Presidente Jair Bolsonaro nomeia candidato com menor número de votos em consulta universitária e segundo colocado em lista tríplice para o cargo de reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC) [1]. O professor José de Albuquerque, nomeado reitor pelo presidente, teve apenas 4,6% dos votos [2], enquanto o primeiro colocado da lista tríplice recebeu 64,8% do total [3]. O processo de escolha dos reitores universitários precede de eleição universitária e formação de lista tríplice, pelo Conselho Universitário, que é encaminhada para nomeação pelo presidente da República. Desde o governo Lula existe tradição do presidente nomear o primeiro colocado da lista, em respeito à consulta acadêmica e autonomia universitária [4]. Durante sua campanha, Albuquerque criticou o atual processo de escolha ao dizer que ‘debate ideológico não é bom’ e que a eleição direta pela comunidade acadêmica trata de uma ‘batalha ideológica e gera disputa política’, prometendo rever o processo caso eleito [5]. Após a nomeação feita por Bolsonaro, entidades acadêmicas e sindicais criticam a postura do presidente e não reconhecem o novo reitor [6]. Estudantes da UFC realizam protestos contra a nomeação [7]. Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro não nomeou para reitor universitário o primeiro colocado da lista tríplice eleito pela comunidade acadêmica. Em outras oportunidades, nomeou o segundo colocado para a UFVJM [veja aqui], e os terceiros colocados para a UFTM [veja aqui] e UFRB [veja aqui]. Levantamento aponta que 43% das nomeações feitas por Bolsonaro não apontaram o primeiro colocado da lista tríplice [8]. Em dezembro deste ano, o presidente editou Medida Provisória (MP) prevendo expressamente a possibilidade de não nomeação no mais votado da lista tríplice [veja aqui], e em 2020 outra MP previu a possibilidade do Ministro da Educação nomear reitores temporários durante o período de emergência sanitária [veja aqui].
Leia carta de repúdio de reitores eleitos, porém não nomeados, e análises sobre as intervenções de Bolsonaro nas universidades federais, e sobre outros ataques à liberdade acadêmica realizados pelo governo federal.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), comemora com socos no ar a operação que terminou com a morte, por um atirador da polícia, de Willian Augusto da Silva, 20 anos, sequestrador de ônibus com 39 reféns na capital [1]. Após saudar os policiais que participaram da operação, ele concedeu entrevista e diz que a única opção possível na situação era atirar no sequestrador [2]; de acordo com integrantes do governo, Witzel comandou a ação e autorizou o disparo que matou Silva [3]. No mesmo dia, um helicóptero da polícia jogou o que pareciam granadas na comunidade da Cidade de Deus [4]. Witzel afirma ainda ter intenção de perguntar ao Supremo Tribunal Federal (STF) quando um policial estaria autorizado a matar [5], além de defender que se atire em suspeitos [6]. O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro registrou 881 mortes cometidas por agentes do Estado entre janeiro e junho de 2019, 29% do total de letalidades violentas, e as operações policiais subiram 42% no primeiro semestre de 2019 em comparação com o ano anterior [7] [veja aqui]. Vale lembrar que Witzel afirmou em abril que não tem críticas ao Exército após ação que atirou em carro de músico [veja aqui] e que em maio de 2020 as ações policiais em favelas foram suspensas pelo Supremo Tribunal Federal após o aumento nos índices de letalidade policial [veja aqui] e a morte de série de jovens [veja aqui].
Leia análise que expõe como Witzel utilizou da operação contra sequestrador para justificar outras ações policiais ilegítimas, entrevista com a irmão de Silva, análises sobre a política de segurança pública e o contexto político e sobre as relações políticas da segurança pública no estado do RJ.
O governo federal suspende edital de seleção de projetos audiovisuais [1], após o presidente Jair Bolsonaro afirmar que não permitiria que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) liberasse verbas para certas produções com temáticas LGBT [veja aqui]. O presidente afirmou que seria um ‘dinheiro jogado fora’ e que ‘não tem cabimento fazer um filme com esse tema’ [2]. A Associação de Produtores Independentes do Audiovisual (API) repudia as declarações do presidente, pois ‘não cabe a ninguém, especialmente ao presidente de uma república democrática, censurar artes, projetos visuais e filmes’ [3]. A suspensão ocorre por meio de portaria [4], que prorroga o edital por 180 dias, para recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA) [5]. A medida determina que haverá revisão dos critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do Fundo e dos critérios de apresentação de propostas de projeto e seus parâmetros de julgamento [6]. Frente ao episódio, o secretário especial de Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires, pede demissão, afirmando que não concordaria com filtros culturais e que se trata de um caso de censura [veja aqui]. Em outubro, o Ministério Público Federal move ação contra o ministro da Cidadania, requerendo a anulação da portaria [7], a qual é acatada pela Justiça Federal em decisão liminar; o processo aguarda sentença final [8]. Em outras oportunidades, a Caixa Cultural cancelou eventos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e o Centro Cultural Banco do Nordeste retirou obra sobre casamento gay de exposição [veja aqui].
Leia a análise sobre patrulha ideológica na arte e sobre a censura nas ações do governo na área cultural.
Em entrevista, o Presidente Jair Bolsonaro compara o Movimento Sem Terra (MST) ao Hezbollah, grupo de militantes radicais atuantes em questões envolvendo o Oriente Médio e denomina ambos de ‘terroristas’ [1]. O presidente diz que o MST leva ‘o terror no campo’, ‘queima propriedades’ e ‘desestimula o homem do campo a produzir’ e chama o grupo de ‘praga’ [2]. Bolsonaro também comemora a redução no número de novas ocupações do MST em relação aos anos passados [3]; como havia feito anteriormente, oportunidade em que defendeu tipificar as ações do movimento como terrorismo [veja aqui]. O MST responde em nota que ‘Bolsonaro não conhece a realidade do campo’ e que ‘no quesito violência no campo, são os trabalhadores e as trabalhadoras as mais vitimadas’ [4]. Ainda, o movimento defende suas ações que promovem a alfabetização no campo e a geração de empregos e chama de ‘terrorismo’ as políticas implementadas pelo governo nas áreas da educação, saúde e previdência social [5]. As falas inserem-se no contexto de desmonte da reforma agrária pelo governo, que suspendeu reiteradamente esse procedimento [veja aqui] [veja aqui], reduziu o número de famílias assentadas [veja aqui] e cedeu aos interesses de ruralistas, através de indicações para o Incra [veja aqui] e da aceleração da regularização fundiária [veja aqui]. Em outros momentos, o presidente também chama manifestações antifascistas [veja aqui] e chilenas [veja aqui] de ‘terroristas’.
Leia as análises sobre o que é o Movimento Sem Terra (MST), a reforma agrária, a disputa em torno do conceito de movimento social e as consequências das falas extremistas de Bolsonaro
O Instituto Federal do Ceará (IFCE) cancela as atividades da ‘I Semana de Direitos Humanos’ que ocorreriam entre os dias 20 a 23 de agosto com a participação de Guilherme Boulos (candidato a presidente pelo PSOL em 2018), após críticas do deputado estadual André Fernandes (PSL) [1]. Nas redes sociais, o deputado governista solicita ao ministro da Educação apoio para impedir a sua realização em 19/08 [2]. Em nota sobre o cancelamento, a reitoria reconhece a importância do debate sobre direitos humanos, mas quer ‘evitar (…) viés político-partidário’ [3], seguindo as recomendações da Procuradoria Federal junto ao IFCE sobre a suspensão do evento como necessária para preservar o bem público de ‘favorecimento político-partidário’ [4]. A decisão é comunicada aos organizadores no mesmo dia do início do evento, gerando indignação, já que o evento vinha sendo organizado há três meses [5]. O cancelamento é classificado como ‘censura’ por estudantes e movimentos sociais [6] e é denunciado à Comissão Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil [7]. O episódio se assemelha ao ocorrido no início do mês (09/08), quando o Instituto Federal do Paraná cancela o evento ‘Educação e Democracia’, também com a presença de Boulos [8], que decide dar aulas do lado de fora dos institutos, como forma de protesto [9]. Além de outro evento cancelado no mês seguinte [veja aqui], medidas de interferência do governo nas universidades continuam ocorrendo, como a interferência na escolha de reitores no geral [veja aqui] e durante a pandemia [veja aqui].
Leia as análises sobre as ações do governo contrárias às universidades e o relatório que destaca o Brasil como palco de perseguição a acadêmicos e universidades.
O presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leonel, é exonerado do cargo [1]. A medida se dá no dia seguinte à edição de Medida Provisória (MP), pelo presidente Jair Bolsonaro, que promoveu alterações na organização e no nome do Coaf, além de vinculá-lo ao Banco Central [veja aqui]. No início de agosto, foram veiculadas informações de que o Planalto pressionava o ministro da Economia, Paulo Guedes, para demitir o presidente do Coaf em razão da insatisfação de Bolsonaro com as críticas feitas por ele à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) [2] que suspendeu investigações baseadas em dados compartilhados pelo Coaf, incluindo a do senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente – segundo informações prestadas por aliados do governo [3]. As críticas feitas por Leonel à decisão do STF se deram em entrevista no final de julho, em que ele declara estar preocupado com o impacto da decisão, na medida em que a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo poderiam ficar prejudicados [4]. Depois da declaração, Bolsonaro havia afirmado que deu ‘carta branca’ a Paulo Guedes para trocar o comando do Coaf [5]. Outras exonerações ocorrem por discordâncias com Bolsonaro, como o presidente dos Correios [veja aqui], a presidente do Inep [veja aqui], o presidente da estatal de comunicações [veja aqui], o chefe da área de inteligência fiscal da Receita Federal , o chefe do parque de Fernando de Noronha [veja aqui], o presidente da Funai [veja aqui] e o Diretor do Inpe [veja aqui].
Leia a análise sobre as demissões no governo em razão de discordâncias com Bolsonaro.
O Secretário da Cultura, Henrique Pires, pede demissão [1] após o governo suspender edital que havia selecionado séries com temática LGBT para serem exibidas nas TVs públicas [2]. Ao comunicar a saída do cargo, Pires afirma que discorda dos ‘filtros’ em qualquer tipo de atividade cultural e que não será conivente com a censura [3], declarando que a medida representa uma afronta à Constituição [4]. A suspensão do edital ocorre depois do presidente Jair Bolsonaro ter afirmado que não liberaria verba para financiar produções com temáticas LGBT [veja aqui] [5]. Em resposta, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, nega as acusações de censura, afirmando que o governo tem o direito de opinar sobre ‘temas importantes’ nos editais que envolvam recursos públicos e que os temas do edital em questão haviam sido propostos pelo governo anterior [6]. Em outubro, após pedido do Ministério Público Federal, decisão judicial exige retomada de edital por considerar a suspensão um evidente prejuízo à cultura nacional e à liberdade de expressão [7]. O episódio ocorre em um contexto de medidas que visam interferir nas produções culturais, como falas do presidente defendendo a aplicação de filtros às produções culturais financiadas pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) [veja aqui] e pedidos do Itamaraty para retirada de filme de festival internacional [veja aqui]. No ano seguinte, a agência de comunicação do governo federal critica a cineasta Petra Costa e seu documentário indicado ao Oscar [veja aqui] e afirma que chargistas teriam cometido crime por compartilharem cartum com crítica ao presidente [veja aqui].
Leia a análise sobre os efeitos das ações do governo para o cinema nacional e ouça o podcast sobre a censura na área cultural.
O presidente Jair Bolsonaro afirma que Organizações Não Governamentais (ONGs) poderiam ter causado incêndios na região amazônica por quererem ‘chamar a atenção’, admitindo ainda que não havia registros de suas suspeitas [1]. Diversas organizações repudiam as falas do presidente e lançam nota sobre o ataque [2], mas no dia seguinte Bolsonaro torna a responsabilizá-las pelas queimadas [3]. Em 28/11, após a prisão de brigadistas no Pará sob a acusação de terem promovido incêndios na região [veja aqui], Bolsonaro novamente afirma que ‘suspeitava de ONGs’ terem promovido os incêndios [4]. Na data, seu filho Eduardo Bolsonaro afirma que Leonardo DiCaprio, ator norte-americano, financiou as queimadas através de uma organização [5], bem como delegado de investigação sobre caso do Pará fizera [veja aqui]. No dia seguinte, 29/11, ao ser questionado por uma eleitora sobre incêndios ‘criminosos’ que estariam ocorrendo na região, o presidente afirma a um grupo de apoiadores localizados na entrada do Palácio da Alvorada que DiCaprio teria dado ‘dinheiro para tacar fogo na Amazônia’ através das organizações [6]. Em 11/12, o presidente volta a se manifestar sobre o caso, afirmando que as ONGs incendiaram a floresta e que a imprensa defende os acusados [7].
Leia análise sobre a política de Bolsonaro na Amazônia e reportagem sobre a reação de Bolsonaro a ONGs.
O presidente Jair Bolsonaro, durante encontro com representantes da Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (ACAERT), no Palácio do Planalto, afirma que ‘a imprensa está cometendo um suicídio’ [1] e está acabando porque ‘não se acha verdade’ nela [2]. Nas declarações, o presidente ataca o jornal Valor Econômico, afirmando que ele vai fechar [3], em referência à Medida Provisória editada no início do mês que suspendeu a obrigação de grandes empresas de publicarem balanço financeiro em jornais impressos de grande circulação, vista como ‘asfixia’ econômica dos jornais e redutora da transparência [veja aqui]. Na ocasião, ele também afirma haver uma briga com a grande imprensa pela suposta deturpação de suas falas [4]. As declarações são repudiadas por associação de jornais, que diz que o presidente ignora a relevância da atividade jornalística [5]. O episódio é seguido por mais embates com a imprensa, como a exclusão da ‘Folha de São Paulo’ de edital do governo [veja aqui] e cancelamento de assinatura de todos os jornais impressos para o Palácio do Planalto [veja aqui]. No ano seguinte, o presidente afirma que jornalistas são ‘espécie em extinção’ [veja aqui].
Leia a análise sobre os limites que Bolsonaro ultrapassa ao atacar a imprensa.
O Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF) do Rio de Janeiro exclui três filmes do diretor Getúlio Ribeiro da Mostra do Filme Marginal [1], por causa de seu conteúdo político [2]. Dois deles, ‘Mente Aberta’ e ‘Rebento’, contêm críticas ao presidente Jair Bolsonaro, e o ‘Nosso Sagrado’ documenta o racismo religioso contra religiões de matriz africana [3]. Este último é considerado de ‘caráter político’ porque nos créditos apareciam os logotipos de mandatos de políticos que auxiliaram na produção, como Marielle Franco [4]. Em nota, os organizadores do evento afirmam que se trata de um caso de censura dos filmes e decidem cancelar o evento [5], transferindo-o para o Centro Municipal de Arte Hélio Oitica [6]. Em resposta, o CCJF afirma que um dos critérios estabelecidos para a realização de eventos no espaço é o ‘não promover produções de cunho corporativo, religioso ou político-partidário’ e justifica que essa restrição temática se deve ao dever de imparcialidade do Poder Judiciário [7]. Vale relembrar que a diretoria do Memorial dos Povos Indígenas afirmou que a banda Teto Preto não poderia fazer discursos políticos em sua apresentação e o Museu dos Correios cancelou exposição, pois algumas obras ‘não estarem de acordo com as normas institucionais‘ [veja aqui].
Ouça sobre a censura nas produções culturais.