Apuração da imprensa revela que pastores atuam como lobistas, negociando com prefeituras, – especialmente com prefeitos de partidos que compõem o núcleo do Centrão [1] – as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que subsidia atividades essenciais na Educação Básica em escolas públicas de todo o país, como transporte e alimentação [2]. Milton Ribeiro, ministro da Educação, diz que o governo federal prioriza a liberação de verbas para prefeituras que negociem os pedidos por meio de dois pastores que não têm cargo público e atuam em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC [3]. Em áudio obtido pela imprensa, Ribeiro continua ‘foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar’ [4]. A suspeita é a de que, ao menos desde janeiro de 2021, tem se formado um gabinete paralelo no MEC, liderados pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade [5]. Nas palavras do ministro, a sua prioridade é ‘atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar’ e continua ‘Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas’ [6]. A conversa ocorre em reunião privada com lideranças do MEC e com prefeitos [7]. Nos últimos 15 meses, a imprensa registrou a presença dos pastores em 22 agendas oficiais no MEC, 19 delas com o ministro [8]. Dias depois, o Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com o Tribunal de Contas da União (TCU), inicia a investigação para apurar o ocorrido [9]. A abertura do inquérito é autorizada pela ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, que atende pedido da Procuradoria e determina a abertura de inquérito pela Polícia Federal para investigar Ribeiro, os pastores e prefeitos que alegam ter recebido propostas de propina [10]. A investigação tem como objetivo apurar possíveis irregularidades e crimes, como o de tráfico de influência, no fluxo de liberação de verbas do FNDE, assim como o não funcionamento dos controles administrativos dos recursos destinados aos programas do órgão e a inefetividade do planejamento orçamentário das ações do MEC [11]. No mesmo dia em que as investigações foram autorizadas pelo STF, Bolsonaro defende o ministro Ribeiro e diz que coloca a ‘cara no fogo’ por ele [12]. Na mesma ocasião, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, também endossa a fala do presidente, dizendo que o ministro é ‘uma das pessoas mais honradas do seguimento religioso’ [13]. Ribeiro diz ter levado denúncia à Controladoria Geral da União (CGU) sobre suposta atuação indevida de pastores em agosto de 2021, mas voltou a ter reuniões com Santos e Moura ao menos cinco vezes [14]. No dia 28/03, torna público a divulgação de exemplares de uma edição da Bíblia com fotografias de Ribeiro e os dois pastores no município de Salinópolis (PA), patrocinada pelo prefeito Kaká Sena (PL) em evento organizado pelo MEC [15]. No mesmo dia, Ribeiro pede exoneração do cargo e diz ‘Decidi solicitar ao presidente Bolsonaro a minha exoneração do cargo, com a finalidade de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do governo federal’, Bolsonaro aceita o pedido [16]. Após o caso se tornar público, diversos relatos de corrupção envolvendo os pastores vem à tona, como o do município de Luís Domingues (MA), em que o prefeito alega que Moura solicitou dinheiro e ouro em troca da liberação de recursos do FNDE para a construção de creches e escolas [17]. Em maio, a imprensa divulga a tentativa do MEC de nomear o pastor Moura em cargo comissionado na pasta, apesar da nomeação não ter sido feita, Victor Godoy, atual ministro, abrigou em sua equipe advogado que integrava a comitiva dos pastores na negociação com os municípios [18]. Em junho, Ribeiro, Santos e Moura são presos pela Polícia Federal (PF) na operação batizada de ‘Acesso Pago’ [19]. O caso está sob segredo de justiça no STF por investigar a participação de Jair Bolsonaro nos esquemas de corrupção [20]. Em maio, a CGU aponta distorções de mais de R$19 bilhões no orçamento do FNDE [veja aqui]. Vale lembrar que em 2022, o governo realizou diversos bloqueios das verbas da educação, como os feitos em maio [veja aqui], em outubro[veja aqui] e o mais recente, que resultou no atraso das bolsas, em novembro [veja aqui]. A política fiscal do governo Bolsonaro resultou na gestão que mais cortou no orçamento da educação e da ciência em vinte anos [veja aqui].
Leia reportagem que deu os primeiros indícios dos casos de corrupção no MiEC e veja linha do tempo com os principais acontecimentos da operação até o momento
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.