Documentos divulgados pela imprensa demonstram que o Ministério da Saúde (MS) planeja revogar cerca de cem portarias que estruturam parte das políticas públicas de atenção à saúde mental no país [1]. A proposta, que atinge a Rede de Atenção Psicossocial atualmente existente, foi apresentada nesta data em reunião ao Conselho Nacional de Secretários da Saúde (CONASS) [2]. As mudanças alterariam os mecanismos que estimulam a redução do tamanho dos hospitais psiquiátricos, extinguiriam programas responsáveis pela reinserção comunitária de pacientes e flexibilizariam os mecanismos de controle dos casos de internações involuntárias [3]. Além disso, também terminariam com o programa que atende demandas da população em situação de rua e retirariam das atribuições dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) o atendimento psiquiátrico, com a possível extinção dos CAPS para usuários de álcool e outras drogas [4]. Parte desses serviços passaria a ser de responsabilidade de programas de assistência social, vinculados ao Ministério da Cidadania [5]. Em nota, o MS diz que as ‘atualizações’ são fruto do trabalho de grupo composto por representantes do governo, do Conselho Federal de Medicina e da Associação Brasileira de Psiquiatria e visam a ‘tornar a assistência à saúde mental mais acessível e resolutiva’, uma vez que ‘muitas dessas portarias estão obsoletas’ [6]. No dia 09/12, a coordenadora-geral da área de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do MS pede demissão [7]. 128 entidades vinculadas a área da saúde posicionam-se contra as mudanças, entendidas como um retrocesso, e pedem que o Ministério Público Federal (MPF) investigue a situação [8]. O procurador federal dos Direitos do Cidadão requer que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, envie explicações e justificativas sobre a pertinência do ‘revogaço’ [9]. Parlamentares da oposição manifestam-se contra as mudanças e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) diz que, se a proposta avançar, colocará em pauta um projeto de decreto legislativo para reverter as revogações [10]. A proposta de ‘revogaço’ está em consonância com ações anteriores do governo Bolsonaro que esvaziam as determinações introduzidas pela Reforma Psiquiátrica e privilegiam tratamentos baseados na internação, em detrimento do cuidado em rede realizado em meio aberto, como documento de fevereiro de 2019 que promoveu alterações nas políticas de saúde mental [veja aqui], e a instituição da Nova Política sobre Drogas [veja aqui].
Leia coluna que questiona os interesses por trás das tentativas de modificação da atual política de saúde mental e texto que destaca os riscos de violência que tais mudanças carregam.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.