O youtuber Felipe Neto é intimado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro a prestar depoimento em investigação que o acusa de calúnia e de violação à Lei de Segurança Nacional (LSN) [1]. Essa é a segunda vez que Neto é investigado criminalmente com base na LSN: em setembro de 2020, deputado federal requereu abertura de inquérito contra o youtuber em razão dele ter apresentado posição contrária ao governo federal [veja aqui]. De acordo com Neto, a atual investigação apresenta motivação semelhante; a intimação ocorre após ele ter se referido ao presidente Jair Bolsonaro como ‘genocida’ pela sua má gestão durante a pandemia [2]. A investigação é classificada pelo influenciador digital como ‘tentativa de silenciamento’ e ‘intimidação’ [3]. O termo ‘genocídio’ já foi utilizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes em julho de 2020 para se referir a atuação das Forças Armadas na pandemia, declaração que gerou representação também fundamentada na LSN do Ministério da Defesa [veja aqui]. A investigação contra Neto se dá em um contexto de utilização recorde da LSN por autoridades do governo desde 2019 [veja aqui], tendo sido registrados casos contra opositores políticos [veja aqui], contra chargista e jornalistas [veja aqui], contra advogado criminalista que também criticou a gestão de Bolsonaro [veja aqui] e ameaças a servidores do governo [veja aqui], totalizando 51 procedimentos investigatórios só em 2020 [4]. Além disso, o Procurador Geral da República aponta que a Polícia Civil não seria competente para abrir inquérito com base na LSN, uma vez que a utilização desta legislação é de atribuição exclusivamente federal [5]. Juristas também consideram que a fala de Neto não cumpre os requisitos objetivos da LSN e não apresenta potencial ofensivo à segurança nacional [6]. Em reação ao caso, é iniciada mobilização virtual com o uso da hashtag #BolsonaroGenocida [7]. Três dias depois, em decisão liminar, juíza suspende o inquérito contra Neto e fundamenta sua decisão com base na incompetência da Polícia Civil para iniciá-lo [8] [9]. No mesmo dia, o youtuber anuncia a criação da iniciativa ‘Cala boca já morreu’, frente de advogados voltada a defender gratuitamente pessoas que forem processadas por criticar o presidente ou qualquer autoridade pública [10].
Veja linha do tempo sobre a história da Lei de Segurança Nacional e ouça podcast sobre a aplicação da LSN no caso de Felipe Neto.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.