A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) anuncia um corte de mais 2,7 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado [1]. Apesar de não afetar quem já recebe o benefício, a medida prejudica os novos ingressantes que pretendiam solicitar o benefício em cursos com nota 3 há duas avaliações consecutivas ou que caíram da nota 4 para a 3 [2]. De acordo com o órgão, a medida foi tomada como forma de alinhar a concessão das bolsas com a avalição periódica dos cursos e para preservar os mais bem avaliados nos últimos 10 anos [3]. A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) divulga nota criticando a decisão e afirma que os cortes afetarão principalmente as regiões Norte e Nordeste, agravando ainda mais a concentração de pesquisas na região centro-sul e perpetuando as desigualdades regionais [4]. Em setembro, a Capes anuncia novo corte de 5.613 bolsas em todo o país e ressalta que as novas bolsas não serão oferecidas nos próximos 4 anos [5] [veja aqui]. Vale lembrar que, em maio, a Capes já havia bloqueado as bolsas de pós-graduação oferecidas, mas depois reconsiderou a medida para os programas avaliados com notas 6 e 7 [veja aqui] e, em abril, o governo federal ameaçou realizar cortes orçamentários em universidades federais por ‘balbúrdia’ e, em seguida, anunciou corte geral de 30% dos recursos [veja aqui]. Em resposta às manifestações contrárias aos cortes, Bolsonaro chama os estudantes de ‘idiotas úteis’ e ‘imbecis’ [veja aqui].
Leia as análises sobre os efeitos de curto e longo prazo dos cortes de bolsas na ciência e seu maior impacto na região Nordeste.
Damares Alves, chefe do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MDH), afirma que a discussão sobre gênero causaria sofrimento aos jovens [1]. A fala é proferida em audiência da Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara dos Deputados, em que Alves diz ser contrária à ‘ideologia de gênero’ que, segundo ela, é causa do sofrimento pela de parte dos jovens que se automutilam e tentam suicídio [2]. Os médicos, em sua visão, estariam preocupados com declarações para a criança de que ‘ela tem 70 identidades de gênero para escolher’, por causa da teoria de gênero surgida ‘nos últimos anos’ e não seria cientificamente comprovada [3]. Vale notar que ideologia de gênero não é um termo utilizado por acadêmicos ou educadores, mas que se consolidou em abordagem conservadora [4]. Ainda, de acordo com especialistas, discutir temáticas relacionadas à gênero e sexualidade no currículo escolar auxilia em questões como evasão do ambiente de ensino, prevenção à violência e combate ao preconceito e respeito à diversidade [5], sendo sua discussão um modo de lidar com o sofrimento que leva jovens a deixar a escola ou a cometer suicídio [6]. Além disso, o posicionamento conservador em relação à temática de gênero encontra eco em outros setores: desde o governo de São Paulo que mandou recolher apostilas por supostamente conterem referência à ideologia de gênero [veja aqui], ao posicionamento dos Ministérios de Relações Exteriores [veja aqui] e da Educação [veja aqui], além de ser referendado pelo próprio presidente da República [veja aqui] em diversos momentos [veja aqui].
Leia as análises sobre uma criança que se identifica como trans, reportagem sobre declarações falsas de Damares relacionadas à gênero, as questões políticas envolvidas e como o assunto é abordado no Legislativo.
O presidente Jair Bolsonaro sanciona, com vetos, Lei [1] aprovada pelo Congresso em 15/05 que propõe alterações no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) [2]. A Lei adota a abstinência como estratégia central de tratamento [3], medida que já havia sido adotada em Decreto baixado em abril instituindo a Nova Política sobre Drogas [veja aqui]. A Lei autoriza a internação compulsória de dependentes químicos de forma voluntária e involuntária sem a necessidade de autorização judicial e podendo ser decidida por agentes públicos nos casos de usuários sem família ou responsável legal [4]. Em relação aos vetos, Bolsonaro retira o sistema de avaliação das políticas sobre drogas, que serviria para ‘planejar metas e eleger prioridades’ [5], além de vetar artigo que alterava as penas para tráfico de drogas por ter efeito mais benéfico a quem comete crimes [6]. A Lei é alvo de críticas. O secretário executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas afirma que a nova política se torna ineficiente ao não tocar em temas como a descriminalização ou ‘a definição de critérios objetivos para diferenciar uso de tráfico’ [7] e o advogado do programa de Violência Institucional da Conectas a considera um ‘grave retrocesso’, contrariando protocolos internacionais ao não respeitar o direito à autonomia e autodeterminação [8]. Vale lembrar que, em julho, Bolsonaro exclui a participação da sociedade civil na composição do Conad [veja aqui].
Leia as análises sobre o que é a internação compulsória, os problemas da nova política e ouça sobre a eficácia de políticas para redução de danos.
O Presidente Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, assinam o decreto [1] que reconhece atividades em salinas estabelecidas em determinados municípios como de interesse social, permitindo a exploração em Áreas de Preservação Permanente (APPs) [2], que são protegidas por lei e ocupáveis em casos de interesse social e baixo impacto social, por exemplo [3]. O Ministério Público Federal (MPF) ajuíza uma ação civil pública com pedido de liminar buscando a anulação do decreto, fundamentando-se na falta de interesse social de salinas e riscos ao ecossistema [4]. Desde o início de 2019, o órgão já ajuizou ações contra 18 empresas salineiras que atuam na região dos municípios citados no decreto, requerendo a remoção da produção de sal das áreas de proteção e a recuperação dos ecossistemas degradados, a saber, os mangues [5]. A Procuradoria da República no Rio Grande do Norte, também pede a anulação do decreto, alegando se tratar de um decreto ilegal e inconstitucional [6].
Leia a análise sobre a exploração de sal no Rio Grande do Norte
O presidente Jair Bolsonaro, por meio de Decreto [1], exonera todos os 11 peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humano e responsável por investigar violações de direitos humanos em unidades públicas, como penitenciárias [2]. O documento prevê o preenchimento dos cargos agora por voluntários, já que retira a previsão salarial. A exoneração, no entanto, não gera a extinção do mecanismo, mas abre a possibilidade de abertura de edital para a nomeação dos novos peritos, que deve ser autorizada pelo presidente [3]. As medidas recebem fortes críticas. Peritos demitidos afirmam que a ausência de remuneração inviabiliza a atuação no cargo e que se trata de retaliação pelas denúncias feitas contra a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos [4] por impedir, por exemplo, a vistoria a penitenciárias do Ceará [5] [veja aqui]. Bolsonaro é denunciado na ONU pela entidade Justiça Global, já que a medida representar um ataque às políticas de combate à tortura [6] e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos manifesta repúdio e preocupação com a extinção dos cargos, indo na contramão de obrigações firmadas pelo Brasil em âmbito internacional [7]. Dois meses depois, o governo retira o apoio financeiro ao MNPCT [8] e, em 09/08, a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspende parte do decreto pela irregularidade na exoneração dos peritos [9]. Vale notar que os ataques às políticas de combate à tortura continuam. Em outubro, Bolsonaro chama de ‘besteira’ as denúncias de tortura em presídios [veja aqui] e, em dezembro, o Ministro da Justiça edita Portaria que ignora recomendações do MNPCT [veja aqui].
Leia as análises sobre o que faz o Mecanismo de Combate à Tortura, a sua importância na fiscalização de prisões e outros centros, relatório que aponta a tortura como elemento estrutural nas prisões e o segundo relatório do MNPCT sobre a situação dos presídios do Pará, que revela a incidência particularmente alta de tortura.
Durante a abertura de seminário do Itamaraty sobre ‘Globalismo’, o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirma que ‘hoje, um homem olhar para uma mulher já é uma tentativa de estupro’, o que pra ele seria reflexo de um ‘moralismo’ [1]. A fala que minimiza os efeitos do crime de estupro vai na contramão dos resultados de pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para o ano de 2019, a qual constata que no país ocorrem diariamente mais de 180 estupros, sendo as principais vítimas mulheres (82%) e meninas de até 13 anos (54%) [2]. A diretora do FBSP relembra que os dados podem não refletir totalmente a realidade, pois o estupro é um crime no qual ‘é muito comum que não se registre boletim [de ocorrência]’, isto é, que podem ser bem maiores [3]. Vale notar que em outras oportunidades, Araújo se pronuncia de modo depreciativo em relação à minorias, negando a existência de LGBTs [veja aqui] e afirmando em audiência pública que gênero seria ‘sexo biológico’ [veja aqui]. Ressalta-se, ainda, que tal posicionamento se reflete na postura oficial do Ministério das Relações exteriores, o qual deixa de utilizar o termo gênero [veja aqui], censura informações sobre a política de gênero que embasa a posição do governo na ONU até 2024 [veja aqui], se alinha a países fundamentalistas no Conselho de Direitos Humanos da ONU para barrar medidas que ampliam direitos das mulheres [veja aqui], e promove conferência anti-aborto [veja aqui].
Leia análise sobre a trajetória anti-gênero da diplomacia brasileira sob a liderança de Araújo, entenda o que por lei configura estupro e acesse o anuário de segurança pública com os dados sobre violência sexual
Dois dias antes da abertura, o Museu dos Correios cancela a mostra ‘O Sangue no Alguidá, Um Olhar Desde O Realismo Sujo Latino-Americano’, que contém 50 peças do pintor e escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez e do goiano Gerson Fogaça [1]. O museu solicitou que fossem retiradas da exposição cinco obras com conteúdo sexual por ‘não estarem de acordo com as normas institucionais’ [2]. Os autores se recusaram a removê-las e, então, o museu decide suspender a exposição [3]. Os artistas afirmam que é um caso de censura e restrição da liberdade de expressão [4] e a curadora chama o ocorrido de ‘censura institucional’ [5]. A produtora executiva da exposição afirma que sugeriu outras medidas para contornar o impasse, como o aumento da classificação indicativa, e que as obras questionadas ‘não são construções sexuais’, mas representações da miséria e da sexualização no cotidiano [6]. A exposição foi transferida para o Museu Nacional da República, que é administrado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec) [7]. Em outras oportunidades, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que vetar obras culturais não é censura, mas uma forma de ‘preservar valores cristãos’ [veja aqui], a Caixa Cultural cancelou eventos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e o Centro Cultural Banco do Nordeste retirou obra sobre casamento gay de exposição [veja aqui].
Leia a análise sobre patrulha ideológica na arte.
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), general Franklimberg Ribeiro de Freitas, é exonerado sem justificativa formal e se indicia que a demissão teria decorrido da pressão de ruralistas com influência no governo [1]. Ao anunciar sua saída, o general afirma que o Presidente Jair Bolsonaro é mal assessorado na condução da política indigenista e que o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, não tem conhecimento sobre o funcionamento do ‘arcabouço jurídico que envolve a Funai’ [2]. Ribeiro de Freitas também afirma que Nabham ‘saliva ódio aos indígenas’ e queria acabar com o Departamento de Proteção Territorial da Funai, responsável pela demarcação de terras indígenas [3]. O general aponta que há integrantes do governo que veem a Funai como empecilho ao licenciamento ambiental necessário para certos empreendimentos [4], posição defendida por Bolsonaro [veja aqui], e que o órgão está constantemente sob ataques [5]. O general já havia pedido demissão quando ocupou o mesmo cargo no governo Temer em razão da pressão da bancada ruralista [6]. Marcelo Xavier da Silva, pessoa próxima a bancada ruralista no Congresso, é nomeado para substituir Ribeiro de Freitas [7]. Os acontecimentos compõem o quadro de desmonte da política de demarcação de terras indígenas [veja aqui], como defendido por Bolsonaro [veja aqui], de interferência na Funai [veja aqui] e de submissão do governo aos interesses dos ruralistas [veja aqui].
Leia as análises sobre as demissões no governo por conflito de interesses com Bolsonaro, sobre a presidência da Funai e sobre as principais tensões entre o governo e os indígenas
O presidente Jair Bolsonaro nomeia [1] o general da ativa Luiz Eduardo Ramos para ocupar o cargo de ministro da Secretaria de Governo [2], cargo antes ocupado pelo general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz [3]. A Secretaria de Governo é órgão com status de Ministério que tem por funções principais a coordenação política do governo e a comunicação institucional [4] – função que vem a ser deslocada para o Ministério das Comunicações em 2020 [veja aqui]. Em 18/06, o presidente edita Medida Provisória (MP 886) [5] que amplia as atribuições políticas da Secretaria de Governo [6], antes pertencentes à Casa Civil, no comando do ministro Onyx Lorenzoni [7], e as funções da Secretaria-Geral da Presidência, no comando do general da reserva Floriano Peixoto [8]. Com a MP 886, a pasta de Ramos passa a cuidar da articulação do governo com o Congresso Nacional, e a Secretaria-Geral passa a fazer verificação prévia da constitucionalidade e legalidade dos atos presidenciais, ambas as funções antes atribuídas à pasta de Lorenzoni [9]. Em troca, Lorenzoni passa a comandar o Programa de Parceria de Investimentos (PPI), responsável por concessões de infraestrutura e privatizações, antes vinculado à Secretaria de Governo [10]. A mudança se dá após dificuldades de articulação política do governo [11], com derrotas do Congresso, como a pauta da previdência [12]. Em outubro, a MP 886 é aprovada [13] e é convertida em lei [14]. No ano seguinte, o presidente demite funcionário da Casa Civil e transfere a coordenação do PPI para o Ministério da Economia, esvaziando ainda mais a Casa Civil [15] e a presença de militares no governo atinge patamares sem precedentes [veja aqui].
Leia a análise sobre as mudanças de estrutura do governo com a MP 886, posteriormente convertida em lei e entenda as diferenças entre militares da reserva e da ativa.
O governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), comenta sobre imagens de traficantes com fuzis, fala que a ‘polícia não quer matar’, mas sugere que ‘com autorização da ONU’, mandaria ‘um míssil’ na comunidade Cidade de Deus (CDD) para ‘explodir aquelas pessoas’ [1]. De acordo com ele, as favelas onde os traficantes se ‘infiltram’, vivem um ‘estado de terrorismo’ [2]. A fala gera indignação entre os moradores da CDD e parlamentares da oposição [3]. Em seguida, a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Renata Souza (PSOL), critica o governador, diz que tal fala demonstra uma ‘mentalidade autoritária e violenta’, e conclui que expõe seu ‘preconceito e total desprezo com a vida dos pobres que moram nas favelas do Rio de Janeiro’ [4]. Logo após, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) protocola uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra Witzel e solicita um ‘plano de segurança pública’ e um ‘plano de redução de homicídios decorrentes de intervenção policial’ para o estado [5]. Ainda antes de assumir o posto de governador, Witzel disse que a polícia, em seu governo, iria ‘mirar na cabecinha’ e atirar [6]. Já neste ano, elogiou operação que matou 15 pessoas [veja aqui] e, em setembro, defende que a política de segurança do Estado está no ‘caminho certo’ [veja aqui]. Em maio do ano seguinte, durante a pandemia do novo coronavírus, ações policiais em favelas cariocas são suspensas pelo STF após aumento nos índices de letalidade policial [veja aqui].
Leia análise sobre a política de segurança do governador nas comunidades do Rio de Janeiro