Como na semana [veja aqui] e no mês [veja aqui] anteriores, o presidente da República, Jair Bolsonaro, descreditou recomendações médicas e sanitárias. Em 15/02, publicou pela manhã em rede social sobre a cooperação com Israel de spray nasal contra a covid-19 (EXO-CD24) [1]. Segundo ele, a eficácia seria próxima de 100% em casos graves, e a Agência Nacional de Saúde (Anvisa) em breve analisaria o uso emergencial do medicamento [2]. De tarde, voltou a falar do spray em videoconferência no perfil de rede social de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Segundo o presidente, ‘tão importante quanto uma vacina aprovada pela Anvisa, é o remédio. Como a eficácia da vacina é de 50,38% (…) se a pessoa contrair o vírus, ela pode usar o spray’ [3]. Na ocasião, também voltou a elogiar o ‘tratamento precoce’ com hidroxicloroquina e ivermectina, parabenizando médicos que ‘têm coragem’ de receitar drogas ‘fora da bula’ [4]. O EXO-CD24, porém, só foi testado em 30 pacientes e não tem dados publicados nem na primeira fase de teses, ou seja, não tem eficácia comprovada; é um medicamento usado para tratamento de câncer de ovário [5]. Neste mesmo dia, o presidente intensificou aglomeração em praia, ao passear de jet ski em São Francisco do Sul – sem máscara [6]. No dia seguinte, cumprimentou apoiadores em praia, igualmente sem equipamento de proteção [7]. No mesmo dia, respondeu a internauta em rede social de maneira crítica ao isolamento social: ao ser perguntado a verificar como estava a situação do colapso sanitário em Manaus [veja aqui], ele disse para ‘reclamar’ contra quem o ‘mandou ficar em casa’ [8]. É frequente o endosso presidencial a medicamentos sem eficácia comprovada [veja aqui], bem como a menção a algum direcionamento à Anvisa [veja aqui]. Quando o país atingiu a marca de 10 mil mortes pela covid-19, ainda em maio de 2020, o presidente passeou de jet ski e fez alusão a uma festa que dara com 180 convidados [veja aqui]. Entre 15/02 e 21/02, o número de infectados pela covid-19 no país subiu de mais de 9,8 milhões [9] para mais de 10,1 milhões [10] e as mortes atingiram o patamar de mais de 246,5 mil pessoas [11], com uma média diária de mais de mil por dia há 32 dias, segundo dados do consórcio de veículos da imprensa.
Leia estudo sobre a persistência de fake news relacionadas a medicamentos para o tratamento de covid-19 no Brasil – em inglês, e análises sobre as ações presidenciais durante o feriado de carnaval e o desempenho brasileiro no combate à pandemia
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.