O ministério da Saúde (MS) estabelece acordo com o ministério da Defesa para repassar R$ 95 milhões às Forças Armadas, o que possibilita a destinação dos recursos a ‘gastos sigilosos’ [1]. O acordo funciona como uma transferência dos recursos financeiros de um órgão a outro – desse modo, o MS transfere a quantia da pasta da saúde para a da defesa e em contrapartida esta o auxiliará na vacinação contra a covid-19 [2]. O acordo pode durar até cinco anos e foi assinado pelo coronel do Exército Élcio Franco Filho, então secretário-executivo do MS, e ‘braço direito’ do atual ministro Eduardo Pazuello [3]. Tal parceria é financiada com os recursos liberados de forma emergencial pelo presidente Jair Bolsonaro há um mês [4]. Embora o MS afirme que os recursos repassados não podem ser usados para finalidades distintas das previstas, o instrumento dá margem a um possível desvio da finalidade inicial, pois o Exército ainda tem a possibilidade de destinar recursos sem uma necessária explicação do destino dado ao dinheiro [5]. Há ainda a reserva de recursos que podem incluir altos gastos com manutenção de aeronaves e veículos, a compra de medicamentos sem eficácia para covid-19 – como a cloroquina, azitromicina e ivermectina, além de aquisição de mantimentos a hospitais militares que tem leitos destinados aos próprios militares da ativa e reserva e seus dependentes [6]. Apuração da imprensa de 01/05 aponta que o Exército usou verbas destinadas à vacinação contra Covid-19 para gastos sigilosos, compras de ‘kit covid’ e de materiais para hospitais militares [7] – que não atendem civis e têm apresentado ocupação de leitos em torno de 33%, no momento mais crítico de ocupação dos leitos de hospitais públicos [8]. Vale lembrar que o repasse milionário às Forças Armadas é feito nesse período em que o país enfrenta inúmeras dificuldades na imunização da população, relacionados a logística [veja aqui], ao discurso negacionista e confuso do governo [ ref id=1511] [veja aqui], mas sobretudo relacionado a escassez de vacinas [veja aqui] [veja aqui].
Leia análise sobre as dificuldades de imunização nesse momento de agravamento da crise sanitária no país.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.