A Fundação Nacional das Artes (Funarte) emite parecer técnico desfavorável à captação de recursos via Lei de Incentivo à Cultura (LIC) para o ‘Festival de Jazz do Capão’, sendo um dos fundamentos o fato de que, em publicação nas redes sociais, o evento se posicionava como ‘um festival antifascista e pela democracia’ [1]. Além disso, o documento faz diversas referências religiosas à arte, afirmando que ‘o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma’ e que ‘a Música pode ser vista como uma Arte Divina, onde as vozes em união se direcionam à Deus’ [2]. Por isso, o parecer conclui que a candidatura do Festival está ‘desconfigurada e sem acepção’ ao atributo artístico [3]. Um dos idealizadores do evento lamenta a decisão, afirma que a publicação nas redes sociais ‘não foi feita com recursos públicos e não ataca diretamente ninguém’ e questiona a laicidade do Estado em face dos conceitos religiosos utilizados para definir a arte [4]. O secretário de Incentivo e Fomento à Cultura, André Porciúncula, escreve que a ‘cultura não ficará mais refém de palanque político/partidário, ela será devolvida ao homem comum’ ao que o secretário especial da Cultura, Mario Frias, responde que, durante sua gestão, a Cultura ‘será resgatada desse sequestro político/ideológico’ [5]. Frias também publica nas redes que não aceitará que a ‘cultura nacional seja rebaixada à condição de panfletagem partidária’ [6]. Em reação a comentários críticos ao parecer, Frias ameaça processar jornalistas e o influenciador Felipe Neto [7]. Uma semana após a divulgação do documento, Ronaldo Gomes, o assessor técnico da presidência da Funarte, que o assinava, é exonerado do cargo [8]. Parlamentares enviam à PGR um pedido de investigação da secretaria de Cultura por perseguição político-ideológica [9]. O escritor Paulo Coelho oferece um valor por meio de sua fundação para arcar com os gastos do Festival [10]. Em ação movida pelo produtor executivo do evento, o Ministério Público Federal concorda que o parecer demonstra indícios de desvio de finalidade e deve ser suspenso [11]. Vale lembrar que o governo federal não renovou o edital da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic) deixando todas as aprovações de projetos via LIC centralizadas com André Porciúncula [veja aqui] e que Mario Frias ameaçou retirar financiamento do Museu da Língua Portuguesa por discordar do uso do pronome neutro pela instituição, afirmando ser uma ‘pirueta ideológica’ [veja aqui]. Em agosto, a Justiça suspende a decisão que barrou a captação de verba pelo projeto baseada no parecer emitido pela Funarte [12]. Em setembro, Ronaldo Gomes é denunciado pelo MPF e irá prestar 140 horas de serviço comunitário para não responder à ação penal [13] e a Secretaria Especial da Cultura emite segundo parecer contra festival de jazz com argumentos religiosos e políticos idênticos ao do primeiro [veja aqui]. Parlamentares entram com ação contra o segundo parecer e o presidente da Funarte, Tamoio Marcondes, emite um terceiro parecer indeferindo o projeto, alegando ‘impedimento de ordem técnica’, uma vez que há ‘notícia de captação privada para o evento’ advinda do escrito Paulo Coelho e que não houve a readequação do projeto levando em conta essa nova fonte de recursos [14].
Leia a análise sobre como o parecer fere a liberdade de expressão e o direito à impessoalidade nas decisões da administração pública.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.