Durante transmissão nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro afirma que o governo federal não comprará a vacina para a covid-19 produzida pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista [1]. ‘Eu, que sou governo, não vou comprar sua vacina, não (…) Procura outro pra pagar’, diz Bolsonaro, se referindo ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB) [2]. A declaração é feita um dia após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar a importação da matéria-prima necessária para a produção da Coronavac, como é apelidado o imunizante [3]. O vice-presidente Hamilton Mourão contraria a afirmação e diz que o governo comprará a vacina [4], mas, dias depois, recua e declara que a decisão cabe ao presidente [5]. Bolsonaro vem sinalizando que não apoia o desenvolvimento da vacina: em 21/10, desautorizou acordo para compra de 46 milhões de doses pelo governo federal e criticou publicamente Doria [veja aqui]. A situação abre o risco de que a campanha de vacinação seja fragmentada no país —algo incomum, já que o Ministério da Saúde é responsável por coordenar esse tipo de ação— e decidida na Justiça [6]. Na mesma transmissão, Bolsonaro critica, novamente, a obrigatoriedade da vacinação [veja aqui], tema que já rendeu troca de críticas com o governador paulista [veja aqui]. No dia seguinte, o presidente volta deslegitimar publicamente a iniciativa [7]. O governo federal tem investido em outro imunizante, o da Universidade de Oxford, produzido no Brasil pela Fiocruz [8]. A vacina está na mesma fase da Coronavac —ambas precisam completar os últimos testes e receber aprovação da Anvisa [9]. De acordo com apuração de veículo de imprensa, o presidente, posteriormente, admite a aliados que o governo financiará a compra da Coronavac, caso a vacina seja a primeira a ter eficácia comprovada [10]. Semanas após a declaração, Bolsonaro sinaliza, durante outra transmissão on-line, que pode comprar o imunizante, a depender do preço [11].
Leia e ouça análises sobre as disputas políticas por trás da vacina para o coronavírus e a judicialização do tema.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.