O presidente Jair Bolsonaro afirma, em transmissão ao vivo nas redes sociais, que trabalhou na infância, em referência ao trabalho infantil, e completa que ‘o trabalho dignifica o homem e a mulher, não interessa a idade’ [1]. As declarações criticadas por defensores de direitos humanos, como a chefe de proteção da Unicef no Brasil [2] e a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) responsável pela Coordenação Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente [3]. Nessas manifestações, afirmam que o trabalho infantil contribui para o ciclo de pobreza e ainda é naturalizado pela sociedade brasileira. Organizações da sociedade civil [4], como a Ordem dos Advogados [5] e a Associação de Magistrados do Trabalho [6] publicam notas de repúdio. Pela legislação nacional trabalhista e pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) é proibido qualquer trabalho a menores de 14 anos, sendo permitida a realização de atividade laboral a partir dos 14 anos na modalidade de aprendiz [7]. Segundo dados do IBGE, mais de 1,8 milhão de crianças entre 5 e 17 anos trabalham, sendo que mais da metade (54,4%) está em situação de irregularidade [8]. Em razão do impacto negativo de sua fala, Bolsonaro faz postagem no Twitter negando a defesa ao trabalho infantil e acusando a esquerda de atacá-lo [9]. Vinte dias depois, o MPT lança plataforma digital para monitorar o combate ao trabalho infantil [10]. No final do mês, o presidente questiona legislação trabalhista que veda o trabalho análogo à escravidão [veja aqui] e edita decreto que altera o escopo do Conselho Nacional do Trabalho [veja aqui].
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O Brasil formaliza candidatura a um assento no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU [1]. O documento apresentado para a candidatura não menciona temas como ‘migração’, ‘gênero’ e ‘tortura’, que estavam presentes em anos anteriores [2]. O Presidente Jair Bolsonaro se manifesta nas redes sociais afirmando que as prioridades no documento são o ‘fortalecimento das estruturas familiares e a exclusão das menções de gênero’ [3]. O texto também não cita direitos LGBTI nem direitos reprodutivos das mulheres, cuja pauta, na visão do Presidente, promove a defesa do aborto [4]. Na mesma ocasião, o país deixa de votar resolução para que sejam investigadas execuções extrajudiciais realizadas pela polícia do governo filipino [5]. Além disso, o governo Bolsonaro deixou o Pacto Global para a Migração no início do ano [veja aqui] [6], já defendeu a ditadura de 1964 [veja aqui], elogiou torturador [veja aqui] e chamou tortura de presos de ‘besteira’ [veja aqui]. A Secretaria da Família afirma que a essência da Declaração Universal de Direitos Humanos ficou de lado com o enfoque em pautas minoritárias [7] e que ‘durante um bom tempo, houve um direcionamento ideológico dos direitos humanos’ [8]. As relações diplomáticas do Brasil com o CDH estão estremecidas, pois em sua campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que pretendia retirar o país do CDH [9] e gerou desconforto ao atacar Michelle Bachelet e seu pai, torturado e morto na ditadura chilena [veja aqui]. Na mesma linha, o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas ‘sexo biológico’ [veja aqui] e censura informações sobre política de gênero [veja aqui]. Diversas ONGs se posicionam contra a candidatura, pois o governo promove diversos retrocessos na área dos direitos humanos [10]. Em outubro, o Brasil consegue manter seu assento no CDH [11].
Leia mais sobre o funcionamento das eleições do Conselho de Direitos Humanos da ONU e ouça a análise sobre a reeleição do Brasil para o órgão.
Após o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, concordar com a indicação de Eduardo Bolsonaro para a Embaixada nos EUA [veja aqui], concede entrevista e comenta sobre a retirada de menções ao termo ‘LGBT’ no documento de candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU [veja aqui] [1]. O Ministro afirma que a proposta do governo é a ‘defesa dos direitos humanos reais de pessoas reais, e não de coisas abstratas que são sempre usadas para distorcer a realidade’ [2]. Ele complementa que o termo LGBT é usado para ‘controle do discurso’ e que a política externa do Brasil nos últimos anos se limita ao ‘politicamente correto’ [3], também reiterando seu discurso antiglobalista [veja aqui]. De acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2019, o Brasil registrou 329 mortes violentas de pessoas LGBT [4], sendo um dos países que mais mata LGBTs do mundo [5]. Gregory Rodrigues, membro da aliança nacional LGBTI de Minas Gerais, afirma que a fala do Ministro é um retrocesso para a comunidade LGBTI e busca excluí-la das políticas afirmativas [6]. O discurso do Ministro está alinhada com posturas homofóbicas adotadas pelo governo, como a menção ao inexistente ‘kit gay’ [veja aqui], a afirmação de que o Brasil ‘não pode ser o país do turismo gay’ [veja aqui] e o repúdio à denominada ‘ideologia de gênero’ [veja aqui], que levou o Itamaraty a orientar os diplomatas a mencionarem apenas ‘sexo biológico’ [veja aqui]. No agregado, os acontecimentos também estão atrelados à vinculação da diplomacia brasileira às políticas defendidas por Bolsonaro [veja aqui].
Leia as análises sobre o lugar de Ernesto Araújo na diplomacia brasileira, o que é LGBTfobia e os retrocessos para a população LGBT+ em 2019
O presidente Jair Bolsonaro, em conversa informal com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni e antes do encontro com imprensa internacional, afirma: ‘daqueles governadores de paraíba, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada para esse cara’ [1], sem saber que estava sendo gravado pela TV Brasil [2]. Os governadores do Nordeste manifestam ‘indignação’ com as ‘orientações de retaliação’ e uso do termo pejorativo ‘paraíba’ para se referir aos nordestinos [3], afirmando que, em respeito à Constituição e à democracia, deve-se manter uma relação de diálogo e convergências entre os Estados e o governo federal [4]. O governador do Maranhão, Flávio Dino, reage dizendo que o presidente não pode ‘determinar perseguição contra um ente da Federação’ e que é grave o presidente sugerir que não teria que ter nada para o governador do Maranhão [5]. Em resposta, Bolsonaro alega que os governadores do Nordeste têm ideologia e tentam manipular, por meio de desinformação, os eleitores da região [6]. Três dias depois (22/07), um advogado cearense processa Bolsonaro por injúria e racismo no Supremo Tribunal Federal por usar o termo ‘paraíba’ para se referir aos nordestinos [7]. Em 23/07, em visita ao Nordeste, Bolsonaro declara ‘amar os nordestinos’ e ter sangue ‘cabra da peste’ na família [8]. Essa não é a única vez que Bolsonaro promove ataques ao Nordeste. Em agosto, ele afirma que os governadores querem transformar a região ‘em uma Cuba’ [9] e, em fevereiro de 2020, sustenta que eles querem formar ‘militantes’ por não aderirem à criação de colégios cívicos-militares e, novamente, Flávio Dino reage, defendendo o seu investimento na rede pública e aumento do piso salarial para professores [veja aqui].
Leia as análises sobre o movimento de governadores do Nordeste para fazer contraponto político ao presidente e confrontar as pautas do governo federal e entenda os crimes de racismo e injúria racial.
O presidente Jair Bolsonaro afirma que ‘passar fome no Brasil é uma grande mentira’ [1]. Durante encontro com correspondentes de jornais estrangeiros, Bolsonaro disse que podem ter pessoas que não se alimentam bem, mas que não existiria fome no país; a fala foi dada em resposta a uma pergunta que tratava do tema e do aumento da pobreza no país, além de criticar programas de redistribuição de renda, afirmando que ‘somos o país das bolsas’ [2]. Apesar da declaração do presidente, que voltou atrás em sua fala [3], dados apresentam panorama diferente da fome no país: relatório do Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018, produzido pelas Organização das Nações Unidas (ONU), levantou dados que apontam para o crescimento da fome no Brasil, estimando que a desnutrição atingiu até 5,2 milhões de brasileiros entre 2015 e 2017 [4]. Quanto à pobreza, dados do IBGE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada demonstram que 54,8 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza e a proporção de miseráveis no Brasil vem aumentando, subindo de 6,6% em 2016 para 7,4% em 2017 [5]. Dados divulgados pela ONU em 2020 também demonstram que a fome aumenta no país [6].
Leia as análises sobre segurança alimentar no país, o status da pobreza no Brasil, a fome na América Latina, o papel dos programas de redistribuição de renda na democracia e sobre os cafés da manhã realizados com o presidente e a imprensa.
Durante o 20º Festival de Inverno em Bonito, no Mato Grosso do Sul (MS), a Polícia Militar interrompe o show da banda BNegão & Seletores de Frequência e expulsa todos do local [1]. Durante a apresentação, o cantor se posiciona de forma contrária à violência policial e aos ataques nas aldeias Wajãpis, no Amapá e critica o presidente Jair Bolsonaro [2]. As críticas também ocorrem durante o show anterior, da cantora Gal Costa, em que o público se manifesta com gritos de ordem e xingamentos ao presidente [3]. De acordo com BNegão, o estopim para a interrupção se dá quando ele diz, no palco, que produtores do evento teriam sido agredidos por policiais dois dias antes [4]. Uma das produtoras foi agredida por policiais, que a levaram algemada para a delegacia e o outro foi detido ao filmar a ação ilegal da polícia [5]. O Fórum Estadual de Cultura do MS divulga nota de repúdio frente ao ocorrido [6]. Sobre a interrupção do show, o cantor afirma se tratar de censura e ressalta o uso desproporcional da força pelos policiais, que empurraram as pessoas e utilizaram cassetetes e gás de pimenta [7], fato corroborado por relatos de pessoas que assistiam ao show, ao afirmarem que a polícia agiu de forma ‘truculenta’ [8]. Em nota, a prefeitura de Bonito repudia as manifestações políticas que ocorreram no festival [9] e a Polícia Militar declara que as acusações são inverídicas e que os policiais foram averiguar as denúncias de que pessoas estariam fazendo o uso de entorpecentes no local do evento [10]. Em março, foliões denunciaram violência policial durante o Carnaval [veja aqui] e outras interferências na área cultural ocorrem, como os cancelamentos de peça de teatro com cena de nudez [veja aqui], de peça infantil com temática da repressão e ditadura [veja aqui], da apresentação de cantora transexual em Parada LGBT , de eventos e espetáculos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e adiamento da estreia do filme ‘Marighella’ [veja aqui].
Leia a entrevista com BNegão sobre o ocorrido e a análise sobre as estratégias do governo vistas como censura a produções culturais.
Durante cerimônia da formatura de novos paraquedistas das Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro defende a exploração de minerais em reservas indígenas [1]. Ele afirma que a reserva Ianomami e a Raposa da Serra do Sol são riquíssimas em minerais e busca algum país do ‘primeiro mundo’ para explorá-las. Isso isso motivaria sua aproximação com os EUA e o desejo de colocar seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, na embaixada do Brasil no país norte americano [veja aqui] [2] . Bolsonaro também critica o aumento da demarcação de terras indígenas e reafirma a soberania do Brasil sobre a Amazônia [3], repetindo discursos anteriores [veja aqui] [veja aqui]. Entidade ligada à causa socioambiental afirma que, além da mineração causar grande impacto ao meio ambiente, expõe os povos indígenas a situações de violência e pode afetar a saúde de seus membros [4]. A fala do presidente está alinhada a outras medidas tomadas pelo governo de desmonte de políticas de proteção de áreas indígenas, como o apoio a ruralistas [veja aqui] e madeireiros [veja aqui], a revogação do decreto que impede a expansão do plantio de cana em terras indígenas [veja aqui], a paralisação do Fundo Amazônia [veja aqui] e a liberação da pesca esportiva em áreas protegidas [veja aqui]. Bolsonaro também defende a regularização pecuária em terras indígenas [veja aqui] e sofre representação no Tribunal Penal Internacional por implementar políticas predatórias contra indígenas [veja aqui]. Em 2020, Bolsonaro encaminha Projeto de Lei ao Congresso Nacional que permite a mineração em terras indígenas [veja aqui].
Leia as análises do porquê da exploração de terras indígenas preocupa estudiosos, quem são os maiores beneficiários da mineração nessas áreas e o que está em jogo na exploração de minerais nas terras indígenas
Indígenas da etnia Waiãpi denunciam invasão de garimpeiros às suas terras e consequente assassinato do cacique Emyra [1]. Os moradores não presenciaram a morte do líder, mas relatam que os invasores estavam armados e ocuparam a região em torno da aldeia Yvytotõ, por isso, os waiãpi tiveram que se refugiar em aldeia vizinha [2]. O território dos Waiãpi localiza-se no Amapá, faz parte da Reserva Nacional de Cobre e Associados, e é rica em diversos minérios, principalmente ouro [3]. O Ministério Público Federal investiga os acontecimentos [4] e o Presidente Jair Bolsonaro, ao ser indagado sobre o caso, afirma que ‘não tem nenhum indício forte’ de que o cacique tenha sido assassinado e reafirma sua intenção de legalizar o garimpo em terras indígenas [5] . O Ministério Público Federal arquiva o inquérito que investigava os acontecimentos [6]. Em suas falas sobre o episódio, o Presidente também afirma que ‘usam o índio como massa de manobra, para demarcar cada vez mais terras, dizer que estão sendo maltratados’ e critica a atuação de ONGs estrangeiras, afirmando que querem que os índios permaneçam ‘presos num zoológico animal’ e querem ‘ter para si a soberania da Amazônia’ [7] e, posteriormente, as culpa pelas queimadas na região [veja aqui]. As falas do Presidente seguem a mesma linha de outros discursos seus [veja aqui] e da diplomacia brasileira [veja aqui]. Em outras ocasiões, o Presidente se posicionou contra o aumento de demarcação de terras indígenas [veja aqui] e favorável à exploração de minerais na região [8].
Leia a análise sobre a relação do governo Bolsonaro com os povos indígenas.
Em pelo menos duas ocasiões na mesma semana, o presidente da República Jair Bolsonaro critica normas referentes à escravidão. Em evento no dia 30/07/19, o presidente critica a visão de alguns juízes de que trabalho análogo à escravidão seria igual ao trabalho escravo; afirma também que haveria uma ‘confusão’ na Constituição [1]. De acordo com a legislação brasileira, a escravidão não existe desde a abolição da escravatura, em 1888; a exploração da mão-de-obra de maneira ilegal é chamada de ‘trabalho análogo à escravidão’, e, de acordo com o Código Penal, é crime no Brasil [2]. Ainda segundo Bolsonaro, o Estado brasileiro estaria próximo do regime socialista ou comunista por causa da legislação [3]. No dia seguinte o presidente critica a punição de expropriação de terra para quem pratica trabalho escravo constante na Emenda Constitucional 81 [4] e diz que para mudar as normas sobre o assunto é preciso vencer a ‘guerra de informação’ [5]. De acordo com o presidente, a definição legal faria ‘o que bem entende com os proprietários rurais ou urbanos’ [6] e existiria apenas uma ‘minoria insignificante’ que manteria trabalhadores em condição análoga à escravidão [7]. A Comissão Pastoral da Terra contesta as falas do presidente [8], bem como a Força Sindical [9] e o chefe do Ministério Público do Trabalho [10], órgão que nos últimos cinco anos recebeu 5.909 denúncias sobre trabalho escravo [11]. No Brasil, em 2019, 1.213 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo [12]. Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro tentou relativizar condições de trabalho proibidas por lei [veja aqui].
Leia as análises sobre o trabalho escravo no país, a realidade das punições de quem explora mão de obra escrava, o mapa do trabalho escravo, a relação entre raça e trabalho escravo e sobre o papel do Ministério Público do Trabalho.
O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, reitera posicionamento já externado pelo Itamaraty de que gênero seria apenas sexo biológico [veja aqui]. De acordo com o ministro, as diretrizes atuais da política externa são contra o uso da palavra ‘gênero’ e contra o aborto na discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos, o que estaria alinhado à ‘vontade popular’ [1]. O ministro afirma também que há uma ‘demonização da sexualidade masculina’, no contexto da discussão sobre ‘cultura do estupro’ no país [2]. Por outro lado, parlamentares do partido PSOL presentes na reunião criticam as falas do ministro [3] e apontam retrocessos na diplomacia brasileira, os quais já seriam vistos em votações no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em que o Brasil acompanhou países islâmicos fundamentalistas para supressão do termo ‘direito à saúde sexual e reprodutiva’ em resolução sobre casamento forçado de meninas [4]. Em linha com as declarações, no mês seguinte, o Ministério de Relações Exteriores se nega a liberar informações sobre a política de gênero que embasa a posição do governo na ONU até 2024 [veja aqui]. Ainda, em discurso na Assembléia da ONU, o presidente Jair Bolsonaro, se posiciona contra a ‘ideologia de gênero’ [veja aqui]. No ano seguinte, o Brasil volta a se alinhar com países reacionários no Conselho de Direitos Humanos da ONU [veja aqui] para retirar o termo ‘intersecção’ da resolução para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres [5].
Leia análises sobre as políticas avessas à noção de gênero no Brasil e América Latina, a orientação antigênero do governo Bolsonaro e a nova postura ideológica do Itamaraty.