O busto do ex-chanceler San Tiago Dantas é retirado da entrada da sala que leva seu nome, no subsolo do Ministério das Relações Exteriores [1]. San Tiago Dantas é um dos patronos da Política Externa Independente (PEI), que visa a defender interesses nacionais sem o alinhamento automático a uma agenda específica, divergindo da bipolaridade ideológica vinda da Guerra Fria, na qual o Brasil compunha-se com os Estados Unidos [2]. Professor de Relações Internacionais em Harvard aponta que a postura do ministério busca ‘expurgar o pensamento crítico, o dissenso, o pluralismo e a valorização da memória do Itamaraty’ [3]. Nas redes sociais, Ernesto Araújo nega que tenha mandado retirar o busto, mas afirma que ‘podia ter mandado’ e tece inúmeras críticas à PEI, que entende ser um ‘fetiche do establishment brasileiro de política externa’ e buscava ‘bajular o bloco comunista’ [4]. Ao final de sua publicação, Araújo escreve: ‘o busto de Santiago Dantas pode até voltar, mas a política externa hipnotizada pela ideologia e facilitadora de totalitarismos não voltará’ [5]. Em dezembro, a estátua é colocada de volta no seu lugar [6]. Em outras oportunidades, o Itamaraty veta livro com prefácio de desafeto de Ernesto Araújo [veja aqui] e pede a retirada de filme sobre Chico Buarque de festival internacional [veja aqui].
Leia a análise sobre patrulha ideológica na arte.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente critica o Greenpeace e culpa a organização pelas manchas de óleo que apareceram no litoral nordestino [1] em diversos estados, sem origem identificada, no fim do mês de agosto [2]. O ministro ataca a organização pelo twitter duas vezes, na mesma semana em que ela fez um protesto contra as manchas de óleo em frente ao Palácio do Planalto [3]. Salles publica em sua rede social um vídeo editado da organização [4], no qual insinua que o Greenpeace não atua no combate às manchas de óleo; no entanto, a parte que demonstra os esforços de voluntários da organização atuando contra as manchas, foi cortada [5]. Dias após, o ministro volta a fazer críticas contra a organização, em novo post [6] Salles insinua que a organização é culpada pelo derramamento de óleo e utiliza uma foto de 2016 – como se fosse atual – para basear seu argumento [7]. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia,cobra posição oficial do ministério do Meio Ambiente pela acusação [8] [9]. Salles já havia sido criticado pela sua conduta no combate ao vazamento de óleo [10] [veja aqui], mas afirma agir sem alarmismo para que não houvesse prejuízo ao turismo da região [11]. O Greenpeace ajuíza ação por suposto crime de difamação no Supremo Tribunal Federal contra o ministro e cita fala de Salles que chama a organização de ‘ecoterroristas’ após ato em frente ao Plácio do Planalto [12]. O presidente Jair Bolsonaro, ao ser questionado a respeito dos comentários de Salles, crítica a organização chamando-a de terrorista e afirma que ela só atrapalhar [13].
Leia a análise sobre o vazamento de petróleo nas prais do Nordeste e Sudeste.
Ao se manifestar em processo no Supremo Tribunal Federal (STF) [1] sobre a mudança de posicionamento do Itamaraty em relação a gênero [veja aqui], o ministro das Relações Exteriores (MRE), Ernesto Araújo, afirma que o governo tem ‘atualizado seu posicionamento’ para ‘melhor refletir’ as diretrizes do governo Bolsonaro [2] e que estaria alinhado historicamente à pauta dos direitos humanos. Nesse sentido, caberia respeitar as diretrizes defendidas pelo presidente, democraticamente eleito como representante do povo. Além disso, defende que o Judiciário não teria competência para decidir sobre política externa do Brasil, que é de responsabilidade do presidente de acordo com a Constituição [3]. No mesmo mês, o relator da ação pede posteriores esclarecimentos ao MRE, que envia documentos sigilosos para informar o processo. Em dezembro, ele nega seguimento à ação [4], apesar de reconhecer a importância da orientação sexual e identidade de gênero como direitos fundamentais — do que se recorre mas há nova negativa no ano seguinte [5]. Vale ressaltar que a postura ‘antigênero’ do Ministro das Relações Exteriores segue a mesma linha de outras ações do Ministério [veja aqui] e também do posicionamento de outras figuras do governo, como a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos [veja aqui].
Leia análises sobre o posicionamento ideológico do Itamaraty no passado, o posicionamento da associação que ajuizou a ação no STF sobre a mudança no Itamaraty, a guinada ideológica no ministério e a possibilidade de intervenção judiciária na política externa brasileira
O Plano Nacional de Contingência para lidar com o vazamento de petróleo no Nordeste brasileiro, foi formalizado pelo governo somente 41 dias após a aparição das primeiras manchas de óleo [1]. O Plano de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC) é um documento que estabelece diretrizes para o governo lidar com situações de emergência como essa [2]. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que após alguns dias culpa ONG pela situação relacionada a situação e tem sua conduta criticada [veja aqui], formalizou o plano que delega à Marinha brasileira a coordenação de operações das ações ao combate às manchas de petróleo, o que se tratou de uma mera formalidade, considerando que a Marinha já estava atuando [3], o que, para especialistas da área, é evidência que o governo sequer sabia da existência do plano [4]. O ministério do Meio Ambiente afirma que desde o início dos acontecimentos todos órgãos já atuavam no combate às manchas, independente da formalização do PNC [5]. Vale ressaltar que decreto baixado por Bolsonaro em abril [veja aqui], extinguiu o comitê responsável por acionar o plano, fato que prejudica o país nessa situação, de acordo com a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) [6]. O Ministério Público Federal ajuíza ação contra União alegando a omissão do Estado, que não teria tomado as medidas necessárias para combater o desastre ambiental [7]. Após decisão improcedente da justiça de Sergipe [8], o Tribunal Federal reverte parcialmente a decisão, em favor do MPF [9] e determina que representantes dos estados afetados participem do colegiado do Comitê de Suporte do PNC [10]. Em agosto do ano seguinte, a Marinha conclui investigação sobre o ocorrido e não aponta culpados [11].
Leia a análise sobre o Plano de Contingência e entenda quando ele deve ser acionado.
Durante viagem internacional ao Japão, o presidente Jair Bolsonaro responde sobre as eleições presidenciais na Argentina e afirma que a vitória da chapa de esquerda formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner poderia ‘colocar em risco todo o Mercosul’ [1]. Segundo o presidente, a escolha da chapa de esquerda dificultaria a abertura econômica e comercial do bloco, o que justificaria uma articulação do Brasil com Uruguai e Paraguai para exclusão da Argentina [2]; nas palavras de Bolsonaro, seu governo buscará dificultar a ascensão de grupos de esquerda e o retorno da ideia de ‘pátria bolivariana’ [3]. As declarações ocorrem no contexto de ataques do presidente [veja aqui] e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL – São Paulo) aos protestos de esquerda que ocorrem no Chile [veja aqui]. Três dias depois, a chapa Fernández-Kirchner é eleita [4], e o país segue no bloco. Após a vitória do partido de esquerda, Bolsonaro volta a se pronunciar: diz que não pretende parabenizar Fernández, mas que deve esperar desdobramentos de sua atuação política antes de se ‘indispor’ com o governo argentino [5]. Em outras oportunidades, o presidente critica governos de esquerda na ONU [veja aqui], diz que pessoas de esquerda não devem ser tratadas como ‘normais’ [veja aqui], busca classificar movimento social como ‘terrorista’ [veja aqui] e ameaça demitir funcionário público por suposto comportamento ‘sindicalista’ [veja aqui].
Leia análise sobre as relações entre Brasil e Argentina.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, edita as Portarias 790 [1] e 793 [2] para disciplinar o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para os Estados e estabelecer quais projetos e ações poderão ser financiados na área de segurança pública [3]. As Portarias tratam da valorização do profissional de segurança pública e do enfrentamento à criminalidade violenta [4], este último com previsão de utilização do fundo para a implantação de sistemas de reconhecimento facial, uso de inteligência artificial, e outros mecanismos de vigilância [5]. Apesar de regularem o incremento de recursos para, por exemplo, a capacitação de profissionais na área [6], também podem ser prejudiciais à privacidade dos cidadãos e seus dados pessoais. Quatro dias depois, o governo de São Paulo assina contratos visando implementar sistemas de vigilância eletrônica, mas especialistas alertam para os efeitos desse monitoramento em outros países, ao reforçar estereótipos e promover exclusões [7]. De acordo com a polícia do Detroit (EUA), o reconhecimento facial não é confiável [8] e, na contramão da implementação pelo Brasil – como a utilização do monitoramento facial no carnaval de São Paulo, em 2020 [9], cidades norte-americanas proíbem o uso dessa tecnologia pela polícia [10]. Vale notar que, no ano de 2019, a utilização do FNSP bate recorde histórico para ações nas áreas de segurança pública e de prevenção à violência [11], indicando uma gestão pautada pelo incremento do vigilantismo.
Leia as análises sobre a tecnologia de reconhecimento facial, um estudo sobre problemas decorrentes de seu uso na área de segurança pública, bem como a banalização dessa tecnologia controversa e ouça o podcast sobre as tecnopolíticas da vigilância.
O presidente Jair Bolsonaro classifica como ‘atos terroristas’ os protestos ocorridos no Chile, onde o presidente Sebastian Piñera mobilizou as Forças Armadas (FAs) para reprimir manifestações [1]. Bolsonaro afirma que o governo tem monitorado reuniões da sociedade civil a fim de antever possíveis manifestações anti-governo e que está em diálogo com o Ministério da Defesa para que as tropas estejam preparadas para ‘fazer a manutenção da lei e da ordem’ [2]. Sua declaração menciona o artigo 142 da Constituição [3], que prevê como função das FAs a defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem [4]. O presidente ainda comunica que recebeu informes sobre possíveis reuniões e atos preparatórios para manifestações anti-governo [5]. Após as declarações, 32 organizações da sociedade civil enviam ofício à Procuradoria dos Direitos do Cidadão cobrando explicações sobre os monitoramentos aos protestos [6] e, em resposta, o órgão afirma que está acompanhando indícios de ameaça ao exercício de direitos [7]. No ano seguinte, Bolsonaro critica a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), afirmando que teria um sistema privado de informações melhor [veja aqui], em contexto de investigações sobre sua interferência indevida em órgãos do Estado [veja aqui]. Além disso, em resposta às declarações do governo sobre o artigo 142, os Ministros do Supremo Tribunal Federal declaram que a Constituição não coloca as FAs como poder moderador [veja aqui].
Leia as análises sobre o artigo 142 da Constituição, a inexistência de intervenção militar constitucional e as reivindicações populares no contexto de protestos no Chile.
Ministério da Cidadania nomeia, através de Portaria [1], jornalista e escritora sem perfil técnico-acadêmico para a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). Desde o nascimento da FCRB, em 1930, existe tradição do governo consultar funcionários e pesquisadores da instituição para nomeação do presidente. Na oportunidade, o governo Bolsonaro nomeia Letícia Dorneles para o cargo chefe, jornalista e escritora de programas televisivos sem histórico acadêmico, não considerando a indicação dos membros da FCRB [2]. A jornalista já expressou apoio ao governo Bolsonaro, tendo texto próprio reproduzido por Carlos Bolsonaro nas redes sociais [3]. Entidades acadêmicas [4] se manifestam contra a nomeação, externando preocupação com os rumos da Fundação e o patrimônio histórico-cultural gerido pela instituição [5]. Após a nomeação, a nova presidente se envolve em episódios polêmicos como a exoneração de diretor e chefes de centros de pesquisa da Fundação [veja aqui], a reversão de indicação, junto ao Secretário da Cultura, de cientista crítico ao governo Bolsonaro para cargo de chefia na FCRB [veja aqui], e estudo em sigilo visando extinguir a instituição [veja aqui].
Leia análise crítica à nomeação da nova presidente da FCRB e outros ataques à cultura praticados pelo governo Bolsonaro.
Ao receber o colar do ‘mérito legislativo’ na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ataca os adversários da legenda, defende aliados e exalta o coronel Brilhante Ustra [1], ex-chefe do DOI-CODI em São Paulo, local de repressão de opositores da ditadura militar, e reconhecido como torturador pela Justiça [2]. Eduardo, ao ouvir da plateia a frase ‘Ustra livre’, afirma que ‘Ustra vive’, pois ‘Ustra não está preso, o Ustra nunca foi preso, não é? Ele prendia vagabundo, ao contrário’ [3]. E rememora a fala de seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, que, enquanto deputado federal, dedicou seu voto pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, presa e torturada durante a ditadura militar [4], ao torturador Brilhante Ustra [5]. Eduardo afirma que a fala do pai é ‘emblemática’ e mostra que, com a ‘verdade’ é possível ‘combater qualquer coisa’ e alcançar os objetivos [6]. O deputado também critica a discussão sobre gênero nas escolas [7]. Dias depois, Eduardo afirma que ‘se esquerda radicalizar’ a solução pode ser um ‘novo AI-5’ [veja aqui] e, em outra oportunidade, propõe ‘revisão histórica’ de livros didáticos sobre ditadura militar [veja aqui]. O Presidente Jair Bolsonaro exalta Ustra por diversas vezes [veja aqui], como ‘herói nacional’ [veja aqui] e indicando o livro do torturador para estudantes [veja aqui]; também defende a ditadura na ONU [veja aqui] e no dia do golpe militar [veja aqui], assim como outros membros [veja aqui] do seu governo [veja aqui]. O governo Bolsonaro ainda está em constante embate com a chamada ‘ideologia de gênero’ [veja aqui], especialmente nas escolas [veja aqui].
Leia sobre os momentos em que a família Bolsonaro exalta a ditadura militar, quem era o torturador Brilhante Ustra segundo suas vítimas e como a exaltação ao coronel naturaliza as violências praticadas no regime militar
O Espaço Cultural Correios em Niterói (RJ) pede que o artista Gabriel Grecco substitua duas obras da exposição ‘Isto não é arte’, pois o material contém ‘imagens sem aderência aos seus princípios de gestão cultural’ e que a proposta não condiz com ‘a política de associação’ da marca, conforme apurado pela imprensa nesta data [1]. Em um dos quadros há a imagem de uma criança armada vestida de Capitão América com a frase ‘Isso não é arte. Isso é nosso mundo de merda’ e no outro há a figura de um homem armado com um fuzil e uma pistola, segurando halteres, com uma suástica tatuada no braço e a seguinte legenda: ‘Nunca fomos tão boçais’ [2]. Grecco acusa a diretoria da galeria de censura e decide cancelar a mostra [3]. De acordo com o artista, a diretora do espaço cultural, Denise Anne, disse que as telas tratavam de ‘problemáticas contemporâneas’ e que era melhor trocá-las para ‘não gerar polêmicas’ [4]. Ele afirma que suas obras não têm cunho político nem são críticas ao governo; mas acredita que se trata de censura, pois não pôde colocar as telas que desejava mesmo tendo a proposta aprovada [5]. Em nota, os Correios declaram que a proposta do artista ainda estava em análise e que outras obras do artista foram expostas no espaço em outros momentos [6]. Grecco é convidado pelo secretário municipal de Cultura, Victor de Wolf, para realizar a exposição no Solar do Jambeiro; de acordo com o secretário a ideia é abrigar nos equipamentos da prefeitura exposições ‘censuradas’ em outros locais do estado [7]. Outros eventos culturais foram censurados em virtude de seu suposto conteúdo político, como as exibições de filmes no Centro Cultural da Justiça Federal [veja aqui], da peça ‘Caranguejo Overdrive’ no Centro Cultural Banco do Brasil [veja aqui], da peça ‘Abrazo’ na Caixa Cultural [veja aqui] e do show da banda Teto Preto no Memorial dos Povos Indígenas .