Em meio a embates políticos [1], a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza o uso emergencial de vacinas contra a covid-19 [2]. A determinação abre espaço para empresas solicitarem o caráter urgente de vacinação e deve agilizar o processo de ‘disponibilização e o uso das vacinas’ contra o coronavírus, ‘desde que cumpram com os requisitos mínimos de segurança’ [3]. Com essa autorização emergencial, ficam dispensadas etapas do procedimento, uma análise de impacto regulatório e uma consulta pública, o que levanta questionamentos sobre o caráter democrático e deliberativo da instituição [4]. No dia anterior, o ministro da Saúde já havia declarado a possibilidade de autorização emergencial para as vacinas. No dia seguinte, porém, muda seu discurso pró-Anvisa e diz que caso a agência norte-americana responsável pelas vacinas autorize nos EUA (FDA) ou outra agência internacional autorize o uso de algum imunizante em análise o registro poderá ser realizado [5]. Essa declaração encontra amparo na Lei da Quarentena [veja aqui], que permite a liberação de vacinas mesmo sem o registro na Anvisa, caso algumas agências internacionais específicas – dentre elas, a FDA – o registrem [6]. O vaivém de decisões da Anvisa está no centro das divergências entre o governo federal e o governo do estado de São Paulo [veja aqui]. Em nota, neste mesmo dia, a Associação dos Servidores da Anvisa (Univisa), reitera o ‘caráter técnico e independente dos trabalhos’ da agência e afirma que não estão submetidos ‘aos interesses de governos, de pessoas, de organizações ou de partidos políticos’ [7]. Vale lembrar que em agosto, o presidente Bolsonaro disse que a Anvisa iria facilitar o acesso à cloroquina, mesmo sem comprovação científica de eficácia [veja aqui]; em outubro, um dia após a Anvisa liberar importação de matéria-prima necessária para a produção da vacina no Brasil, disse que não iria comprar o imunizante produzido pelo Instituto Butantan, vinculado ao governo paulista [veja aqui]; em novembro, após a Anvisa suspender testes da vacina ‘Coronavac’, produzida pelo Instituto Butantan [veja aqui], Bolsonaro disse que ‘ganhou’ do governador paulista [veja aqui] e, dias depois, indicou tenente-coronel para diretoria da agência [veja aqui]. Na primeira quinzena de dezembro, o Brasil chegou a mais de 180 mil mortes causadas pela doença [8].
Veja vídeo sobre o que é uma análise de impacto regulatório e ouça podcast sobre os processos que envolvem o início da vacinação no Brasil
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.