Lisandro Sodré, capitão do 13º Batalhão da Política Militar de Minas Gerais (PM-MG), ameaça abandonar o policiamento do desfile do bloco ‘Tchanzinho da Zona Norte’, durante o carnaval de Belo Horizonte, após um dos vocalistas puxar música de repúdio ao presidente Jair Bolsonaro e de apoio ao ex-presidente Lula [1]. O porta-voz da PM-MG considera correta a postura do capitão sob o argumento de que manifestações político-partidárias nos blocos poderiam gerar confusões e brigas [2]. A organização do bloco se sentiu intimidada quanto à sua liberdade de expressão [3] e reiterou que o ‘Tchanzinho da Zona Norte’ sempre teve caráter político, seguindo a tradição do carnaval de Belo Horizonte [4]. Além disso, a organização informa que, após a atuação do capitão, foram constatados casos de homofobia e violência, o que levou o desfile a terminar antes do previsto [5]. A Defensoria Pública de Minas Gerais requer a revisão dos procedimentos administrativos da PM para que não sejam proibidas manifestações de cunho político nos blocos de Carnaval [6]. No carnaval de rua de São Paulo, foram protocoladas ao menos dez denúncias de violência policial, fenômeno que não ocorria desde 2012 [veja aqui] e o presidente Bolsonaro desmereceu música carnavalesca de Caetano Veloso e Daniela Mercury que o criticava [veja aqui]. Ainda, em Mato Grosso do Sul, a PM interrompeu show da Banda BNegão & Seletores que se posicionava contra a atuação da polícia e os ataques a indígenas [veja aqui].
Leia a análise sobre a relação entre carnaval e política e sobre o tamanho do bolsonarismo dentro das polícias militares e veja o vídeo sobre a história do carnaval em Belo Horizonte e seu caráter eminentemente político.
Em suas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro faz menção à letra de música carnavalesca dos artistas Caetano Veloso e Daniela Mercury, sem citar seus nomes, para criticá-los e afirma que ‘tem gente ficando doida sem a tal Lei Rouanet’ – em referência à política de incentivo cultural – e completa, ‘acabou a moleza (…) quem for brincar terá que brincar com seu dinheiro’ [1]. A música ‘Proibido Carnaval’ de Cetano e Daniela apresenta conteúdo crítico ao conservadorismo, especialmente com relação à liberdade sexual e à censura, desafiando declarações de membros do próprio governo, como a fala da ministra Damares Alves de que ‘menino veste azul e menina veste rosa’ [veja aqui] [2]. Em resposta, Daniela Mercury publica carta aberta ao presidente afirmando ‘há uma distorção muito grave sobre a Lei Rouanet’ e uma incompreensão por parte de Bolsonaro sobre seu conteúdo; reitera também o valor ‘imensurável’ da arte ‘para a sociedade, para o turismo, para a economia’ [3]. O episódio marca uma série de outros ataques à produções culturais, como pedido de retirada de filme de festival internacional sobre a história de Chico Buarque [veja aqui], adiamento da estreia de produção cinematográfica sobre a vida do militante de esquerda Carlos Marighella [veja aqui], críticas à cineasta Petra Costa por seu documentário indicado ao Oscar [veja aqui], e recusa do Itamaraty em publicar livro de desafeto político do ministro das Relações Exteriores [veja aqui].
Leia análise sobre às críticas ao presidente durante o carnaval e suas reações
O presidente compartilha notícia falsa [1] do portal Terça Livre, que afirma que a jornalista do Estadão Constança Rezende teria dado entrevista a jornal fracês e admitido que gostaria de ‘arruinar Flávio Bolsonaro e o governo’ [2] com a cobertura jornalística das movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz, acusado de esquema de corrupção com o filho do presidente [veja aqui]. O próprio jornal Estadão desmente em seguida o presidente [3], bem como o jornal francês que teria entrevistado a jornalista [4]. Após o ocorrido, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestam, defendendo que o presidente teria descompromisso com a veracidade dos fatos e tentaria intimidar a mídia [5]. Partidos da oposição igualmente criticam o episódio [6]. Outras entidades, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) também publicam notas de repúdio [7]. Após a repercussão, porém, o presidente não se retrata, apenas reclama das muitas manifestações de solidariedade à jornalista e ironiza: ‘se não ler as notícias é desinformado… se as ler ficará mal informado’ [8]. episódio marca série de conflitos do governo com a imprensa [veja aqui] e jornalistas [veja aqui].
Leia as análises sobre o caso em questão, seu enquadramento em cenário de ataques à imprensa e de investigação de Flávio Bolsonaro, a relação da mídia com a democracia, os ataques do governo aos jornalistas
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, instaura inquérito para apurar ameaças, ataques e veiculações de notícias falsas (fake news) contra os ministros da Corte, com tramitação em sigilo [1]. A abertura é realizada por conta própria do STF, sem pedido por parte do Ministério Público (MP) ou Polícia Federal (PF) – que são da praxe processual [2], o que gera questionamento de sua constitucionalidade pela Rede Sustentabilidade [3]. Desde a instauração do inquérito, que já foi prorrogado diversas vezes [4], inúmeras medidas que constrangem as liberdades dos investigados já foram tomadas, como buscas e apreensões – inclusive pautadas na Lei de Segurança Nacional [5] -, quebras de sigilo, suspensão de contas em redes sociais e realização de depoimentos [6]. A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifesta pelo arquivamento do inquérito [7], alegando falta de delimitação do objeto da investigação e dos investigados e incompatibilidade com o sistema penal acusatório, já que o próprio STF acusa e julga os fatos [8]. O pedido de arquivamento é rejeitado pelo relator do caso, ministro Alexandre de Moraes [9]. Os argumentos mobilizados pela PGR também são apontados por especialistas do campo penal que criticam o inquérito pela amplitude de seu objeto [10], restrição à liberdade de expressão na medida em que desestimularia o debate público a criticar a atuação dos ministros e da Suprema Corte [11], e violação aos princípios do contraditório e ampla defesa, já que o sigilo do inquérito impossibilitaria que os advogados dos investigados tenham acesso às informações essenciais do processo [12]. Ao mesmo tempo, com a escalada de incerteza e violência institucional por conta de diversos protestos em favor do fechamento do STF e do Congresso Nacional – inclusive incentivados pelo próprio presidente da República [veja aqui] – a Rede Sustentabilidade altera sua posição e requer a extinção de seu pedido [13]. Nesse contexto, são mobilizados atos em favor do STF e do Congresso [14] e especialistas também apontam a importância dessas instituições para a democracia [15] [16]. Em junho de 2020, o STF decide pela legalidade do inquérito e sua prorrogação [veja aqui].
Leia análises sobre possíveis vícios de forma e conteúdo do inquérito das fake news, os variados usos do inquérito, os riscos trazidos para a liberdade de expressão, os efeitos dos bloqueios de aliados do governo nas redes sociais, e como o STF mudou sua própria opinião acerca do inquérito ao longo do tempo.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), por meio de Portaria [1], nomeia uma comissão para realizar uma análise ideológica das questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019 durante 10 dias [2]. A proposta já havia sido anunciada no mês anterior em reunião interna e sua missão seria anular itens com suposta ‘ideologia de gênero’ [3] e fazer uma ‘leitura transversal’ das questões que integram o Banco Nacional de Itens (BNI) para a montagem das provas e assegurar um ‘perfil consensual’ do Exame [4]. O Ministério Público Federal pede esclarecimentos ao Inep por julgar que o propósito da comissão é vago [5] e, considerando insuficientes as informações prestadas, solicita novas [6]. No total, a comissão barra 66 questões, sem divulgar o conteúdo das perguntas excluídas [7]. O Enem de 2019 é o primeiro desde 2009 a não tratar da ditadura militar e deixa de fora a temática dos direitos LGBT [veja aqui], encarados como ‘ideologia de gênero’ pelo governo. O combate ela faz parte da agenda do governo. Em janeiro, a presidente do Inep foi exonerada depois de Bolsonaro criticar a prova do Enem de 2018 que utilizava dialeto LGBT em uma questão [veja aqui]. Em setembro, ele solicita ao Ministério da Educação (MEC) um projeto de lei para proibir a abordagem de ‘questões de gênero’ nas escolas [veja aqui] e o MEC envia comunicado às secretarias de educação com orientações sobre como manter um ambiente escolar ‘sem doutrinação’ [veja aqui]. Em 2020, o governo anuncia novo projeto de lei para combater ‘ideologia de gênero’ [veja aqui]. Em 2021, a imprensa obtém informações mais precisas sobre as questões barradas em 2019, dentre elas, consta tirinha da personagem Mafalda, na qual há uma interpretação feminista em relação à trajetória de sua mãe, e trecho da música ‘Papa don’t preach’ da cantora Madonna, que fala sobre gravidez na adolescência e que foi considerada ‘polêmica’ pela comissão de censores [8]. Em relação à ditadura militar, questões que utilizavam poemas de Ferreira Gullar e Paulo Leminski e música de Chico Buarque foram barradas; nesta última constava a observação dos censores: ‘Leitura direcionada da história / Sugere-se substituir ditadura por regime militar’ [9]. Ainda, foram consideradas inaptas para o exame charge que se ambientava numa igreja, mas que não tinha conteúdo relacionado à religião e poema de Manoel de Barros por supostamente ferirem o ‘sentimento religioso e a liberdade de crença’ [10]. Em sentido semelhante, foi censurada charge da cartunista Laerte por ‘Leitura direcionada da história / Direcionamento do pensamento’ e tira sobre milhos transgênicos, pois geraria ‘polêmica desnecessária em relação à produção no campo’ [11]. No ano de 2021, novamente o governo federal censura questões do ENEM [veja aqui].
Ouça o podcast sobre a comissão que vai fiscalizar as questões do Enem.
O presidente Jair Bolsonaro, após visita ao Memorial do Holocausto em Israel, afirma a jornalistas que concorda com a opinião do ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, de que o nazismo está ligado à esquerda [1]. Segundo o presidente, “não há dúvida. Partido socialista, como é que é? Partido Socialista da Alemanha”, em referência ao nome do partido fundado por Adolf Hitler [2]. Em março, historiadores criticaram o posicionamento de Araújo, afirmando ser incorreta a relação entre nazismo e a posição política e ideológica da esquerda [3]. O próprio museu em memória das vítimas do holocausto, visitado por Bolsonaro, associa o movimento nazi-fascista a participação de grupos radicais de direita [4]. Em reação, o grupo Judeus pela Democracia classificam como desrespeitosa a fala do presente [5] e o rabino da Congregação Israelita Paulista contesta Bolsonaro e reafirma a participação de grupos de extrema direita no nazismo [6]. No mesmo dia, o presidente também é criticado pela própria organização do memorial do holocausto e por diplomata israelense no Brasil pela declaração de que seria possível ‘perdoar’ o holocausto [7]. Com relação a essa fala, o presidente pede desculpas em carta [8]. No ano seguinte, o Secretário da Cultura lança vídeo com referências nazistas [veja aqui], Araújo associa o nazismo com decisões do Supremo Tribunal Federal [veja aqui] e chargistas são investigados criminalmente por cartum que relaciona Bolsonaro a símbolo do nazismo [veja aqui].
Ouça análise de podcast que explica a relação entre nazismo e extrema direita.
O ministro da Educação Abraham Weintraub relaciona, em seu discurso de posse, o educador Paulo Freire a resultados ruins na educação [1]. Nas palavras do novo ministro, ‘se (…) Paulo Freire seria uma unanimidade, por que a gente tem resultados tão ruins comparativamente a outros países? A gente gasta em patamares do PIB igual aos países ricos’ [2]. Embora o montante gasto em voluma seja 6% maior do que a média dos países pertecentes à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o valor proporcional é equivalente à metade do que os demais países gastam [3]. Vale destacar que Paulo Freire é constantemente associado pelo governo Bolsonaro à esquerda, sendo alvo de ataques por isso [4] [veja aqui]. Contudo, o pensador é referência internacional na área de ciências humanas e seu livro ‘Pedagogia do oprimido’ é o único brasileiro constante na lista de cem mais pedidos pelas universidades de língua inglesa [5]. Freire é constantemente alvo de ataques pelo atual governo – o presidente o chamou de ‘energúmeno’ [veja aqui] e criticou sua ideologia [veja aqui]; Weintraub o critica outras vezes [veja aqui] e os filhos do presidente [veja aqui] também atacam o educador.
Leia as análises sobre o legado de Paulo Freire para a educação brasileira e sua relação com o pensamento reacionário
Através de Instrução Normativa [1], o ministro da Cidadania, Osmar Terra, altera pontos sensíveis na Lei Federal de Incentivo à Cultura [2], conhecida até então como Lei Rouanet [3]. Dentre as novas regras, estão: o governo deixa de utilizar o nome ‘Lei Rouanet’ e passa a divulgá-la com seu nome oficial; há diminuição dos investimentos máximos permitidos por projeto – de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão – e por carteira (conjunto de projetos por empresa) – de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões – por ano, resguardadas as exceções; a cota mínima de ingressos gratuitos para famílias de baixa renda passa de 10% para 20 a 40% do total das entradas; prevê medidas para descentralizar os projetos do eixo Rio-São Paulo e; como contrapartida, os produtores culturais e os artistas devem realizar ao menos uma ação cultural educativa relacionada a cada projeto incentivado [4]. O ministro da Cidadania afirma que o intuito das alterações é de que os recursos federais sejam mais bem distribuídos, enfrentando a ‘concentração de recursos nas mãos de poucos’ [5]. No entanto, as mudanças foram criticadas por agentes e especialistas do setor cultural. O presidente da Associação de Produtores Teatrais no Rio de Janeiro acredita que a redução nos investimentos máximos permitidos por projeto é muito abrupta e pode gerar consequências negativas para a empregabilidade no setor [6]. Sérgio Sá Leitão, ex-ministro da Cultura, afirma que restringir investimentos não irá democratizar o acesso e que o teto de investimentos irá liquidar os musicais, que geralmente necessitam de mais de R$ 1 milhão para serem executados [7]. Ainda, para ex-secretário-executivo da Cultura, as novas regras não favorecem pequenas produções, que ainda não atraem muitos patrocinadores e dependem das verbas do governo federal via Fundo Nacional de Cultura, portanto, a medida seria irrelevante para a desconcentração de incentivos [8]. Vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro já chamou a Lei Rouanet de ‘desgraça’ utilizada para financiar apoiadores de governos anteriores [9] e de ‘desperdício’ de recursos [10]. Em 2020, o governo federal não autoriza projetos com patrocínios culturais já combinados via Lei Rouanet [veja aqui] e os Correios reduzem drasticamente seus investimentos em projetos culturais [veja aqui].
Leia a análise sobre o porquê de o teto de investimentos não resolver as distorções na Cultura, a avaliação sobre o antes e depois das mudanças na legislação e o balanço sobre o impacto da Lei Rouanet na economia brasileira.
O presidente Jair Bolsonaro, nas redes sociais, afirma que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, estaria considerando ‘descentralizar’ os investimentos destinados a ‘faculdades de filosofia e sociologia (humanas)’ [1]. Para o presidente, os gastos com as áreas não seriam justificados, uma vez que não garantiriam ‘retorno imediato’ à sociedade [2]. A declaração se coaduna com o posicionamento do ministro que no dia anterior publicou em suas redes sociais que o investimento em curso de filosofia não seria tão vantajoso quanto às áreas veterinária e médica [3]. Em reação, associações de estudantes e pesquisadores de humanidades assinam nota pública em que criticam ambas as declarações, que desprezam o papel das ciências sociais para o processo de formulação de políticas públicas [4]. As postagens ocorrem quatro dias antes de Weintraub anunciar cortes orçamentários em universidades federais sob a justificativa de ‘baixo rendimento’ e realização de atividades consideradas como ‘balbúrdia’ [veja aqui]. Outros episódios marcam o uso de termos pejorativos para classificar estudantes universitários, como a acusação de que universidades federais teriam plantações de maconha [veja aqui]. No ano seguinte, Weintraub volta a afirmar que investir em sociólogos, antropólogos e filósofos seria desperdício de dinheiro público [veja aqui] [5].
Leia análise sobre o papel das universidades na formação de pesquisadores e formuladores de políticas públicas nas mais diversas áreas de conhecimento
O presidente da República Jair Bolsonaro afirma que Paulo Freire não será mais o patrono da educação [1]. A declaração é dada para entrevista a uma repórter-mirim, no programa Agrishow; a menina tem um programa no Youtube e já havia interagido com o presidente outras vezes, tendo inclusive comparecido a sua posse [2]. Bolsonaro não cita Freire diretamente, mas afirma que o atual patrono é ‘muito chato, (…) [e] vai ser mudado, estamos esperando alguém diferente’ [3]. Freire é patrono da educação brasileira desde 2012, homenagem conferida com por uma lei federal da deputada Luiza Erundina (PSOL) sancionada pela presidenta Dilma Roussef (PT) [4]; o educador é também associado pelo presidente à ideologia de esquerda, embora seja referência na área das ciências humanas [5]. O pensador é constantemente alvo de ataques pelo atual governo: foi chamado de ‘energúmeno’ [veja aqui] por Jair Bolsonaro, que também criticou sua ideologia e livros escolares [veja aqui]. Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, afirmou que somente pessoas alinhadas à Freire falariam mal do MEC [veja aqui]. Já o ministro da Educação Abraham Weintraub também atacou o pensador mais de uma vez, o relacionando a baixos índices de alfabetização [veja aqui] e afirmando que Freire ‘não tem vez’ no atual governo [veja aqui].
Leia as análises sobre o legado de Paulo Freire para a educação brasileira e sua relação com o pensamento conservador