Governo Bolsonaro edita medida provisória (MP) que prorroga a execução de leis de fomento à cultura – Lei Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc II – para 2023 e 2024, respectivamente [1]. A Lei Paulo Gustavo previa que o repasse de R$3,862 bilhões aos estados, municípios e Distrito Federal deveria acontecer em até 90 dias, no máximo, da publicação da lei [2]. A referida norma, que homenageia o artista Paulo Gustavo, que veio a óbito em decorrência da covid-19 e, prevê ações emergenciais para o incentivo à cultura em decorrência da crise econômica e social no setor ocasionado pela pandemia [3]. Por sua vez, a Lei Aldir Blanc II prorroga por cinco anos o benefício criado pela Lei Aldir Blanc I, de 2020, e prevê repasses anuais de R$3 bilhões da União para que os entes federativos realizem ações no setor cultural [4]. A norma prevê ainda que o repasse deverá ocorrer no próximo exercício – 2023 – e nos quatro anos seguintes [5]. A MP retira o caráter impositivo ao Poder Executivo de repassar os recursos de ambas as leis e, para tanto, se vale da expressão ‘fica a União autorizada’, em comparação, a redação original das leis preconizava ‘a União entregará’ [6]. Ainda, a medida condiciona o repasse às ‘disponibilidades orçamentárias e financeiras de cada exercício’ e, portanto, permite que o Executivo não execute os repasses sob o pretexto de falta de recursos no Orçamento da União [7]. Além disso, o governo apresenta um calendário de execução para os repasses das duas leis para 2023 e 2024. Especialista de gestão pública da cultura diz que a medida é ‘jeitinho que o governo federal deu em cima de um processo que já foi todo debatido. Numa canetada, ele fragiliza o planejamento. Sem obrigatoriedade do recurso, isso se torna uma disputa ano a ano’ [8]. Destaca-se que as leis passaram por todas as fases do processo legislativo nas duas casas – Câmara dos Deputados e Senado Federal [9]. A deputada Jandira Feghali (PC do B- RJ), autora das propostas das leis, afirma que é inconstitucional a modificação de lei complementar por medida, razão pela qual o Congresso deve derrubar a MP de Bolsonaro e conclui que ‘as duas leis têm fonte, orçamento claro, valor. Bolsonaro novamente faz da cultura inimiga’ [10]. Vale lembrar que Bolsonaro vetou integralmente ambas as leis, dificultando a sua aprovação, no entanto, o Congresso derrubou os vetos de Bolsonaro e publicou ambas as leis em julho de 2022 após mobilização intensa da sociedade civil [11]. O governo Bolsonaro já demonstrou descaso com políticas públicas do setor cultural em outros momentos, como nas investidas de Mário Frias – secretário da Cultura – e outras autoridades da base governistas contra a Lei Paulo Gustavo [veja aqui]; o enxugamento do sistema nacional de cultura [veja aqui];a paralisação na Ancine da análise de projetos audiovisuais passados e não lançamento de editais em 2019 e 2020; as censuras a projetos por posicionamento político-ideológico [veja aqui] [veja aqui] [veja aqui] .
Saiba mais sobre as políticas de incentivo à cultura no Brasil e veja mapeamento dos ataques às liberdades artísticas e à cultura ao longo do governo Bolsonaro
Atos que trazem como justificativa o enfrentamento da pandemia de covid-19 ou outra emergência. Sob o regime constitucional democrático, atos de emergência devem respeitar a Constituição e proteger os direitos à vida e à saúde. Mesmo assim, por criarem restrições excepcionais ligadas à crise sanitária, requerem controle constante sobre sua necessidade, proporcionalidade e limitação temporal. A longo prazo, demandam atenção para não se transformarem em um 'novo normal' antidemocrático fora do momento de emergência.
Atos que empregam ferramentas da constante reinvenção autoritária. Manifestações autoritárias que convivem com o regime democrático e afetam a democracia como sistema de escolha de representantes legítimos, como dinâmica institucional que protege direitos e garante o pluralismo.