Como na semana [veja aqui] e no mês [veja aqui] anteriores, o presidente da República, Jair Bolsonaro, descreditou recomendações médicas e sanitárias. Em 23/01, disse a jornalistas na porta do Palácio da Alvorada que a eficácia da vacina CoronaVac não era certa: ‘não está nada comprovado cientificamente com essa vacina aí’ [1], o que é falso, pois a vacina passou por etapas de teste e avaliação científica de sua eficácia [2]. Em 25/01, ele fez passeio em Brasília de motocicleta, sem máscara; parou para conversar com cidadãos e se recusou a conversar com a imprensa [3]. No dia seguinte, colocou em dúvida laudos que atestavam a morte de pacientes por covid-19 em evento de banco privado em Brasília [4]. Em 27/01, em almoço com artistas e ministros, ele disse que a pandemia poderia ter sido ‘fabricada’ [5], ocasião em que também hostilizou a imprensa por questionamentos sobre gastos de governo [veja aqui]. No começo de fevereiro, especialista da Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça a tese de que o vírus surgiu a partir de transmissão animal, rejeitando a hipótese de confecção em laboratório [6]. Em 28/01, em evento inauguração de ponte que liga cidades do Sergipe e Alagoas, ele voltou a criticar medidas de isolamento social: ‘povo brasileiro é forte e não tem medo do perigo’. Segundo ele, o distanciamento social não funcionou e ‘a economia anda de mãos dadas com a vida. A vida sem recursos e sem emprego torna-se muito difícil’ [7]. No mesmo dia, apuração da imprensa revelou que o presidente se recusou a participar de maneira virtual da sessão de abertura do ano do Judiciário, a convite do Supremo Tribunal Federal (STF) e disse que compareceria presencialmente à celebração [8]. É constante o descrédito do presidente à seriedade da pandemia, sugerindo ‘tocar a vida e se safar’ do problema [veja aqui], o uso de ‘tratamento precoce’ sem eficácia científica comprovada [veja aqui] e a necessidade de priorizar medidas econômicas contra o isolamento social, e não só sanitárias [veja aqui]. Entre 22/01 e 31/01, o número de infectados pela covid-19 no país subiu de mais de 8,7 milhões [9] para mais de 9,2 milhões [10] e as mortes atingiram o patamar de mais de 224 mil pessoas [11], segundo dados do consórcio de veículos da imprensa.
Leia análise sobre artigo lançado no final de janeiro sobre os ataques do presidente à ciência.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.