O Ministério da Educação (MEC) encaminha ofício para todas as secretarias estaduais e municipais de ensino do país contendo orientações sobre como manter um ambiente escolar ‘sem doutrinação’, que evite a veiculação de propaganda político-partidária [1]. O ministro da educação, Abraham Weintraub, afirma em vídeo que o comunicado tem por objetivos alcançar a cultura de paz na rede pública de ensino e coibir ‘excessos’ de professores [2]. A iniciativa do governo é batizada de ‘Escola de Todos’, e têm propostas semelhantes ao movimento Escola sem Partido [3], ao qual o ministro nega ter inspiração [4]. Esta é uma entre várias ações recentes vinculadas a justificativas de “não doutrinação”: no começo de setembro, o presidente pediu ao MEC projeto de lei para proibir a ‘ideologia de gênero’ nas escolas [veja aqui]. No âmbito estadual, os governos de São Paulo e Rio de Janeiro [veja aqui] determinaram o recolhimento de materiais educativos em razão de conteúdo relacionado à identidade de gênero e orientação sexual. Em outubro, deputados federais e estaduais do partido PSL realizam vistorias político-ideológicas em escolas públicas no Rio de Janeiro [veja aqui]. No ano seguinte, o governo de Rondônia determina o recolhimento de livros em bibliotecas escolares da rede pública por apresentarem ‘conteúdo inadequado’ [veja aqui].
Leia análise que aponta semelhanças entre a iniciativa do governo, ‘Escola de Todos’ e o movimento Escola sem Partido.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves encaminha denúncia ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) [1] por causa de reportagem da revista Azmina sobre a prática de aborto seguro de acordo com procedimentos da Organização Mundial da Saúde [2]. Segundo ela, a reportagem seria ‘apologia ao crime’ e um ‘absurdo’ [3]. A partir da denúncia, o MP abre inquérito criminal [4]. Apoiadores do governo atacam as jornalistas [5] e entidades da sociedade civil defendem a publicação com base no direito à liberdade de expressão [6] [7] [8]. A reportagem informa que o aborto é crime, salvo nas hipóteses previstas em lei [9], o que não é ilegal [10]. Em 03/2020, relato da diretora de redação da revista é ouvido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em contexto de ‘preocupação’ do órgão quanto à liberdade de expressão no país [11]. Vale notar que o episódio marca série de conflitos com veículos da imprensa e jornalistas, como aqueles com as jornalistas Constança Rezende [veja aqui], Patrícia Campos Mello [veja aqui] e Vera Magalhães [veja aqui] e com os jornalistas como um todo [veja aqui]. Ainda, o presidente Jair Bolsonaro já se manifestou em diversas ocasiões contra a prática de aborto [veja aqui].
Leia as análises sobre a legalidade da reportagem por professores de direito, a ofensiva ao aborto legal, as políticas de direitos reprodutivos no governo Bolsonaro e como se organizam os militantes contra o aborto.
Por meio de decreto [1], o presidente Jair Bolsonaro autorizou o uso das Forças Armadas, através de uma missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), nas ações contra delitos ambientais e combate a focos de incêndio em áreas de fronteira, terras indígenas, unidades de conservação ambiental e outras áreas da Amazônia Legal [2], após o Ibama já ter nese mesmo mês ampliado a possibilidade do uso da força em fiscalizações [veja aqui]. Um mês depois a coordenação de operações de fiscalização do Ibama envia ofício à coordenação-geral de fiscalização do órgão, diretamente ligada ao presidente da instituição, Eduardo Bim, informando que em três situações os militares envolvidos na GLO se recusaram a auxiliar os fiscais do Ibama em ações de combate ao garimpo ilegal, pois haveria a possibilidade de destruição dos maquinários apreendidos [3]. Duas dessas missões precisaram ser canceladas em virtude da falta de suporte e uma foi realizada com o apoio da Polícia Federal [4]. Segundo os servidores do Ibama, a destruição de maquinários, prevista na legislação, facilita o combate aos crimes, pois o deslocamento dos equipamentos é caro e demorado, além de expor os agentes a uma possível retaliação dos infratores [5]. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro demonstra sua insatisfação com esse procedimento legal, prometendo aos garimpeiros medidas contrárias à queima dos maquinários [veja aqui], e o Ministro do Meio Ambiente apoia madeireiros que atacaram fiscais do Ibama após ações de destruição de equipamentos [veja aqui]. Além disso, um superintendente do Ibama é demitido após afirmar em audiência pública que recebia ordens para não queimar os maquinários [veja aqui] e o diretor de Proteção Ambiental do Ibama é exonerado após ação contra garimpeiros, em que houve a queima de equipamentos [veja aqui]. Em 2020, sob uma nova GLO [veja aqui], fiscais do Ibama afirmam que a ação dos militares é ‘atabalhoada, inexperiente e até mal-intencionada’ [6] e o ministério da Defesa distorce dados sobre a destruição de maquinário [veja aqui].
Leia mais sobre como a destruição de maquinários usados em crimes ambientais diminuiu durante a gestão Bolsonaro e ouça a análise sobre os problemas da aplicação da GLO na Amazônia.
Wilson Witzel (PSC), governador do estado do Rio de Janeiro, afirma que a política de segurança do estado está no ‘caminho certo’ após lamentar a morte de Ágatha Félix, garota de oito anos que, segundo testemunhas, foi morta por um policial no Complexo do Alemão [1]. A declaração se dá em coletiva de imprensa, em que o governador também culpa o crime organizado pelo ocorrido [2]. Três dias depois, Witzel baixa decreto que retira o critério que considera a diminuição de ‘óbitos por intervenção policial’ de sistema para cálculo de bônus salarial de policiais civis e militares [3]. Vale lembrar que no mês de abril Witzel afirmou não ter críticas à atuação das Forças Armadas ao alvejarem carro de músico com 80 tiros [veja aqui]. Entidades da sociedade civil [4] e internacionais [5] denunciam o fato e partidos denunciam a política de segurança pública de Witzel ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) [6]. O presidente Jair Bolsonaro não se pronuncia sobre a morte da menina [7] e o ministro Augusto Heleno, da Segurança Institucional, afirma que somente o governador precisa se manifestar e não o presidente [8]. Em novembro, a Polícia Civil indicia um cabo por homicídio doloso pela morte da menina [9]. Em 03/12/19 o Ministério Público apresenta denúncia [10] e poucos dias depois o policial vira réu [11]. No ano seguinte, após o aumento da violência policial e mais mortes de crianças na pandemia da covid-19 [veja aqui], o Supremo Tribunal Federal (STF) suspende as operações policiais em favelas no Rio de Janeiro [veja aqui].
Leia análises sobre o caso e cenário de policiais no país, terrorismo de estado e o caso, a impunidade nas operações da Polícia, a situação das crianças no Complexo do Alemão e governadores e segurança pública.
O diretor do Centro de Artes Cênicas da Fundação Nacional das Artes (Funarte), Roberto Alvim, promove ataques à Fernanda Montenegro, afirmando sentir ‘desprezo’ pela atriz e acusando-na de ser ‘mentirosa’ e atacar o presidente e seus eleitores de maneira ‘brutal’ [1]. As ofensas se dão após a atriz aparecer na capa da revista ‘Quatro cinco um’ vestida de ‘bruxa’ e amarrada a uma fogueira de livros, com a frase: ‘salvem os livros. E as bruxas’ [2]. Alvim afirma ser uma ‘falácia absoluta’ a imagem de que o Brasil queima livros e mata pessoas que discordam do governo [3]. As declarações geram revolta por parte da classe artística e outras figuras públicas, que saem em defesa da atriz [4]. O presidente da Funarte, Miguel Proença, alega estar ‘completamente chocado’ com as ofensas e diz ter mandado um pedido de desculpas à atriz em nome da Funarte [5]. Depois do episódio, ele é exonerado em 04/11 [6] e substituído por defensor do conservadorismo na arte [veja aqui]. Em participação no Festival Mário de Andrade, no Theatro Municipal, Fernanda diz que ‘ninguém ou sistema nenhum vai nos calar’ [7]. Em novembro, Bolsonaro nomeia Alvim como secretário da Cultura após ter ganhado a sua simpatia em razão do episódio [veja aqui]. Em novas declarações, Alvim afirma em discurso na UNESCO que arte brasileira favorece projeto de esquerda [veja aqui] e, em 2020, lança vídeo para divulgar Prêmio Nacional das Artes utilizando referências nazistas, acarretando na sua demissão devido às reações negativas [veja aqui].
Leia as análises sobre as polêmicas envolvendo Roberto Alvim à frente da secretaria da cultura e os principais episódios que marcaram a sua atuação no governo.
Na Assembleia Geral da ONU, o Presidente Jair Bolsonaro discursa [1] e defende a política ambiental de seu governo [2], período em que houve o maior número de focos de incêndio registrados na Amazônia nos últimos anos [3] [veja aqui]. Bolsonaro afirma que a floresta ‘permanece praticamente intocada’, que os incêndios se devem à sazonalidade [4] e que existem queimadas praticadas por ‘índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência’, afirmação que é repudiada por lideranças indígenas [5]. O Presidente é enfático ao reforçar a soberania brasileira sobre a floresta, em resposta às críticas feitas pelo presidente francês, Emmanuel Macron [6]. Bolsonaro declara que não irá demarcar mais terras indígenas e critica a atuação de ONGs nesses territórios [7]. Afirma também que os indígenas ‘são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós’, frase repetida em outra oportunidade [veja aqui], e diz que alguns líderes, citando expressamente o cacique Raoni (reconhecido internacionalmente por lutar pela demarcação de terras e preservação ambiental [8]), ‘são usados como peça de manobra por governos estrangeiros’ que têm interesses na Amazônia [9]. Bolsonaro afirma que ‘o índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas’, em referência a abundância mineral nas reservas indígenas [10]. Especialistas afirmam que a situação dos incêndios se agrava em decorrência do desmatamento e não do clima seco [11] e que o uso do fogo por povos indígenas é controlado e as queimadas são causadas pelo agronegócio [12]. Até junho, o número de multas por crimes ambientais contra a flora caiu 23% em relação à média dos últimos 5 anos [veja aqui]. Em outubro, Bolsonaro volta a criticar a atuação de Raoni [veja aqui]; em novembro, o presidente é denunciado no Tribunal Penal Internacional por implementar políticas predatórias contra indígenas [veja aqui] e, em 2020, afirma que exploração em terras indígenas é um ‘sonho’ seu e encaminha projeto de lei para autorizá-la [veja aqui].
Leia a análise sobre a fala de Bolsonaro na Assembleia da ONU e ouça como o Presidente abordou especificamente a questão indígena.
Na Assembleia Geral da ONU, o Presidente Jair Bolsonaro discursa e apresenta um ‘novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo’ [1]. Critica o socialismo [2], a quem atribui a generalização da corrupção e os ataques aos valores familiares e religiosos [3]. O presidente também justifica o golpe militar de 1964 em razão da tentativa de agentes cubanos de implementação de ditaduras na América Latina [4] e diz que a ‘ideologia’ se instalou no âmbito da cultura, da mídia e da educação e investiu contra a família e contra a ‘identidade biológica’ das crianças [5]. Na ocasião, também afirma que ‘a ONU pode ajudar a derrotar o ambiente materialista e ideológico’ que compromete a dignidade humana e defende ‘nacionalidades e soberanias’ em detrimento de um ‘interesse global abstrato’ [6]. O discurso de Bolsonaro causa perplexidade internacional e um representante da cúpula dos EUA afirma que ‘ele acabou de perder a última chance de ser respeitado’ [7]. A retórica do combate a sistemas políticos de esquerda é constante em seu governo [8], assim como a defesa [veja aqui] ou a negação [9] do golpe militar de 1964. O posicionamento se coaduna com a política defendida pelo Ministro das Relações Exteriores [veja aqui]. Bolsonaro afirma também que o Brasil está compromissado com a defesa da democracia e da liberdade de imprensa [10], porém seu governo busca suprimir a imprensa frequentemente [veja aqui] e posiciona-se veementemente contra aquilo que chama de ‘ideologia de gênero’ [veja aqui].
Leia as análises sobre a posição negacionista da gestão Bolsonaro em relação à ditadura de 1964 e como o conceito de ‘ideologia’ é utilizado em seu governo.
O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e responsável por investigar violações de direitos humanos em unidades públicas, como penitenciárias, divulga nota pública com o resultado das inspeções feitas em presídios do Pará [1] e, no mês seguinte, o relatório [2] elaborado sobre a atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) no estado e as condições vivenciadas nos presídios [3]. A inspeção nas unidades prisionais do estado é motivada pelo ‘massacre de Altamira’, que resultou na morte de 62 presos e ocasionou a intervenção federal [4], sem que o presidente demonstrasse preocupação com as vítimas [veja aqui]. Em 23/09, o MNPCT oficiou o Ministério Público Federal (MPF) sobre o resultado da inspeção e solicitou providências em caráter de urgência [5]. O documento aponta para ilegalidades na atuação de agentes de segurança, com um ‘quadro caótico de superlotação’, bem como para a prática de maus-tratos e tortura a presas e presos [6]. Dentre as violações, estão deixar os presos incomunicáveis e aplicar sistematicamente sanções coletivas [7]. Em outubro, o MPF elabora um relatório denunciando as violações aos direitos humanos em presídios do Pará [8], que Bolsonaro chama de ‘besteira’ [veja aqui]. Logo depois, a Justiça Federal afasta o comandante da FTIP que atuou no Pará [9]. Em resposta, o diretor geral do Departamento Penitenciário Nacional classifica as denúncias como alegações sem provas e afirma que os presos se automutilam para retirar a força-tarefa do estado [10]. Vale notar que, em junho, Bolsonaro exonerou peritos do MNPCT [veja aqui] e, em dezembro, o Ministro da Justiça assina portaria que ignora recomendações formuladas pelo Mecanismo [veja aqui].
Leia as análises sobre as denúncias de tortura em presídios sob intervenção federal e o seu modelo brutal de gestão dos presos.
O presidente Jair Bolsonaro divulga informação falsa de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria decidido que ‘não houve disparo em massa pelo WhatsApp pelo candidato Jair Bolsonaro’ [1]. A declaração é dada para defender uma punição para o jornal Folha de S. Paulo, responsável por veicular matéria sobre o uso fraudulento de nome e CPF de idosos para garantir o disparo em massa de mensagens contrárias ao Partido dos Trabalhadores (PT) durante campanha eleitoral e em benefício do presidente [2]. Bolsonaro também afirma ser uma ‘narrativa montada pelos canalhas’ e que foi ‘absolvido’ [3]. No entanto, não houve qualquer decisão do TSE no sentido descrito pelo presidente [4]. A decisão dada, na verdade, foi a de negar pedidos feitos pela coligação de Fernando Haddad (PT), responsável pela ação, como a solicitação de quebra dos sigilos fiscais e telefônicos de empresas suspeitas de terem feito os disparos [5]. Esse episódio configura um dentre uma série de ataques de Bolsonaro à imprensa, como a edição de medidas provisórias que dispensam a publicação de atos administrativos [veja aqui] e de balancetes empresariais [veja aqui] em jornais, a publicação de vídeo atacando emissora de televisão [veja aqui], a reação agressiva e discriminatória a perguntas de repórteres [veja aqui], agressões verbais e ameaças [veja aqui], exclusão da Folha de S. Paulo de licitação [veja aqui] e cancelamento das assinaturas de jornais impressos ao Planalto [veja aqui]. No ano seguinte, Bolsonaro profere ofensas sexistas contra a jornalista Patrícia Campos Mello, responsável por denunciar o uso ilegal do Whatsapp nas eleições [veja aqui], e chama a Folha de São Paulo de ‘lixo’ [veja aqui].
Leia as análises sobre o andamento da ação sobre o uso ilegal do WhatsApp na eleição de Bolsonaro, o relatório de 2019 sobre a violência a jornalistas e à liberdade de imprensa e uma entrevista sobre os prejuízos dessas agressões para o jornalismo.
Câmara Legislativa do Distrito Federal aprova lei contra disseminação de ‘fake news’ [1]. Projetos semelhantes foram aprovados no ano seguinte no Acre [veja aqui], Paraíba [veja aqui], Ceará [veja aqui] e Roraima [veja aqui], porém estes se relacionavam diretamente com o contexto da pandemia gerada pelo coronavírus. Neste caso, a lei estabelece, de modo genérico, multa entre R$ 1.000 a R$ 15.000 para quem divulgar ou participar da produção de notícias ou fatos inverídicos [2]. A lei também pretende punir aquele que ‘compartilha em aplicativos de mensagens, redes sociais ou sítios na rede mundial de computadores notícias que sabe ou deveria saber falsas’ [3]. A lei também busca atingir os provedores de serviços ou proprietários de sites, afirmando que estes são responsáveis pelas notícias e fatos ali divulgados, podendo também serem multados e ter suspenso seu alvará de funcionamento ou licença para exercício de sua atividade [4]. É previsto, também, uma regulamentação pelo poder Executivo de qual será o órgão administrativo competente para recebimento de denúncias e aplicação das sanções previstas na lei [5]. A autora do projeto justifica o mesmo pois, segundo ela, a internet ‘trouxe uma série de notícias falsas e propagandas enganosas, colaborando com a prática de ódio e com o bullying’ [6]. A aprovação de leis desse tipo tem sido criticada por especialistas, pois estas não estabelecem o que são ‘notícias falsas’ e não consideram o fato de que grande parte das informações falsamente divulgadas são feitas por pessoas sem a consciência de sua falsidade [7]. Além disso, eles apontam que essas leis podem restringir a liberdade de expressão e imprensa no país [8]. Entre o começo de março e o começo de junho de 2020, 26 projetos de leis foram lançados para combater notícias falsas na pandemia [veja aqui] e ao menos 21 dos 26 estados brasileiros apresentaram iniciativas nesse sentido .
Leia análise sobre o surgimento de projetos que pretendem alterar a estrutura de regulação da liberdade de expressão na internet.