Os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da Família, das Mulheres e dos Direitos Humanos, Damares Alves, participam de cerimônia [1] para assinatura de declaração internacional contra o aborto e ‘para o fortalecimento da família’ [2]. Chamado de ‘Declaração do Consenso de Genebra’, o documento foi anunciado em agosto pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil [3] e, apesar de não ter status legal de Tratado internacional, reafirma a mudança de orientação do país em relação a proteção de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no plano internacional [veja aqui]. O documento estipula que ‘o aborto não deve ser promovido como método de planejanto familiar em nenhum caso’ [4]. Além do Brasil e dos Estados Unidos, a declaração é assinada por mais 30 países membros das Nações Unidas, vários deles considerados pouco democráticos e alinhados a posicionamentos religiosos ultraconservadores [5]; dentre eles, está a Polônia, que recentemente aprovou o enrijecimento do dirieto ao aborto legal via decisão judicial [6]. Na cerimônia, Araújo afirma a defesa pela ‘vida humana desde a sua concepção’ – posicionamento defendido publicamente por Damares na ONU em 2019 [veja aqui] – e esta declara a ‘inexistência de um direito à interrupção voluntária da gravidez’ [7]. Para especialistas, as diretrizes do documento ignoram entendimentos da ONU sobre direito à vida e os deveres do Estado em garantir acesso seguro, legal e efetivo ao aborto em casos de risco à vida e à saúde da gestante [8], da jurisprudência interamericana, que reafirma o princípio da autonomia procriativa das mulheres [9] e da Constituição Federal e da legislação nacional que prevêm hipóteses de aborto legal [10]. Em 2019, o Itamaraty orientou seus diplomatas a utilizarem o termo ‘sexo biológico’ [veja aqui] e foram apontados os primeiros movimentos de alinhamento do Brasil com países reacionários aos direitos das mulheres [veja aqui]. Em 2020, o país se absteve em votação na ONU sobre discriminação de gênero [veja aqui], fundação do Itamaraty promoveu conferência antiaborto [veja aqui], e o Ministério da Saúde baixou portarias que criam barreiras de acesso aos serviços legais de interrupção da gravidez [veja aqui].Na semana seguinte, o governo federal publica a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil e inclui a ‘defesa da vida desde a concepção’ como uma diretriz [11] [veja aqui].
Leia análise sobre como a declaração antiaborto vai na contramão de acordos internacionais de direitos humanos e entrevista que explica o uso do discurso de proteção da família como justificativa para retroceder em direitos.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.