandemia, diversos pedidos de impeachment de governadores já foram feitos e o Tribunal Superior Eleitoral suspendeu temporariamente a cassação de prefeitos na pandemia [veja aqui]. Em fevereiro do ano seguinte, o STJ acata por unanimidade a denúncia de corrupção e lavagem de dinheiro apresentada contra Witzel e posterga seu afastamento do cargo pelo período de 01 ano [14].
Leia análises sobre quais os argumentos do STJ para fundamentar a decisão, as limitações jurídicas dos fundamentos, e sobre as possíveis influencias políticas, leia também entrevista com cientista político sobre como a decisão afeta o Estado de Direito, e ouça podcast sobre o caso.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.