O governo federal não autorizou que projetos culturais recebam patrocínios já combinados com a iniciativa privada através da Lei de Incentivo à Cultura, antes denominada Lei Rouanet, conforme apurado pela imprensa nesta data [1]. Mais de 200 projetos culturais, que já haviam arrecadado recursos e apenas aguardavam a publicação da autorização no Diário Oficial, foram afetados [2]. Dentre eles estão o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a Orquestra Sinfônica Brasileira e o Instituto Inhotim, que são patrocinados pela Vale [3]. Nas redes sociais, o secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula, afirma que ‘não se pode perder o que nunca foi concedido’, que a ‘mídia militante’ não irá transformá-lo em um ‘mero carimbador’ e que só será aprovada ‘a exata quantidade de projetos que for possível auditar’ [4]. A medida deve gerar o esfacelamento de espetáculos culturais que são financiados pela legislação e o agravamento do desemprego no setor, que já sofria com os efeitos da pandemia de covid-19 [5]. O secretário especial da Cultura, Mario Frias, apoiou Porciúncula através das redes e afirmou ‘seguimos juntos na missão de moralizar a cultura’ [6]. A gestora Rose Meusberg, que auxilia na elaboração de projetos para inscrição na Lei de Incentivo à Cultura, afirma que até 2018 a aprovação de projetos era rápida, no entanto, com a exoneração do servidor Odecir Prata da Costa, que realizava um mutirão no final do ano para que todos os projetos fossem aprovados, o procedimento mudou [7]. Entidades culturais acionam a OAB e ingressam com ação na Justiça Federal para obrigar o Ministério do Turismo a publicar os projetos no Diário Oficial, mas não obtém sucesso [8]. O problema se arrasta pelo menos até abril de 2021 [9]. Ainda, os produtores culturais se preocupam com o alinhamento ideológico do governo Bolsonaro [10]. Em 2019, por exemplo, o secretário da cultura pediu demissão em meio a pressões pela implementação de filtros ideológicos [veja aqui] e o presidente defendeu a aplicação de filtros às produções culturais financiadas pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) [veja aqui]. Produtora afirma que o governo federal imagina que só há comunistas atuando no setor, mas se esquece que há toda uma cadeia econômica por trás das apresentações culturais [11]. Vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro já chamou a Lei Rouanet de ‘desgraça’ usada para promover governos de esquerda [12]. Em outros momentos, a secretaria de Cultura arquivou projeto de peça teatral crítica à ditadura [veja aqui] e vetou o plano de manutenção do Instituto Vladimir Herzog [veja aqui].
Leia as análises sobre o impacto da Lei Rouanet na economia brasileira, como foi o desempenho na aplicação da legislação pelo governo Bolsonaro e pela secretaria especial de Cultura.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.