João Doria (PSDB), governador de São Paulo, ordena o recolhimento de apostilas que traziam informações sobre sexo biológico, identidade de gênero, orientação sexual, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez [1]. Segundo o governador, ele teria acionado a Secretaria de Educação após um alerta dos alunos e não concordaria ou aceitaria ‘apologia à ideologia de gênero’ [2]. O órgão afirma que o termo ‘identidade de gênero’ não seguiria a Base Nacional Comum Curricular do MEC e o currículo paulista; segundo especialistas, só não haveria menção ao assunto, e não proibição [3]. As apostilas continham matérias de oito disciplinas [4]. O Ministério Público de São Paulo pede esclarecimentos ao governo sobre a ação [5] e professores ajuízam ação popular pedindo que o material seja devolvido [6]. O pedido dos professores é atendido em liminar e as apostilas são devolvidas dez dias depois [7]. Dois dias após o recolhimento do material, Doria critica ação de Marcelo Crivella de censurar livro contendo beijo gay na Bienal do livro do Rio de Janeiro [8] . Vale lembrar que ‘ideologia de gênero’ é um termo utilizado muitas vezes por conservadores para se referir à gênero e sexualidade [9] e que o governo federal em diversas ocasiões se manifestou contra esse tema na educação [veja aqui] [veja aqui]
Leia análise sobre o que é identidade de gênero e orientação sexual e sobre o recolhimento de livros por governantes.
O presidente Jair Bolsonaro, por meio das redes sociais, informa que determinou ao Ministério da Educação (MEC) a redação de um projeto de lei visando a proibir a abordagem de ‘questões de gênero nas escolas de ensino fundamental’ do país [1], justificando a iniciativa pelo ‘princípio da proteção integral da criança’ [2]. A determinação do presidente ocorre após uma manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em ação [3] sobre a inconstitucionalidade de lei municipal de Londrina, no Paraná, que proíbe conteúdos com questões de gênero no ambiente escolar [4]. Em decisão de 12/12 [5], o ministro Luís Roberto Barroso suspende os efeitos dessa lei e afirma que a matéria só pode ser disciplinada por leis da União [6]. Vale notar que o combate a uma suposta ‘ideologia de gênero’ está na pauta do governo, não só do presidente [veja aqui], mas também de seus ministros da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves [veja aqui] e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo [veja aqui]. Em maio do ano seguinte, Bolsonaro volta a anunciar a preparação de projeto de lei contra a ‘ideologia de gênero’ [veja aqui].
Leia análises sobre o significado de ideologia de gênero e as controvérsias sobre essa suposta doutrina.
Decreto presidencial [1] dispensa igrejas da exigência de adaptação de todas as suas áreas comuns para acessibilidade de pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção. O decreto inclui o parágrafo segundo ao art.18 do Decreto n.5296/2004 [2] que define que áreas destinadas ao altar e ao batistério das edificações de uso coletivo utilizadas como templos de qualquer culto não precisarão atender as normas técnicas de acessibilidade da ABNT [3] como, por exemplo, ter rampa de acesso ou sinalização tátil no piso. Em resposta, a presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade da Prefeitura de São Paulo critica o decreto presidencial, questionando, por exemplo, se pessoas com deficiência física que frequentam esses templos não poderiam mais casar, ou conduzir um culto ou uma missa [4]. O senador Romário (PODEMOS-RJ) propõe projeto de Decreto Legislativo (PDL 638) para sustar o Decreto presidencial e garantir a acessibilidade em templos religiosos [5]. Posteriormente, em novembro o governo federal envia proposta de lei (PL6159) que flexibiliza lei de cotas para contratação de pessoas com deficiência [6]. No ano seguinte, o Congresso Nacional aprova Medida Provisória [7] que adia entrada em vigor de dispositivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que exige recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência em estabelecimentos cinematográficos [veja aqui].
Leia análise sobre o conceito de acessibilidade na Constituição e pesquisa que mapeou o nível de acessibilidade das cidades brasileiras.
A ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, assina portaria instituindo o ‘Programa de Gestão e Inovação Institucional Juntos pela Vida: Família e Direitos Humanos’ [1]. Na prática, são instituídos os objetivos da pasta até 2023 [2]. A nova missão do Ministério é ‘Proteger a vida, fortalecer a família e defender os direitos humanos para todos’ [3]. A missão anterior, estabelecida em 2018, era ‘Promover, proteger e defender os direitos humanos por meio de políticas públicas participativas, inclusivas e transversais, com objetivo de garantir uma vida digna, justa, igualitária e plural para todas as pessoas’ [4]. As novas diretrizes são reforçadas na declaração de Damares em entrevista de que a família deve guiar as políticas públicas no Executivo [5]. Cabe destacar que a ideia de família, no pensamento conservador, costuma se contrapor à diversidade de gênero e orientação sexual [6]. A discussão desses temas é vista por grupos evangélicos como uma ameaça à instituição ‘família’ e à sociedade como um todo [7]. Vale lembrar que Alves já se posicionou contra a ‘ideologia de gênero’ [veja aqui]. Em consonância com posicionamento sobre direitos sexuais e reprodutivos e identidade de gênero, diz em junho que discutir gênero causa sofrimento em jovens [veja aqui] e, em setembro, denuncia revista por reportagem sobre aborto [veja aqui] ;em fevereiro do ano seguinte também lança campanha que promove a abstinência sexual entre adolescentes [veja aqui].
Leia análise sobre a gestão de Damares à frente do Ministério de Direitos Humanos.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) suspende decisão dada pelo órgão no dia anterior e autoriza a prefeitura a censurar livros na Bienal do Livro, ao entender que obras que ilustram o tema da homossexualidade atentam contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, por isso, devem ser comercializadas em embalagens lacradas [1]. A decisão anterior do TJRJ, que havia impedido a apreensão dos livros, ocorreu após a Bienal entrar com uma ação na Justiça [2] para garantir a continuidade do evento, devido à determinação imposta pelo prefeito da cidade, Marcelo Crivella, em 05/09, de recolher história em quadrinhos, cuja capa apresenta dois personagens homens se beijando [3]. A justificativa apresentada foi a de ‘proteger os menores’ pelo ‘conteúdo sexual’ apresentado [4]. No dia seguinte ao anúncio do prefeito, fiscais da Secretaria Municipal vão ao evento verificar as denúncias de livros impróprios para menores de idade, mas afirmam não terem encontrado nenhum livro ‘pornográfico’ [5]. No dia 08/09, o STF derruba a decisão e afirma que ‘a imagem do beijo entre dois super-heróis homens’ não afronta o ECA [6]. Vale notar os cancelamentos de eventos com temática LGBT [veja aqui] e de apresentação de cantora transexual em Parada LGBT , bem como a suspensão de edital federal com temática LGBT [veja aqui]. O presidente Jair Bolsonaro também já vetou campanha publicitária do Banco do Brasil que representava a diversidade racial, sexual e de gênero [veja aqui] e afirmou que o veto a obras culturais serve para ‘preservar valores cristãos’ [veja aqui].
Leia as análises sobre o recolhimento da obra configurar violação ao Estado de Direito e a censura por trás dessa medida.
Como revelam veículos de imprensa [1], o Ministério de Relações Exteriores se nega a liberar informações sobre a política de gênero que embasa a posição do governo na Organização das Nações Unidas (ONU) até 2024 [2]. Conforme reportado em junho, diplomatas teriam recebido instruções oficiais para abolir o termo ‘gênero’ e adotar ‘sexo biológico’ [veja aqui]. Além disso, teriam sido recomendados a evitar os termos ‘igualdade de gênero’ e ‘educação sexual’. Segundo justificativa oficial do Ministério, os documentos seriam reservados por apresentar riscos à posição negociadora do Brasil [3] e, por isso, só poderiam ser consultados em cinco anos. Os pedidos de informações foram feitos por ONGs, lideradas pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), através da Lei de Acesso à Informação [4]. Seis dias antes, Jair Bolsonaro pediu ao Ministério da Educação projeto de lei para proibir ‘ideologia de gênero’ [veja aqui]; outra manifestação no mesmo sentido é feita pelo presidente em maio de 2020 [veja aqui].
Leia análises sobre as políticas avessas ao gênero no Brasil e América Latina, a orientação antigênero do governo Bolsonaro e a nova postura ideológica do Itamaraty.
No mês de setembro, a Caixa Cultural – programa de centros culturais vinculados à empresa pública Caixa [1] – promove o cancelamento de eventos e espetáculos com temática LGBT e democracia [2]. Dentre eles, estão três eventos que ocorreriam no Rio de Janeiro e um em Brasília. No Rio, ocorreriam mostra da cineasta Dorothy Arzner que discutiria temas feministas e homossexualidade [3]; o ciclo de palestras ‘Aventuras do Pensamento’ sobre democracia, história, ciência e ambiente [4], cuja justificativa para o cancelamento seria a mudança de títulos das palestras sem aviso prévio [5] [6]; e a peça ‘Lembro Todo Dia de Você’ sobre as lembranças de um personagem homossexual e soropositivo, com cenas de beijos entre homens [7] – que acaba ocorrendo em novembro [8]. A peça ‘Gritos’, em Brasília, que aborda questões de identidade de gênero e tem entre as personagens uma travesti, deixou de se apresentar após questionamentos da Caixa [9]. Vale notar que, no mesmo mês, a Caixa cria regras para avaliar os projetos culturais e inclui a verificação de posicionamento político de artistas [veja aqui] e cancela uma peça infantil com temática de repressão e ditadura [veja aqui]. Além disso, outros cancelamentos ocorrem, como a apresentação de cantora transexual em Parada LGBT , uma peça de teatro com cena de nudez [veja aqui] e o show de BNegão [veja aqui].
Leia as análises sobre a censura que corrói a arte no Brasil, as estratégias do governo Bolsonaro nas produções culturais e as medidas que podem ser tomadas em caso de cancelamento.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, durante encontro nacional de delegados de departamentos de homicídios defende o aumento de pena para casos de crime organizado e se opõe ao direito das pessoas presas à visita íntima, a qual chama de ‘liberdade sexual’ [1]. O direito à visita íntima está previsto na Lei de Execução Penal e em resolução do Conselho de Política Criminal Penitenciária [2], a qual entre suas diretrizes determina que seja garantida tanto em unidades masculinas, como femininas a visita íntima com uma frequência mínima de uma vez por mês [3]. No Rio de Janeiro, as unidades prisionais garantem o direito com frequência semanal ou quinzenal, no entanto, existe uma série de barreiras para sua efetivação, sendo exigidos por parte do preso que não tenha registro de falta disciplinar, e que junto com a companheira registrada realizem exames médicos que comprovem saúde física e mental [4]. Além disso, como destaca advogado especialista em política criminal, muitos presídios não apresentam estrutura física necessária, com ausência de higiene e privacidade, sendo especialmente prejudicadas as unidades femininas [5]. A fala de Witzel se compatibiliza com outras de suas declarações, em que elogia o aumento do número de mortes pela polícia [veja aqui], defende a internação compulsória de pessoas em situação de rua [veja aqui], e propõe fechar o acesso de comunidades como medida de segurança pública [veja aqui].
Leia análise sobre a importância da visita íntima e as limitações existentes para efetivação desse direito.
No Twitter, o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, se refere ao grupo de assessores e funcionários do Partido dos Trabalhadores (PT) que ganhou prêmio da Mega-Sena [1] como ‘tigrada’ [2]. O PT promete afirma que irá processar o Ministro pelo ocorrido [3]. A mensagem é criticada, pois o termo é racista e remete ao passado escravocrata [4]. A expressão refere-se aos escravizados que eram obrigados a carregar tonéis com fezes e urina para despejá-los em local apropriado. O conteúdo, cheio de ureia e amônia, escorria em suas costas formando manchas, por isso, eram chamados de ‘tigres’ [5]. Weintraub empregou o termo anteriormente para se referir a Guiherme Boulos, político que foi candidato à presidência pelo PSOL [6], e continua a utilizá-lo, inclusive na ocasião de sua saída do país ao deixar o Ministério [7] . Em outro episódio relacionado ao vocabulário e conteúdo das falas de Weintraub, em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal acata pedido da Procuradoria Geral da República para investigar o Ministro por crime de racismo devido à publicação sobre chineses no Twitter [veja aqui]. O inquérito foi motivado pela notícia-crime reportada por Vinicius Wu, historiador afro-sino-brasileiro [8]. Em junho de 2020, após a demissão do então Ministro, e consequente perda de foro privilegiado, o processo passa a tramitar na primeira instância [9].
Leia mais sobre expressões racistas da língua portuguesa.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves encaminha denúncia ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) [1] por causa de reportagem da revista Azmina sobre a prática de aborto seguro de acordo com procedimentos da Organização Mundial da Saúde [2]. Segundo ela, a reportagem seria ‘apologia ao crime’ e um ‘absurdo’ [3]. A partir da denúncia, o MP abre inquérito criminal [4]. Apoiadores do governo atacam as jornalistas [5] e entidades da sociedade civil defendem a publicação com base no direito à liberdade de expressão [6] [7] [8]. A reportagem informa que o aborto é crime, salvo nas hipóteses previstas em lei [9], o que não é ilegal [10]. Em 03/2020, relato da diretora de redação da revista é ouvido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em contexto de ‘preocupação’ do órgão quanto à liberdade de expressão no país [11]. Vale notar que o episódio marca série de conflitos com veículos da imprensa e jornalistas, como aqueles com as jornalistas Constança Rezende [veja aqui], Patrícia Campos Mello [veja aqui] e Vera Magalhães [veja aqui] e com os jornalistas como um todo [veja aqui]. Ainda, o presidente Jair Bolsonaro já se manifestou em diversas ocasiões contra a prática de aborto [veja aqui].
Leia as análises sobre a legalidade da reportagem por professores de direito, a ofensiva ao aborto legal, as políticas de direitos reprodutivos no governo Bolsonaro e como se organizam os militantes contra o aborto.