Um depósito da sede da Cinemateca Brasileira na zona oeste da cidade de São Paulo sofre um incêndio; 25% da estrutura do prédio é comprometida e o teto desaba, além disso, são atingidas três salas, sendo que uma delas abrigava o acervo histórico de filmes e outra continha arquivos impressos [1]. Dentro do acervo, havia rolos de filme cujo material é altamente inflamável, a maioria deles eram cópias dos originais para exibição [2]. Também ficavam guardados o acervo da Programadora Brasil, equipamentos museológicos e inúmeros arquivos sobre políticas públicas do audiovisual [3]. Ainda, os arquivos continham documentações da Embrafilme, do Instituto Nacional de Cinema e do Conselho Nacional de Cinema [4]. Em abril, trabalhadores da Cinemateca divulgaram manifesto alertando sobre os riscos de incêndio [5]. O governador do Estado de São Paulo, João Doria, afirma nas redes sociais que o ocorrido é um ‘crime com a cultura do país’ e um ‘desprezo pela arte e pela memória do Brasil’ [6]. A cineasta Paloma Rocha, filha de Glauber Rocha, diz que o incêndio é uma tragédia anunciada [7]. Em julho do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação contra a União, afirmando que o Poder Executivo era responsável pelo ‘estrangulamento financeiro e abandono administrativo’ da Cinemateca [veja aqui]. Isso porque a instituição ficou sob um impasse jurídico após a suspensão, em dezembro de 2019, do contrato de sua administração [8]. Logo após, a Cinemateca passou meses sem receber nenhum repasse da Secretaria Especial de Cultura e seus funcionários foram demitidos em agosto de 2020 [veja aqui]. Em maio de 2021, a Justiça deu um prazo de 45 dias para que o governo comprovasse que estava trabalhando para garantir a conservação da Cinemateca [9], algumas vistorias técnicas foram feitas, mas não foi divulgado o estado em que o acervo se encontrava [10]. Desde o início do ano, a Sociedade Amigos da Cinemateca assumiu a gestão em caráter emergencial, porém o governo não assinou documento formalizando o convênio com a entidade [11]. O secretário especial da Cultura, Mario Frias, afirma que ‘irá tomar as devidas providências’ para descobrir se o incêndio foi criminoso e alega ter ‘compromisso com o acervo ali guardado’ [12]. Um inquérito conduzido pela Polícia Federal irá investigar a fundo as causas do incêndio [13]. No dia seguinte ao incêndio, o governo federal publica um edital de chamamento público para a escolha de uma entidade gestora [14]. Vale lembrar que, até junho de 2021, um dos responsáveis pela Cinemateca era Hélio Ferraz, atual secretário adjunto da secretaria especial da Cultura, que não tem experiência para exercer o cargo [veja aqui].
Leia mais sobre o impasse administrativo na cinemateca e ouça sobre como a negligência do governo federal contribuiu para o incêndio.
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.