Procurador-chefe do Ministério Público Federal (MPF) no estado de Goiás, Ailton Benedito, requisita informações à Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) sobre relatório de atualizações e recomendações sobre a covid-19 publicado pela organização [1]. A SBI afirma no documento que ‘não recomenda tratamento farmacológico precoce para covid-19 com qualquer medicamento, porque (…) não existe comprovação científica de que esses medicamentos sejam eficazes contra a covid-19’ [2]. O pedido de informações encaminhado pelo MPF requisita que a entidade informe quais os estudos clínicos que fundamentaram as recomendações feitas, esclareça qual o valor científico de tais estudos, e questiona se a SBI tem conhecimento das orientações feitas pelo Ministério da Saúde em relação ao tratamento precoce para a covid-19 [3]. Benedito já se manifestou em redes sociais de maneira favorável ao tratamento com hidroxicloroquina e fez críticas às medidas de isolamento determinadas em alguns estados [4]. Em abril, três procuradores do MPF instauraram inquérito civil para coletar informações sobre a condução de estudo realizado por 70 pesquisadores da Fiocruz, UEA e USP sobre a eficácia da cloroquina [veja aqui]. Em maio, procuradores do MPF no Piauí ajuizaram ação civil pública para que o poder público fosse obrigado a disponibilizar hidroxicloroquina na rede pública de saúde daquele estado [veja aqui]. Ao mesmo tempo, o contexto é de crescente desinteresse por parte do governo federal em pesquisas científicas sobre a covid-19; a Epicovid-2019, por exemplo, foi encomendada pela gestão do ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta e teve seu financiamento encerrado em 21/07 [veja aqui]. Em maio, membros da equipe da tal pesquisa, de âmbito nacional, foram detidos e agredidos pela política e impedidos de realizar o estudo em 40 municípios [veja aqui].
Leia reportagem sobre as ações do MPF para disponibilização da cloroquina no SUS e matéria de 2017 sobre o perfil do procurador Ailton Benedito e o avanço conservador dentro do Ministério Público.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.