O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, reitera posicionamento já externado pelo Itamaraty de que gênero seria apenas sexo biológico [veja aqui]. De acordo com o ministro, as diretrizes atuais da política externa são contra o uso da palavra ‘gênero’ e contra o aborto na discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos, o que estaria alinhado à ‘vontade popular’ [1]. O ministro afirma também que há uma ‘demonização da sexualidade masculina’, no contexto da discussão sobre ‘cultura do estupro’ no país [2]. Por outro lado, parlamentares do partido PSOL presentes na reunião criticam as falas do ministro [3] e apontam retrocessos na diplomacia brasileira, os quais já seriam vistos em votações no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em que o Brasil acompanhou países islâmicos fundamentalistas para supressão do termo ‘direito à saúde sexual e reprodutiva’ em resolução sobre casamento forçado de meninas [4]. Em linha com as declarações, no mês seguinte, o Ministério de Relações Exteriores se nega a liberar informações sobre a política de gênero que embasa a posição do governo na ONU até 2024 [veja aqui]. Ainda, em discurso na Assembléia da ONU, o presidente Jair Bolsonaro, se posiciona contra a ‘ideologia de gênero’ [veja aqui]. No ano seguinte, o Brasil volta a se alinhar com países reacionários no Conselho de Direitos Humanos da ONU [veja aqui] para retirar o termo ‘intersecção’ da resolução para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres [5].
Leia análises sobre as políticas avessas à noção de gênero no Brasil e América Latina, a orientação antigênero do governo Bolsonaro e a nova postura ideológica do Itamaraty.
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão responsável por monitorar práticas concorrenciais no mercado, encontra-se com as atividades paralisadas em razão da ausência de quórum mínimo para funcionamento do conselho [1]. O Cade é formado por sete conselheiros e necessita de ao menos quatro para realizar o julgamento de processos e a tomada de decisões; ocorre que, desde exonerações ocorridas em julho [2], o órgão conta apenas com três conselheiros ativos; na prática, está impedida a realização de operações econômicas, como a fusão e aquisição de novas empresas [3]. Segundo levantamento, ao menos cinco processos economicamente relevantes aguardam julgamento e outros 70 casos já teriam sido aprovados pelos órgãos técnicos [4]. Para que a situação se altere, Bolsonaro precisa indicar os novos nomes, que devem passar pela aprovação do Senado Federal; no entanto, indicações anteriores feitas pelos ministros da Economia e Justiça foram descartadas [5]. A demora seria explicada pelo fato de Bolsonaro ter delegado a escolha de duas das vagas ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como parte de um acordo político para garantir apoio para nomeação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL -São Paulo) para embaixada dos Estados Unidos [veja aqui] [6]. Em 23/08 são publicados no Diário Oficial [7] os novos nomes indicados, os quais apenas são confirmados pelo Senado Federal em outubro [8].
Leia análise sobre a relação entre o presidente e o Senado na indicação dos nomes para Cade, e entenda como funciona o órgão.
Jair Bolsonaro afirma que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI (órgão de repressão política) durante a ditadura militar, seria um ‘herói nacional’ [1]. A fala é proferida a jornalistas,quando o presidente da República comenta sobre um almoço com a viúva de Ustra [2]. Brilhante Ustra foi condenado em 2008 pela Justiça Cível de São Paulo por crimes de tortura, sendo o primeiro militar julgado culpado por crimes cometidos durate a ditadura [3]. Ainda, de acordo com a Comissão da Verdade, Ustra foi responsável pela morte de pelo menos 45 pessoas [4]. Essa não foi a primeira vez que o presidente teceu elogios ao oficial: em 2016, ainda como deputado federal, Bolsonaro dedicou seu voto a favor do impeachment da então presidenta Dilma Rousseff à ‘memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Roussef’ – vale lembrar que Roussef foi torturada, sob o comando de Ustra, durante o regime militar [5]. Na ocasião do voto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu nota de repúdio [6] e uma queixa-crime foi levada ao Supremo Tribunal Federal; o processo não foi adiante, apesar de terem sido feitas 17 mil denúncias contra Bolsonaro, dentre civis, partidos políticos e a própria OAB [7]. O presidente vem acumulando histórico de homenagens prestadas a ditadores [veja aqui], além de receber outros oficiais conhecidos por terem participado do aparato repressivo da ditadura militar [veja aqui]. Ademais, em seu mandato, a Advocacia Geral da União mudou seu entendimento de modo a contemplar interpretações ‘divergentes’ sobre o período [veja aqui] e a secretária de Cultura relativizou as mortes cometidas pelo Estado no período [veja aqui].
Leia análises sobre como a invocação da ditadura traz riscos à democracia brasileira, quem foi Brilhante Ustra a partir de retrato traçado por suas vítimas, e outros episódios em que Bolsonaro exaltou o período militar.
Presidente Jair Bolsonaro nomeia, através de Decreto [1], terceiro colocado em lista tríplice elaborada pelo Conselho Universitário para a reitoria da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) [2]. O professor Janir Soares, último colocado entre os candidatos, teve apenas 5,2% dos votos [3]. A nomeação quebra com tradição fixada desde o governo Lula, do presidente da República nomear o primeiro nome da lista tríplice [4]. Em nota, o Ministério da Educação confirma a nomeação do presidente e diz não existir ‘hierarquia na lista tríplice’ [5]. A comunidade acadêmica reage com surpresa e faz críticas a decisão do presidente. Gilciano Nogueira, o primeiro colocado na eleição acadêmica e na lista tríplice, alega que a ‘democracia na instituição foi ferida de morte’ e vislumbra influência e retaliação política na decisão de Bolsonaro, já que em 2017 Nogueira recebeu o então presidente Lula na inauguração da UFVJM [6]. Entidades sindicais também criticam a nomeação e apontam ataques à garantia constitucional de autonomia universitária [7]. Após protestos estudantis e mobilizações contra a nomeação e o programa Future-se [veja aqui], a reitoria da UFVJM move ação judicial contra representantes universitários por ‘risco de invasão da reitoria e de impedimento da realização de reuniões do Conselho Universitário’ [8]. Em outras oportunidades, Bolsonaro também na seguiu a eleição universitária, nomeando para a reitoria os segundos colocados em listas tríplice nas Universidades Federais do Ceará [veja aqui] e do Triângulo Mineiro [veja aqui], e o último colocado para a Universidade Federal do Recôncavo Baiano [veja aqui]. Estudo demonstra que 43% das nomeações feitas por Bolsonaro não seguiram o primeiro colocado da lista tríplice [9]. Em dezembro deste ano, o presidente editou Medida Provisória (MP) que altera o processo de escolha dos reitores [veja aqui], e em 2020 outra MP possibilitou o Ministro da Educação nomear reitores temporários durante a pandemia [veja aqui].
Leia carta de repúdio de reitores eleitos, porém não nomeados, e análises sobre as intervenções de Bolsonaro nas universidades federais, e sobre outros ataques à liberdade acadêmica realizados pelo governo federal.
Em entrevista, o Presidente Jair Bolsonaro é indagado se ‘é possível crescer com preservação’, em alusão aos desmatamentos ocasionados pela agropecuária [1]. O Presidente responde, em tom jocoso, que para reduzir a poluição ambiental basta comer menos e ‘fazer cocô dia sim, dia não’ [2]. Depois, Bolsonaro afirma que uma solução para a poluição seria, verdadeiramente, o planejamento familiar e que as ‘pessoas que têm mais cultura, têm menos filhos’ [3]. O presidente também defende o agronegócio e afirma que a pressão sobre a Amazônia se deve a interesses externos na floresta [4]. A crítica sobre a atuação de ONGs na região é pauta recorrente nos discursos de Bolsonaro [veja aqui]. A fala do presidente ocorre no contexto em que a política ambiental de sua gestão é duramente criticada pela mídia internacional [5] em razão do aumento dos incêndios na Amazônia [6]. Dias depois, ele mantém sua fala e complementa ‘E aí pessoal, está fazendo cocô dia sim dia não? Se reclamar eu passo para uma vez por semana e boto um fiscal na casa de cada um’ [7]. O governo Bolsonaro é marcado pelo aumento do desmatamento da Amazônia [8] [veja aqui] e alvo de críticas em relação a política ambiental [9] [veja aqui].
Leia mais sobre a história da política ambiental brasileira e como a gestão do meio ambiente no governo Bolsonaro afetou a imagem do Brasil.
A atriz e cantora Linn da Quebrada, ativista transexual, tem a gravação do clipe de seu novo single ‘Oração’ interrompido pela polícia, a despeito da autorização que obteve junto à prefeitura para realizar a produção em uma igreja abandonada [1]. No dia da gravação, aparecem duas viaturas policiais e um homem que se dizia proprietário do local, os quais ameaçam a produção dizendo que quebrariam todos os equipamentos caso não se retirassem do local [2]. Só foi possível prosseguir com a filmagem após a chegada de um advogado e o grupo tem apenas uma hora para realizá-la [3]. Linn lamenta que a execução da filmagem não foi como havia planejado e afirma que se trata de um caso de censura: ‘O que é censura, senão a proibição dos nossos corpos de ocupar um espaço? E, além da censura, é uma violência sobre quem pode e quem não pode’ [4]. Linn ressalta que diversas pessoas já gravaram naquele local e não tiveram problemas, e que o fato da produção ser composta por travestis foi o principal fator para que a filmagem fosse obstaculizada [5]. Dias antes, Linn teve um show cancelado na Parada LGBT de João Pessoa, em razão de seu discurso político [6]. Os acontecimentos se inserem em um conjunto de casos de restrição da liberdade artística com temática LGBT, como ocorreu na exposição do Centro Cultural Banco do Nordeste [veja aqui] e na Caixa Cultural [veja aqui]. Em outro momento, o show da banda BNegão & Seletores de Frequência foi interrompido pela Polícia Militar, pois o cantor BNegão fazia críticas à conduta da polícia, aos ataques nas aldeias indígenas [veja aqui].
Veja aqui o clipe da música ‘Oração‘ de Linn da Quebrada, ouça a análise sobre a censura nas produções culturais e leia a análise sobre as performances de Linn da Quebrada.
Em cerimônia de inauguração da duplicação da BR-116, o presidente Jair Bolsonaro afirma que o ‘cocozinho petrificado de um índio’ atrapalha a realização de obras [1]. O Presidente faz referência a uma construção no Paraná que depende de laudo de órgão governamental para prosseguir, mas não fornece informações precisas [2]. Em caso de áreas indígenas, a Funai tem a prerrogativa constitucional de participar e produzir laudos nos licenciamentos de obras [3]; em caso de áreas de valor arqueológico, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deve intervir [4]. O Presidente complementa sua fala: ‘tem que integrar o índio na sociedade e buscar projeto para nosso país’ [5], como também já havia mencionado em outras vezes [veja aqui]. No mês seguinte, o presidente se manifesta contrário à demarcação de terras [veja aqui] e, em novembro, é denunciado no Tribunal Penal Internacional por incitar a violência contra comunidades indígenas [veja aqui]. Na semana anterior, Bolsonaro recomendou, de forma irônica, que as pessoas fizessem ‘cocô dia sim, dia não’ para combater a poluição ambiental [veja aqui]. No ano seguinte, em reunião ministerial [veja aqui], Bolsonaro volta a citar ‘coco petrificado’ como impeditivo para realização de obra e critica a atuação do Iphan, afirmando que o órgão ‘para qualquer obra do Brasil’ [6]. Na oportunidade, a Sociedade de Arqueologia Brasileira afirma que o Presidente demonstra ‘total falta de conhecimentos dos processos e nenhuma preocupação com as heranças culturais deixadas’ [7].
Leia as análises sobre a relação do governo Bolsonaro com os povos indígenas e como sua política vai na contramão do proposto pela Constituição de 1988.
A empresa BB DTVM, gestora de fundos de investimentos do Banco do Brasil, abre edital visando a selecionar filmes que receberão investimentos com base na Lei do Audiovisual [1]. O formulário de inscrição inova ao adicionar três perguntas que não estavam previstas na mesma oferta de recursos nos anos de 2018 e 2017 [2]. As novas perguntas, previstas no campo ‘informações adicionais’, questionam se o filme exibe ‘cenas de nudez ou de sexo explícito’, se faz referência a ‘crimes, drogas, prostituição ou pedofilia’ e se ‘tem cunho religioso ou político’ [3]. O Sindicato dos Bancários de São Paulo critica o teor das perguntas, afirmando que a medida é uma tentativa de censura e que o Banco do Brasil deveria ‘zelar pela pluralidade de ideias e de temas’ [4]. Em nota, o Banco do Brasil afirma que o edital privilegia a alocação de recursos ‘da melhor maneira possível’ [5]. Vale notar que o contexto é marcado por medidas de controle nas produções culturais. Em janeiro, o governador do Rio de Janeiro censurou peça de teatro com cena de nudez [veja aqui], em abril, Bolsonaro vetou campanha publicitária do Banco do Brasil que tinha como objetivo representar a diversidade racial, sexual e de gênero [veja aqui], em julho, ameaçou extinguir a Agência Nacional do Cinema (Ancine) se não pudesse filtrar as produções nacionais [veja aqui] e, em agosto, o governo suspende edital federal para televisão em razão da presença de produções com temática LGBT [veja aqui]. No ano seguinte, o secretário de cultura anuncia prêmio das artes e repete padrões nazistas [veja aqui].
Leia a análise sobre as censuras do governo Bolsonaro na área da cultura no ano de 2019
O Comando do Exército edita Portaria 1.222 [1] visando a cumprir determinação do Decreto 9.847 [2] [veja aqui] que regulamenta lei [3] sobre registro, posse, comercialização de armas de fogo e munição, alterada em setembro [veja aqui]. O texto aumenta o número de calibres não restritos, listando 52 deles para armas que podem ser adquiridos por qualquer pessoa [4], vetando a compra de fuzis por cidadãos comuns e liberando o acesso a pistolas – antes de uso restrito das forças de segurança [5]. Especialista critica o fato de que armas mais potentes são liberadas para pessoas menos treinadas para manuseá-las [6]. Em resposta às críticas, o Exército declara que a portaria teve como único papel adequar as normas de fiscalização das armas ao decreto que lhe atribuiu essa competência [7]. Vale notar uma série de decretos baixados pelo governo para flexibilizar a posse e porte de armas de fogo: em janeiro, Bolsonaro baixa primeiro decreto sobre armas [veja aqui], revogado por outro mais abrangente [veja aqui], baixa um novo em maio [veja aqui] e outros 3 no mês de junho como estratégia para dividir a matéria e conseguir salvar alguma das medidas em caso de contestação posterior. São eles o decreto que revoga as normas anteriores [veja aqui], outro que veda a autorização para aquisição de armas de fogo portáteis e não portáteis [veja aqui] e, por fim, o decreto destinado exclusivamente a regulamentar a posse de armas para classes específicas como caçadores [veja aqui]. No ano seguinte, o governo libera a venda de fuzis para cidadãos comuns que, até então, eram de uso exclusivo das Forças Armadas e das polícias [8].
Leia as análises sobre o estado de confusão no controle das armas, o crescimento vertiginoso no registro de novas armas, o vai e vem dessa política e seu impacto no país e a listagem de armas e munições de uso permitido e restrito.
A Capes, fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e responsável pelo fomento e desenvolvimento da pós graduação, nega a liberação de verba para realização de congresso internacional organizado pelas universidades federais do Goiás e Santa Catarina, o qual se propunha a debater temas como constitucionalismo e democracia [1]. Os organizadores relatam que a decisão do corte de verbas ocorreu após as universidades terem recorrido administrativamente da primeira decisão da Capes, a qual teria concedido apenas 25% do valor inicialmente pleiteado (R$80 mil) [2]. A decisão, além de incomum, é considerada ‘descabida’ pelos organizadores, pois justificada no fato do evento realizar ‘crítica política’, elemento que, segundo a Capes, não mereceria atenção dos ‘cofres públicos’ [3]. As instituições organizadoras lançam nota de repúdio [4] em que classificam a medida como censura, e também elaboram novo recurso a Capes [5]. Mesmo tendo apoiado o congresso nas últimas 8 edições, a agência de fomento afirma que a proposta do evento não teria ‘preenchido os requisitos de cientificidade mínimos exigidos’ [6]. Vale lembrar que quatro meses antes, o ministro da educação e o presidente publicaram em suas redes sociais que investimentos públicos em algumas áreas de humanidades deveriam ser diminuídos por serem menos ‘vantajosos’ [veja aqui]. Igualmente, ao longo do ano, instituições federais de educação têm eventos [veja aqui] e atos [veja aqui] cancelados por se colocarem contrários a figuras do governo.