Ministério da Saúde (MS) faz publicação no site do governo recomendando ‘tratamento precoce’ contra covid-19 e aponta que revista científica embasaria a recomendação, a despeito de estudo ser mencionado fora de contexto [1]. A pasta afirma que artigo científico do ‘American Journal of Medicine’ comprovaria a eficácia de substâncias como azitromicina e hidroxicloroquina no combate ao coronavírus [2]. A publicação também é compartilhada nas redes sociais do MS [3]. Em reação, o editor-chefe do periódico científico, Joseph Alpert, afirma em entrevista que o artigo não buscava avaliar a eficácia de ‘tratamentos precoces’ contra a covid-19 e que ao tempo da publicação, em agosto de 2020, não se tinham informações detalhadas sobre os medicamentos, que acabaram sendo posteriormente rechaçados pela ciência: ‘a sugestão da cloroquina como prevenção fazia mais sentido naquele momento em comparação com agora, quando temos uma boa quantidade de informações negativas sobre o uso da droga em pacientes com covid’ [4]. A publicação do MS, no entanto, ocorre meses após a divulgação do estudo e em contexto de consenso científico sobre a ineficácia dos ‘tratamentos precoces’ [5]. Em janeiro de 2021, aproximadamente quinze dias após a publicação, a pasta exclui a nota de seu site e redes sociais [6]. No fim de janeiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) aponta ilegalidade no uso de recursos públicos para o fornecimento, pelo MS, de cloroquina e hidroxicloroquina a pacientes com coronavírus [7] [veja aqui]. Em recente estudo que avaliou a gestão pública de 98 países no enfrentamento da covid-19, o Brasil aparece na última posição do ranking – a Nova Zelândia, por exemplo, que não recomendou tratamentos sem comprovação científica e adotou políticas de isolamento social aparece na 1ª posição [8]. Na difusão da cloroquina como tratamento ao coronavírus, o governo Bolsonaro mobilizou, ao menos, cinco ministérios, uma empresa estatal, dois conselhos da área econômica, o Exército e a Aeronáutica [9]. Em outra oportunidade, plataforma digital (‘TrateCov’) do MS recomendou ‘tratamento precoce’ com cloroquina e, poucos dias depois, também foi tirada do ar [veja aqui].
Leia análise sobre a distribuição da cloroquina pela gestão Bolsonaro em 2020
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.