O agora ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, usou o Itamaraty para garantir o fornecimento de cloroquina ao Brasil, remédio comprovadamente ineficaz no tratamento contra a covid-19 segundo apuração da imprensa desta data [1].Telegramas diplomáticos obtidos pela imprensa mostram que mesmo após o medicamento ser considerado ineficaz pela Organização Mundial de Saúde, o ex-chanceler mobilizou o aparato diplomático para adquiri-lo desde março do ano passado [2]. Questionado sobre o assunto durante a Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI), Araújo afirmou que em março de 2020 havia expectativa de que a cloroquina fosse eficaz para o tratamento da covid-19, e ‘em função de um pedido do Ministério da Saúde’ (MS) [3], e da atuação direta do presidente Jair Bolsonaro, o Itamaraty tentou ‘viabilizar a importação do insumo para farmacêuticas brasileiras’ [4]. A mobilização se deu desde o dia 26/03/2020, quando Bolsonaro anunciou na cúpula do G-20 que hospitais brasileiros apresentaram ‘testes bem sucedidos’ com a droga, ainda que fosse mentira[5]. No mesmo dia, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) pediu, por telegrama, que diplomatas tentassem ‘sensibilizar o governo indiano para a urgência do medicamento’ [6]. As tentativas de adquirir a hidroxicloroquina cloroquina junto ao governo indiano se repetiram inúmeras vezes durante o mês seguinte e, somando-se a esses esforços, o MRE também pediu apoio a uma farmacêutica brasileira para impor-lá [7]. Em 19/04/2021, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Associação de Medicina Intensiva Brasileira desaconselharam o uso da cloroquina contra a covid-19, apontando também efeitos colaterais graves – em novembro, a SBI chegou até a ser interrogada pelo Ministério Público sobre isso [veja aqui]; mesmo assim, o Itamaraty continuou acionando o seu corpo diplomático para garantir o fornecimento do medicamento [8]. Questionado sobre a adesão do Brasil ao consórcio Covax Facility-iniciativa global de distribuição equitativa de vacinas contra o novo coronavírus, Araújo afirma que nunca foi contra a participação do país e que a decisão de aderir apenas com a cota mínima, que garante doses para 10% da população (mesmo havendo possibilidade de elevar esse percentual até 50%), foi uma decisão do Ministério da Saúde [9].Segundo apuração da imprensa o Itamaraty criou um grupo de trabalho para intensificar o combate à covid 19, só em 12/ 04/ 2021, mais de um ano após o início da pandemia [10]. Documentos revelados em maio de 2021, pela Agência Fiquem Sabendo, mostram não apenas a intermediação do Ministério das Relações Exteriores para compra de cloroquina da Índia, como a tentativa de manter as negociações em segredo mediante suposto sigilo industrial [11]. Em 15/06 a plataforma Fiquem Sabendo divulgou que teve acesso a documentos que apontam o Itamaraty como responsável por ocultar telegramas que mostram apoio de Bolsonaro à importação de cloroquina [12].
Leia análise sobre as possíveis consequências da CPI da covid para o governo federal.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.