Em nota [1] publicada no portal eletrônico da Procuradoria-Geral da República (PGR), o procurador-geral, Augusto Aras, fala que não tem competência para atuar perante ilícitos de ‘agentes políticos da cúpula dos Poderes da República’, uma vez que essa seria uma atribuição do Legislativo; também afirma que se vive uma ‘antessala do estado de defesa’. Segundo ele, haveria pressão de segmentos políticos contra autoridades federais, estaduais e municipais e ele já estaria ‘adotando todas as providências cabíveis’ desde o início da pandemia. Além disso, em razão da decretação de um estado de calamidade pública [veja aqui], o momento se aproximaria de uma decretação de estado de defesa [2]. O estado de defesa é figura de emergência constitucional acionável apenas para lugares restritos e determinados e em casos de ameaça ou dano à ordem pública ou paz social por meio de instabilidade institucional ou calamidade natural [3]. De fato, diversos foram os pedidos de abertura de investigação criminal contra Bolsonaro encaminhados ao PGR, e os pedidos de impeachment do presidente já somam mais de 60 [veja aqui]. A situação se intensificou após o colapso do sistema de e saúde em Manaus [veja aqui], que resultou em abertura de investigação contra o ministro da Saúde [4] e autoridades locais [5]. A nota provoca reações de membros do Ministério Público Federal (MPF) [6], ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) [7] e congressistas [8]. Membros do Conselho Superior do MPF criticam a desconsideração da competência do PGR para a apuração penal de crimes comuns processados e julgados no STF, além de sua independência funcional, também garantida pela Constituição Federal (CF). A CF igualmente proíbe atividades político-partidárias ao PGR [9]. A Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) também endossa a crítica [10]. Além disso, as críticas se voltam a rechaçar a hipótese de decretação de um estado de defesa, uma vez que tal condição implicaria na adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais [11]. Aras rebate críticas, dizendo que só pretendia alertar para o período de anormalidade vivido em decorrência da covid-19 [12]. No mês seguinte, a PGR abre investigação preliminar para apurar a conduta do presidente e do ministro da Saúde na pandemia [13]. Em 2019, Bolsonaro indicou Aras para o cargo de Procurador-geral da República fora da lista tríplice elaborada pelo MPF [veja aqui] e desde então vêm sendo levantadas suspeitas de atuação alinhada ao governo federal [veja aqui]. Em abril de 2020, por exemplo, eximiu o presidente de investigação sobre participações em atos antidemocráticos [veja aqui] e em junho legitimou a intervenção de Forças Armadas sobre os poderes constituídos [veja aqui]. Em maio, o presidente flertou com a possibilidade de indicá-lo ao STF [veja aqui].
Leia análises sobre o que faz um PGR, o que é um estado de defesa e por que esta manifestação de Aras é danosa ao estado de direito
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.