O Brasil formaliza candidatura a um assento no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU [1]. O documento apresentado para a candidatura não menciona temas como ‘migração’, ‘gênero’ e ‘tortura’, que estavam presentes em anos anteriores [2]. O Presidente Jair Bolsonaro se manifesta nas redes sociais afirmando que as prioridades no documento são o ‘fortalecimento das estruturas familiares e a exclusão das menções de gênero’ [3]. O texto também não cita direitos LGBTI nem direitos reprodutivos das mulheres, cuja pauta, na visão do Presidente, promove a defesa do aborto [4]. Na mesma ocasião, o país deixa de votar resolução para que sejam investigadas execuções extrajudiciais realizadas pela polícia do governo filipino [5]. Além disso, o governo Bolsonaro deixou o Pacto Global para a Migração no início do ano [veja aqui] [6], já defendeu a ditadura de 1964 [veja aqui], elogiou torturador [veja aqui] e chamou tortura de presos de ‘besteira’ [veja aqui]. A Secretaria da Família afirma que a essência da Declaração Universal de Direitos Humanos ficou de lado com o enfoque em pautas minoritárias [7] e que ‘durante um bom tempo, houve um direcionamento ideológico dos direitos humanos’ [8]. As relações diplomáticas do Brasil com o CDH estão estremecidas, pois em sua campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que pretendia retirar o país do CDH [9] e gerou desconforto ao atacar Michelle Bachelet e seu pai, torturado e morto na ditadura chilena [veja aqui]. Na mesma linha, o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas ‘sexo biológico’ [veja aqui] e censura informações sobre política de gênero [veja aqui]. Diversas ONGs se posicionam contra a candidatura, pois o governo promove diversos retrocessos na área dos direitos humanos [10]. Em outubro, o Brasil consegue manter seu assento no CDH [11].
Leia mais sobre o funcionamento das eleições do Conselho de Direitos Humanos da ONU e ouça a análise sobre a reeleição do Brasil para o órgão.
O governador do Acre, Gladson Cameli, durante evento oficial orienta a população a não pagar multa do Instituto do Meio Ambiente do Acre (Imac), e completa ‘me avisem (…) porque quem está mandando agora sou eu’ [1]. Em nota o governador reitera o posicionamento e afirma que antes da atual gestão o Imac cometia ‘excessos’ ao sancionar produtores rurais [2]. As declarações acontecem no mesmo período que sistema de monitoramento internacional registra aumento de 364% da área desmatada no estado do Acre com relação ao mesmo período no ano anterior [3]. Os dados são compatíveis com os divulgados pelo Inpe, que registra aumento recorde [4]. Cameli também menospreza os dados do Inpe sobre o tema, afirmando que não estariam ‘consolidados’[5]. Questionado sobre reações, membro do Ministério Público Estadual diz que está acompanhando a ‘atuação do Imac’, mas não realiza outras providências contra a fala do governador [6]. Vale notar que no primeiro semestre de 2019 registra-se em âmbito federal uma redução das multas por crimes ambientais [veja aqui]; e, em agosto, o diretor do Inpe responsável por divulgar dados sobre o desmatamento na Amazônia é exonerado após a divulgação de dados alarmantes [veja aqui]. O discurso de Cameli se alinha a posicionamentos do presidente Jair Bolsonaro, para quem o desmatamento seria ‘cultural’ [veja aqui] e a preocupação internacional com a região seria ‘psicose ambientalista’ [veja aqui]. Em 2020, o vice-presidente também contraria dados do Inpe e diz que desmatamento caiu [veja aqui].
Leia análise sobre os efeitos do desmatamento para a sobrevivência da floresta amazônica
A Agência Nacional de Águas (ANA) publica resolução [1] que abre portas para o uso de recursos hídricos em áreas ao redor de terras indígenas, incluindo instalação de usinas hidrelétricas, sem participação da Funai nos processos de outorga [2]. Como previsto na Constituição Federal, o uso de recursos hídricos em terras indígenas é permitido mediante permissão do Congresso Nacional [3]. A nova resolução [4] traz a possibilidade do uso de recursos hídricos [5] nas áreas ao redor das terras indígenas sem necessidade da permissão da União [6]. Mesmo se tratando de terras próximas a terras indígenas, o uso de recursos hídricos nessas áreas poderá afetar na qualidade ou quantidade de água nas próprias terras indígenas [7]. Apesar do potencial de afetar terras indígenas, essa mudança normativa faz com que a FUNAI só receba a notificação da outorga quando ela já tiver sido deferida. Ou seja, caso haja qualquer contraposição referente à solicitação de uso que afete terras indígenas, só poderá ser realizada após a concessão da outorga e não durante o processo[8].
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determina monocraticamente – individualmente e sem concordância do plenário – a suspensão de investigações criminais baseadas em dados obtidos por órgãos de controle administrativo sem autorização judicial prévia [1]. A decisão, na prática, suspende inquérito conduzido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que investiga práticas ilícitas por parte do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro [2]. A investigação envolvendo Flávio se iniciou com o compartilhamento de dados entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o MPRJ, após identificação de transferências financeiras entre o senador e seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, no valor de R$1,2 milhão [3]. Posteriormente, a Justiça do Rio de Janeiro permitiu a quebra do sigilo bancário de Flávio [4]. Em recurso apresentado a Toffoli, a defesa do senador alegou que o MPRJ se valeu do Coaf para ‘criar atalho e se furtar ao controle da Justiça’ e que a quebra do sigilo bancário não poderia ser feita sem autorização judicial prévia [5]. O ministro acatou a argumentação de defesa e decidiu pela suspensão de todas as investigações criminais semelhantes, atingindo outros casos em todas as instâncias judiciais, envolvendo a investigação de corrupção e lavagem de dinheiro e tráfico de drogas [6]. Em reação, procuradores da operação Lava Jato criticam a decisão de Toffoli e alegam que esta ‘suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil’ [7]. Em dezembro de 2019, o plenário do STF reverte a decisão de Toffoli, por 10 votos a 1, e fixa a tese de que ‘é valido o compartilhamento de informações da Receita com órgãos de investigação’ sem a necessidade de autorização judicial prévia [8]. O presidente do Coaf, que critica a decisão de Toffoli, é posteriormente exonerado do cargo [veja aqui], um dia após a edição de Medida Provisória pelo presidente Bolsonaro que reduziu o número de Ministérios e transferiou o Coaf para a pasta da Justiça [veja aqui]. Em outra oportunidade, Toffoli determinou a quebra do sigilo bancário de 600 mil pessoas sob justificativa de ‘compreender relatórios financeiros’ [veja aqui].
Ouça podcast sobre as repercussões da decisão para o caso que envolve Flávio Bolsonaro.
Após o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, concordar com a indicação de Eduardo Bolsonaro para a Embaixada nos EUA [veja aqui], concede entrevista e comenta sobre a retirada de menções ao termo ‘LGBT’ no documento de candidatura do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos da ONU [veja aqui] [1]. O Ministro afirma que a proposta do governo é a ‘defesa dos direitos humanos reais de pessoas reais, e não de coisas abstratas que são sempre usadas para distorcer a realidade’ [2]. Ele complementa que o termo LGBT é usado para ‘controle do discurso’ e que a política externa do Brasil nos últimos anos se limita ao ‘politicamente correto’ [3], também reiterando seu discurso antiglobalista [veja aqui]. De acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2019, o Brasil registrou 329 mortes violentas de pessoas LGBT [4], sendo um dos países que mais mata LGBTs do mundo [5]. Gregory Rodrigues, membro da aliança nacional LGBTI de Minas Gerais, afirma que a fala do Ministro é um retrocesso para a comunidade LGBTI e busca excluí-la das políticas afirmativas [6]. O discurso do Ministro está alinhada com posturas homofóbicas adotadas pelo governo, como a menção ao inexistente ‘kit gay’ [veja aqui], a afirmação de que o Brasil ‘não pode ser o país do turismo gay’ [veja aqui] e o repúdio à denominada ‘ideologia de gênero’ [veja aqui], que levou o Itamaraty a orientar os diplomatas a mencionarem apenas ‘sexo biológico’ [veja aqui]. No agregado, os acontecimentos também estão atrelados à vinculação da diplomacia brasileira às políticas defendidas por Bolsonaro [veja aqui].
Leia as análises sobre o lugar de Ernesto Araújo na diplomacia brasileira, o que é LGBTfobia e os retrocessos para a população LGBT+ em 2019
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz discurso em Rondônia apoiando madeireiros, após ataques deles ao Ibama em ações de fiscalização de extração de madeira ilegal em terras indígenas [1]. Duas semanas antes da visita do ministro, agentes do Ibama tiveram que desistir da operação que faziam de fiscalização ambiental, onde destruíram equipamentos dos madeireiros, devido aos ataques que sofriam [2]. Nas ocasiões, um caminhão-tanque do Instituto foi incendiado por madeireiros, além de terem havido outros ataques aos servidores que impediram a entrada nas terras indígenas para fiscalização [3]. Devido aos riscos que sofriam, receberam ordens para que voltassem e abandonassem as operações [4]. Salles alega demonstrar respeito ao setor produtivo, através de sua visita e também de estar aberto às reclamações feitas pelos madeireiros [5]. Afirma também não acreditar que o ataque ao caminhão do Ibama seja de autoria dos madeireiros [6]. O presidente Bolsonaro já havia se manifestado contra as medidas de queima de maquinário em fiscalizações ambientais do Ibama, prometendo modificações aos garimpeiros [veja aqui]. Estudo feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) [7] mostra que após discurso do Salles, os meses de agosto e setembro tiveram o aumento respectivo de 247% e 283% em comparação ao mês de maio de 2019, no local do discurso e dos acontecimentos em Rondônia [8].
Leia a análise sobre a opnião do professor de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (Procam) da Usp sobre as consequências da fala do Salles
O presidente Jair Bolsonaro transfere o Conselho Superior de Cinema do Ministério da Cidadania para o controle da Casa Civil [1] e reduz a participação de representantes do setor cinematográfico pela metade, de modo que o governo passa a ter a maioria na composição [2]. O Conselho integra a política de fomento ao audiovisual junto com a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e a Secretaria do Audiovisual e é responsável por formular as diretrizes para o desenvolvimento da indústria cinematográfica no país [3]. No dia seguinte, Bolsonaro ameaça extinguir a Ancine caso não consiga filtrar as produções nacionais financiadas pela agência reguladora [4] – responsável por regular e fiscalizar o mercado do cinema e do audiovisual no Brasil [5]. Na ocasião, declara que é preciso retratar as histórias dos ‘heróis’ nacionais e que o dinheiro público não pode ser usado para ‘fins pornográficos’ [6]. Ele afirma, ainda, que pretende transferir a sede da Ancine para Brasília e que quer transformá-la em secretaria [7]. Em reação, atriz afirma que os filmes devem continuar abordando histórias reais de milhares de mulheres, em alusão à produção Bruna Surfistinha [8] e ex-diretora da Ancine declara que censurar conteúdos é inconstitucional [9]. Em setembro, o filme Marighella é cancelado depois de ter sido negado um recurso solicitado pela produtora à Ancine [veja aqui] e o Itamaraty pede retirada de filme de festival internacional [veja aqui]. Em 2020, a Ancine nomeia capitão de Mar e Guerra para Diretoria Colegiada [veja aqui].
Leia as análises sobre o setor de audiovisual no país, os planos do governo para o setor, as transformações na Ancine que marcam a visão política do governo Bolsonaro e as ações vistas como censura a produções culturais.
O presidente Jair Bolsonaro questiona dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que apontam o aumento do desmatamento na Amazônia. O Instituto é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações [1]. Ao dar entrevista coletiva aos correspondentes estrangeiros em Brasília, Bolsonaro afirma que Ricardo Galvão, então presidente do Inpe, poderia estar ‘a serviço de algumas ONGs’ e que os dados do instituto não condizem com a ‘verdade’ [2]. Dois dias depois das declarações (21/07), o presidente chama as preocupações com o desmatamento de ‘psicose ambiental’ [veja aqui] [3]. Ao demonstrar insatisfação com a divulgação dos dados em tempo real pelo Inpe [4], Bolsonaro decide que quer ter acesso aos dados antes da divulgação [5]. Em nota, Ricardo Galvão ressalta a política de transparência de dados [6] e afirma, em entrevista, que Bolsonaro fez ‘comentários impróprios’ e sem qualquer embasamento [7]. No mês seguinte (02/08), ele é exonerado do cargo após ataques frequentes de Bolsonaro e Ricardo Salles em relação à veracidade dos dados de monitoramento [8] [veja aqui] e membros da comunidade científica temem a censura aos alertas de desmatamento [9]. A desconfiança e negligência com os dados não são episódios isolados. Em setembro, o ministro das Relações Exteriores afirma que incêndios na Amazônia estão na média prevista [veja aqui] e, em 2020, o vice-presidente da República afirma que o desmatamento na região caiu [veja aqui], ambos contrariando os dados divulgados pelo Inpe. O Ministério da Defesa também divulga número maior sobre o enfrentamento às queimadas do que o colhido por militares na região [veja aqui].
Leia as análises sobre como ler os dados do Inpe sobre desmatamento, o aumento do desmatamento na Amazônia em 2019 e como a política ambiental de Bolsonaro afetou a imagem do Brasil.
O presidente Jair Bolsonaro, em conversa informal com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni e antes do encontro com imprensa internacional, afirma: ‘daqueles governadores de paraíba, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada para esse cara’ [1], sem saber que estava sendo gravado pela TV Brasil [2]. Os governadores do Nordeste manifestam ‘indignação’ com as ‘orientações de retaliação’ e uso do termo pejorativo ‘paraíba’ para se referir aos nordestinos [3], afirmando que, em respeito à Constituição e à democracia, deve-se manter uma relação de diálogo e convergências entre os Estados e o governo federal [4]. O governador do Maranhão, Flávio Dino, reage dizendo que o presidente não pode ‘determinar perseguição contra um ente da Federação’ e que é grave o presidente sugerir que não teria que ter nada para o governador do Maranhão [5]. Em resposta, Bolsonaro alega que os governadores do Nordeste têm ideologia e tentam manipular, por meio de desinformação, os eleitores da região [6]. Três dias depois (22/07), um advogado cearense processa Bolsonaro por injúria e racismo no Supremo Tribunal Federal por usar o termo ‘paraíba’ para se referir aos nordestinos [7]. Em 23/07, em visita ao Nordeste, Bolsonaro declara ‘amar os nordestinos’ e ter sangue ‘cabra da peste’ na família [8]. Essa não é a única vez que Bolsonaro promove ataques ao Nordeste. Em agosto, ele afirma que os governadores querem transformar a região ‘em uma Cuba’ [9] e, em fevereiro de 2020, sustenta que eles querem formar ‘militantes’ por não aderirem à criação de colégios cívicos-militares e, novamente, Flávio Dino reage, defendendo o seu investimento na rede pública e aumento do piso salarial para professores [veja aqui].
Leia as análises sobre o movimento de governadores do Nordeste para fazer contraponto político ao presidente e confrontar as pautas do governo federal e entenda os crimes de racismo e injúria racial.
Decreto presidencial [1] altera a composição do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e exclui participação da sociedade civil [2]. A composição anterior ao decreto contava com 31 representantes, divididos em 13 da sociedade civil, de especialidades como jurista, médico e psicólogo,17 do governo federal e um do conselho estadual sobre drogas [3]. Com a alteração, o Conselho passa a ser formado quase que exclusivamente por representantes do governo federal, com apenas um de órgão estadual e um de conselho estadual que tratem da temática de drogas [4]. Bolsonaro afirma que a mudança visa a extinguir ‘órgãos aparelhados’ no Conad [5], mas atas comprovam a diversidade de opiniões nas discussões e desmentem suposto ‘aparelhamento’ [6]. A alteração recebeu duras críticas da Comissão Nacional de Direitos Humanos, ao afirmar que viola o sentido constitucional de políticas públicas construídas e fiscalizadas pela sociedade [7] e de entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que considera um ataque à democracia [8], o Conselho Federal de Psicologia, que alerta para o retrocesso da mudança [9] e a OAB do Ceará, que julga a alteração como contrária aos princípios democráticos [10]. Em janeiro de 2021, o Conselho Federal da OAB apresenta ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) visando restaurar a participação da sociedade civil no Conad, demandando a inserção de figuras como jurista, médico, psicólogo, assistente social, enfermeiro, entre outras na composição do conselho [11]. Em outra oportunidade, Bolsonaro editou decreto que extinguiu grupos de trabalho, comitês e conselhos de participação da sociedade civil em órgãos da Administração Pública [veja aqui].
Leia as análises sobre como a eliminação de espaços participativos prejudica a democracia, outras alterações na Política Nacional sobre Drogas no governo Bolsonaro, a pesquisa da Fiocruz sobre o uso de drogas e as distorções das informações trazidas pelo governo e sua política pautada por tentativas de controle da sociedade civil.