Um dia após o ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, anunciar a aquisição de 46 milhões de doses de vacina produzida pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista [1], o presidente Jair Bolsonaro desautoriza a compra [2]. A vacina, apelidada de Coronavac, é feita em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, que transfere tecnologia para o laboratório brasileiro. Segundo apuração de veículo de imprensa, o presidente também afirma que não manterá diálogo com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) [3], que tem defendido a compra da vacina [4]. Em resposta, o Ministério Público Federal (MPF) pede explicações ao Ministério da Saúde sobre o cancelamento da compra [5], e secretários estaduais de Saúde saem em defesa de Pazzuelo, com receio de que o episódio terminasse em sua demissão [6] — em meio à pandemia, dois ministros já deixaram a pasta [veja aqui]. A Rede Sustentabilidade questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a desautorização da compra [7], assim como outras cinco siglas [8], e as ações se somam a outras já protocoladas no STF sobre a obrigatoriedade da vacina [veja aqui]. O procurador-geral da República, Augusto Aras, defende que as ações não sejam reconhecidas [9]. Nas redes sociais, após comentário de seguidor sugerindo que Pazzuelo traiu o presidente, Bolsonaro diz que ‘qualquer coisa publicada sem comprovação vira traição’ [10]. Em resposta a outro internauta, que critica a vacina por ter origem na ‘ditadura chinesa’, o presidente confirma que ela não será comprada [11]. A Coronavac, mostram informações da OMS, está na mesma fase de testes de outras vacinas, como a produzida no Reino Unido [12]. Essa não é a primeira vez que o presidente troca críticas públicas com o governador paulista em meio à crise sanitária. Episódios semelhantes aconteceram em março [veja aqui], em abril [veja aqui] e em junho [veja aqui]. Doria e Bolsonaro também diferem sobre a obrigatoriedade da vacina: o primeiro defende a vacinação compulsória [13], enquanto o segundo tem se manifestado contra [veja aqui].
Leia análises sobre como as críticas à Coronavac inflam o discurso antivacina e sobre o histórico de Jair Bolsonaro em desautorizar ministros da Saúde. Confira também os principais pontos sobre a judicialização de questões ligadas à pandemia e o papel das agências reguladoras no tema.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.