O presidente Jair Bolsonaro chama de ‘besteira’ a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) acerca do quadro de tortura retratado no sistema penitenciário paraense e encerra entrevista após ser questionado [1]. Em atendimento ao pedido do MPF, o coordenador da força-tarefa atuante no sistema carcerário do Pará, que é investigado pelas práticas de tortura, maus-tratos e abuso de autoridade, é afastado pela Justiça Federal [2]. Ainda, em resposta aos episódios de tortura sistemática nas unidades prisionais do Pará, como o ‘massacre de Altamira’ [3] [veja aqui], o governo brasileiro é denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU) [4]. O caso sobre a rebelião no presídio paraense que resultou em 62 mortes [5] – já condenado em nota pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos [6] – foi ironizado por Bolsonaro, o qual afirmou que apenas se manifestaria sobre o ocorrido ‘depois que eles [as vítimas] responderem’ [7]. Vale lembrar que em junho, o presidente assinou decreto exonerando 11 peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e retirando a remuneração do órgão [8]. Em novembro, o MNPCT publica relatório que conclui pela prática de tortura nos presídios do Pará [9], mas o novo interventor da força tarefa nega [10]. Em dezembro o Ministro da Justiça assina portaria que ignora recomendações formuladas pelo MNPCT [veja aqui].
Leia análises sobre o quadro de tortura observado no sistema penitenciário do Pará e em outros estados sob intervenção federal nos presídios.
O Dia do Fogo, conhecido como a data na qual um grupo [1] de pessoas ligadas ao setor agropecuário do município de Novo Progresso no Pará ateou fogo em áreas da floresta Amazônica no intuito de demonstrar apoio ao Presidente Jair Bolsonaro [2] e dificultar a fiscalização das ilegalidades [3], gera poucas multas ambientais [4]. Nesse dia, foram identificadas 207 propriedades com focos de incêndio em área florestal, sendo metade delas registradas, ou seja, passíveis de identificação de seu proprietário [5]. Porém, apenas 5,7% dessas terras são autuadas [6]. Também identificou-se que 53 focos de calor ocorreram em terras indígenas e 534 em Unidades de Conservação [7]. Adécio Piran, jornalista que denunciou o plano do grupo vive sob ameaças e precisou recuar nas investigações [8]. Em agosto, a Amazônia registrou o maior número de focos de queimadas dos últimos nove anos [9]. O Dia do Fogo completou um ano em agosto de 2020 e segue sem apresentação de ações formais de responsabilização pela Polícia Civil [10]. Os acontecimentos inserem-se no contexto de desmonte da política ambiental promovido pelo governo Bolsonaro, como exonerar funcionários de órgãos de fiscalização [veja aqui] e pesquisa [veja aqui], duvidar [veja aqui] e contrariar [veja aqui] dados apresentados pelo Inpe e reduzir o número de multas contra a flora [veja aqui]. O Presidente afirma, ainda, que há uma ‘psicose ambientalista’ contra o Brasil [veja aqui], que o desmatamento é cultural [veja aqui], e acusa ONGs [veja aqui] e indígenas [veja aqui] de promoverem incêndios na Amazônia.
Leia as análises sobre o legado de impunidade do Dia do Fogo, a alta nas queimadas na Amazônia em 2019, a política ambiental do governo Bolsonaro e razões que apontam a possibilidade do desmatamento na Amazônia ser ideológico.
O governo federal, por meio de decreto [1], institui o Cadastro Base do Cidadão, novo sistema que pretende reunir informações cadastrais dos cidadãos e vinculá-las unicamente ao Cadastro de Pessoa Física (CPF), para que possam ser compartilhadas entre diferentes esferas do governo. O objetivo é criar um meio unificado para a prestação de serviços públicos, aperfeiçoamento na implementação e monitoramento de políticas públicas, entre outros [2]. O sistema prevê não apenas o compartilhamento de dados básicos como nome civil ou social, data de nascimento e vínculos de emprego, mas também de dados biométricos para reconhecimento: impressões digitais, características da face, dos olhos e da voz, bem como o modo de andar [3]. Especialistas veem a edição do decreto com preocupação pela ausência de transparência nas finalidades do compartilhamento dos dados pessoais [4]. Além de representarem mecanismo que abre margem para abusos [5] e que retira do cidadão o poder sobre as suas informações pessoais [6], as medidas vão na contramão da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) [7]. Vale notar que, em 2020, o governo baixa outro decreto [veja aqui] e edita as Medidas Provisórias (MPs) 959 [veja aqui] e 954 [veja aqui] que afetam a proteção de dados pessoais dos brasileiros.
Ouça o podcast que discute a eficiência da nova base de dados pessoais dos brasileiros e leia as análises sobre o que muda com o novo decreto e os riscos do Cadastro Base do Cidadão.
O presidente Jair Bolsonaro veta [1] projeto de lei (PL) [2] que modifica a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) para determinar a notificação compulsória de serviços de saúde pública e privada à polícia em 24h em casos de suspeita da prática de violência contra a mulher [3]. A lei já obrigava a notificação em caso de risco à vítima ou à comunidade; o PL de autoria da deputada Renata Abreu (PTN-SP) inova ao determinar o registro de indícios de violência no prontuário médico da paciente, o que segundo a parlamentar ajudaria a produzir dados estatísticos na ausência de boletim de ocorrência [4]. Segundo Bolsonaro, o veto integral é respaldado pelos Ministérios da Saúde e da Mulher, Família e Direitos Humanos que veêm ‘contrariedade ao interesse público’, uma vez que a notificação implicaria na identificação da vítima sem seu consentimento [5]. Igualmente, promotora especializada no enfrentamento à violência doméstica sinaliza ‘efeitos colaterais’ do PL, uma vez que o registro policial é um dos elementos que inibem as mulheres de procurarem ajuda [6]. Já para advogada criminalista, o veto é um ‘erro’, na medida em que o PL teria o potencial de aprimorar diagnósticos da política pública de enfrentamento à violência [7]. No mês seguinte, o Congresso Nacional derruba o veto presidencial, garantindo a obrigatoriedade da notificação por servidores da saúde [8]. Vale lembrar que em 2019, o governo federal retira compromisso de não violência contra mulher de edital de livros didáticos [veja aqui], extingue órgãos colegiados de prevenção à violência de gênero [veja aqui], o termo gênero deixa de ser usado pelo Itamaraty [veja aqui], e informações sobre a política de gênero são censuradas [veja aqui]. Em 2020, o governo tenta barrar medidas que ampliam direitos das mulheres na ONU [veja aqui], e promove conferência anti-aborto [veja aqui].
Leia análise sobre os efeitos da notificação obrigatória de violência doméstica por serviços de saúde.
Os deputados Daniel Silveira (federal) e Rodrigo Amorim (estadual), ambos do PSL, realizam vistoria atípica em escola pública do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II [1]. A reitoria da unidade escolar chama a Polícia Federal por conta da ausência de autorização dos deputados ao adentrarem no local e o reitor do colégio acompanha a visita dos parlamentares, que filmam e fotografam trabalhos escolares com conotação política, como, por exemplo, mural que exibia notícias sobre mortalidade de jovens por conta de ações policiais [2]. Após o ocorrido, a autoridade escolar apresenta representação na Alerj contra os deputados, mas o Conselho de Ética decide arquivar a investigação [3]. Essa não é a primeira vez que agentes estatais tentam monitorar o ambiente escolar. Em abril deste ano, o Ministro da Educação (MEC) afirma que alunos têm direito de gravar professores em sala de aula [veja aqui] e, em setembro, o MEC enviou orientações para todas as secretarias estaduais e municipais de ensino do país sobre como manter um ambiente escolar ‘sem doutrinação’, que evite a veiculação de propaganda político-partidária [veja aqui]. Além disso, o governo vem empreendendo tentativas de reformulação do material escolar, em prol de suposta suavização de conteúdo e retirada de ideologia [veja aqui].
Leia análise sobre efeitos negativos dessa postura de agentes do Estado.
O estado do Goiás é a única unidade da federação que não divulga os números de mortes por policiais no primeiro semestre de 2019 e a Secretaria de Segurança Pública justifica afirmando que os dados têm ‘caráter sigiloso’ [1]. Para especialistas, a decisão demonstra falta de transparência do atual governo, pois as informações são de interesse público e eram divulgadas nos anos anteriores [2]. No mês anterior, o governo publicou nas redes sociais um vídeo sobre as ações policiais [veja aqui], no qual o narrador afirmava que ‘quando o governo deixa a polícia trabalhar, bandido tem que aprender a voar. Só que agora já está tarde para bater asa’ [3] e que ‘ou o bandido muda de profissão ou muda de estado’ [4]. O jornal O Popular obteve acesso de forma não oficial aos números resguardados pelo governo e constata que, em 2019, foram registradas 825 mortes no estado, um aumento de 95% em relação ao ano passado; o estado passa a ocupar o segundo lugar com mais mortes pela polícia proporcionalmente à população [5]. A postura do governo de Goiás se alinha aos discursos de legitimação da violência policial dos governadores de São Paulo [veja aqui] e do Rio de Janeiro [veja aqui] e do Presidente Jair Bolsonaro [veja aqui] e se enquadra no contexto de valorização de medidas punitivistas no âmbito da segurança pública [veja aqui].
Ouça as análises sobre a violência policial em Goiás e sobre segurança pública e leia a análise sobre a violência policial no Brasil.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, ao discursar em evento propõe ‘fechar os corredores de acesso’ nas estradas para as entradas de comunidades, como solução para diminuir o roubo de cargas, ‘a pirataria, e o financiamento do tráfico’ [1]. O governador ainda completa que ‘não vai ter nenhuma invasão ao direito de ir e vir do cidadão’, uma vez que o controle de acesso seria realizado com a concordância dos moradores das comunidades, comparando a dinâmica proposta com aquela realizada em condomínios [2]. O projeto, que é previsto para o ano seguinte, ainda inclui ‘o controle de veículos suspeitos’ e o uso de aparatos como motos e helicópteros [3]. A proposta é criticada por deputada estadual da oposição, Renata Souza (PSOL-RJ), para quem a efetivação desse modelo implicaria em um ‘apartheid no Rio’ e reduziria mais ‘a péssima mobilidade de quem vive nas favelas’ [4]. Em nota o governo responde que a proposta segue diretrizes da política ‘Operação Segurança Presente’ e que terá apoio não só das policiais, como das empresas transportadoras [5]. Vale notar que esse tipo de prática de controle do acesso às comunidades já foi adotado durante a intervenção federal entre 2017 e 2018 [6]. Além disso, na semana anterior, Witzel já tinha defendido o fechamento das fronteiras do país como forma de impedir entrada de armas de países sul-americanos [veja aqui]. Em outras oportunidades, elogia o aumento do número de mortes pela polícia [veja aqui] e legitima violência contra morador em situação de rua [veja aqui].
Leia análise sobre o controle de acesso a comunidades cariocas durante a intervenção federal militar.
Atendendo aos interesses do setor ruralista na aceleração da emissão de títulos de propriedade para regularização fundiária, o presidente Jair Bolsonaro exonera general da presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) [veja aqui] e nomeia para o cargo Geraldo de Melo Filho, pecuarista e ex assessor do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni [1]. O indicado é sócio de uma empresa proprietária de duas fazendas de criação de bovinos em Minas Gerais e na Bahia e integra associação de pecuaristas criadores de raças específicas de gado, tendo ocupado o cargo de diretor-técnico dessa instituição em 2014 [2]. Dois dias antes da nomeação, entidade representativa dos servidores do Incra publica nota denunciando a disputa entre ruralistas e militares pelo instituto [3]. Em outras oportunidades, Bolsonaro nomeia indicados atécnicos da base aliada para superintendências do Incra [veja aqui], inclusive para proteger-se de eventual processo de impeachment [veja aqui]. Os acontecimentos demonstram um cenário de favorecimento do agronegócio em detrimento das políticas de reforma agrária: o governo também exonera o presidente da Funai por pressão da bancada ruralista [veja aqui], edita Medida Provisória que facilita a legalização de terras ocupadas ilegalmente [veja aqui], amplia a permissão de armazenamento de armas em área rural [veja aqui], suspende reiteradamente a reforma agrária [veja aqui] [veja aqui] e reduz o número de famílias assentadas [veja aqui].
Leia a análise sobre o avanço dos ruralistas no comando do Incra.
Governo federal publica medida provisória (MP) [1] que altera normas de conversão de multas ambientais [2]. A conversão de multas é a substituição de multa simples por serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente [3]. A MP prevê a contratação de banco público, sem licitação, para gerir fundo com os recursos da conversão de multas ambientais [4]. De acordo com o texto, o infrator pode pagar o valor da autuação com até 60% de desconto desde que deposite os 40% restantes neste fundo [5] [6]. Pelas regras anteriores, os descontos eram vinculados a projetos de recuperação selecionados através de chamamento público, pelo Ibama ou Instituto Chico Mendes (ICMBio) [7]. No início do ano, o governo freou a contratação de 34 projetos de recuperação ambiental que estavam prontos para serem iniciados pelo Ibama [8]. A ordem partiu do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que não quer mais a participação de organizações não governamentais nos projetos federais [9].De acordo com a MP, os recursos do fundo são destinados ao custeio de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, porém, todas as regras passam a ser estabelecidas por Salles [10]. Medidas com o intuito de flexibilizar o cumprimento das multas por infrações ambientais aconteceram em outros momentos, como no caso do decreto que cria os Núcleos de Conciliação Ambiental (Nucam) [veja aqui]. Nos seis primeiros meses de governo Bolsonaro, as multas por crimes ambientais caem 23% em relação à média dos últimos 5 anos [11]. Conhecida como ‘Fundão do Salles’, a medida provisória cai no esquecimento do Congresso e perde a validade, no dia 26/03/20, portanto voltam a valer as antigas regras sobre conversão de multas ambientais [12].
Leia nota técnica sobre a medida provisória, conhecida como ‘Fundão do Salles’.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ofende a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) nas redes sociais [1]. Eduardo comenta em publicação da parlamentar a seguinte mensagem: ‘#DeixeDeSeguirAPepa’ [2]. A frase faz alusão ao personagem de desenho animado, Peppa Pig [3]. Em resposta, Hasselmann publica ‘Picareta! Menininho nem-nem: nem embaixador, nem líder, nem respeitado. Um zero à esquerda. A canalhice de vocês está sendo vista em todo Brasil’ [4]. Eduardo tem desferido acusações a parlamentar desde que ela passou a apoiar o Delegado Waldir (PSL-GO) para a liderança do PSL na Câmara, que também é disputada por Eduardo Bolsonaro [5]. Pouco mais de um mês após a publicação ofensiva, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados abre dois processos disciplinares contra Eduardo [6] [veja aqui], um para apurar apologia a volta do regime militar [7] e outro pela ofensa a Deputada Joice Hasselmann. A Secretária-Geral da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Maíra Recchia, configura as ofensas como gordofobia e violência política de gênero, ou seja, quando uma mulher que tem carreira pública é ofendida, agredida e perseguida em razão de ser do sexo feminino [8]. Recchia aponta que deve-se estabelecer um limite claro entre debate político e violência política de gênero, pois, ofensas no embate entre parlamentares ‘são comuns, mas, enquanto o homem é chamado de ladrão ou de burro, a mulher é atacada por questões pessoais normalmente relacionadas à aparência e a um suposto descontrole emocional’, argumenta a advogada [9]. Há, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei para estabelecer a violência política contra mulheres como crime eleitoral. Ele prevê pena de três a oito anos de reclusão para quem cometer este tipo de violência [10]. Em 2021, o Conselho de Ética da Câmara decide por arquivar o caso e entende que Eduardo Bolsonaro não extrapolou suas funções parlamentares ao publicar as mensagens direcionadas à Joice Hasselmann [veja aqui].
Leia reportagem sobre os embates entre Joice Hasselmann e Eduardo Bolsonaro