Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro, declara apoio a política de internação compulsória de pessoas em situação de rua [1]. Na fala, o governador diz que ‘pessoas que estão na rua e que não têm capacidade de autodeterminação não podem decidir se querem ou não ficar na rua’ [2]. A declaração faz referência a pessoas em situação de rua e dependentes de substâncias químicas, em especial a episódio de dois dias antes na zona Sul da capital, em que um homem em situação de rua e possivelmente em estado de transtorno psicótico tentou assaltar duas pessoas, resultando em morte [3]. Sobre o ocorrido, o governador ainda elogia os policiais militares (PM), que acertaram com um tiro o homem em situação de rua, e completa ‘teria dado um tiro na cabeça dele’[4]. A proposta se relaciona a lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que prevê a internação compulsória de dependentes químicos sem a necessidade de autorização judicial [veja aqui]. A proposta é considerada por especialistas como um retrocesso, uma vez que viola direitos fundamentais como a autodeterminação, além de incentivar a criminalização da pobreza [5]. Vale notar ainda as declarações de Witzel são marcadas pela legitimação do uso de violência contra minorias [veja aqui], com a comemoração de ações policiais que resultam em morte [veja aqui].
Leia análise sobre tratamentos alternativos à internação compulsória e ouça podcast sobre a lei que facilitou a internação
O presidente Jair Bolsonaro altera o quadro de integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), substituindo quatro dos sete integrantes [1]. Nas palavras de Bolsonaro, a justificativa é que ‘mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final’ [2]. O novo nomeado para presidir a CEMDP, Marcos Vinicius Pereira Carvalho, é filiado ao partido que elegeu Jair Bolsonaro, o PLS, e substitui a procuradora Eugênia Gonzaga que, na semana anterior, criticou publicamente Bolsonaro [3], o qual havia declarado que poderia contar ao presidente da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, como seu pai teria desaparecido na ditadura militar [veja aqui]. No mesmo dia, um grupo de familiares de vítimas da ditadura enviam carta à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em que classificam a exoneração e substituição de membros da CEMDP como um ataque ‘a memória e a verdade sobre as graves violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade’ [4]. Ainda, em reação às alterações, o Ministério Público Federal (MPF) ajuíza ação civil pública [5] para anular as nomeações em razão de desvio de finalidade e vícios quanto à motivação [6], a ação, no entanto, é extinta em outubro pela Justiça Federal [7]. Uma semana após às trocas, Bolsonaro chama Carlos Alberto Brilhante Ustra, tenente responsável pela repressão ditatorial, de ‘herói nacional’ [veja aqui]. No ano seguinte, em janeiro, o governo federal aprova novo regimento interno da CEMDP, reduzindo suas atribuições e ampliando a discricionariedade presidencial sobre a escolha de seus membros [veja aqui].
Leia análise sobre os impactos das mudanças de membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e entenda suas funções.
O oceanógrafo José Martins Júnior é transferido pelo ICMBio da área de preservação marinha de Fernando de Noronha para a Floresta Nacional de Negreiros, no sertão de Pernambuco [1]. Martins trabalhava como analista ambiental na ilha e acredita que a mudança se deve ao interesse de empresários da região [2]. O presidente do instituto, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, justifica, através de ofício, que a transferência ocorre em razão da diferença no número de servidores que atuam nas duas regiões [3]. No entanto, Martins aponta a diferença na extensão das duas áreas de proteção, que ensejaria um número distinto de funcionários, e o fato de que seu currículo é voltado para o estudo de animais marinhos, em especial, golfinhos [4]. Pesquisadores criticam a medida [5]. A Justiça suspende a transferência do servidor [6], que permanece em seu cargo até o julgamento ação [7]. Em fevereiro, o chefe do Parque Nacional Marinho de Noronha, crítico ao aumento do turismo na região, foi exonerado logo após reunião de Salles com empresários da ilha [8] [veja aqui]. Em maio, ex-ministros do Meio Ambiente acusaram o governo de desmonte das políticas ambientais [9]. O governo Bolsonaro exonera, no dia seguinte, diretores do Inpe [veja aqui] e, em abril do próximo ano, diretores do Ibama [veja aqui], reduzindo a fiscalização ambiental [10] e intervindo em órgãos ligados à causa [veja aqui]. Em 2020, o Ministro Ricardo Salles afirma se aproveitar da crise sanitária para flexibilizar políticas ambientais [veja aqui] e o senador Flávio Bolsonaro disse que pretende liberar a entrada de cruzeiros no arquipélago de Fernando de Noronha [11].
Leia análise sobre o histórico de demissões de cientistas e técnicos no primeiro semestre do governo Bolsonaro.
O Itamaraty se recusa a publicar um livro que trata da biografia de Alexandre de Gusmão, diplomata que teve um papel fundamental na diplomacia brasileira, em razão do prefácio ter sido escrito por Rubens Ricupero, desafeto político do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e um dos maiores críticos à atual política externa brasileira [1]. O livro havia sido aprovado pelo conselho editorial da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) vinculada ao Ministério, mas quando o prefácio foi inserido, o presidente da Funag afirmou que não publicaria o livro porque o autor do prefácio ‘ataca muito o ministro’ [2]. O autor do livro afirma se tratar de censura [3]. O Itamaraty justifica a não publicação em razão do material ter sido examinado sem o prefácio [4]. O prefácio em questão trata exclusivamente da trajetória de vida de Gusmão, sem fazer qualquer menção à política atual [5]. Com o veto do Itamaraty, a editora Record decide publicar o livro [6]. Vale notar que, em setembro, o Itamaraty pede a retirada de filme de festival internacional que conta a história de Chico Buarque, medida também vista como censura [veja aqui]. Além disso, Ernesto Araújo exclui curso sobre América Latina de formação de diplomatas [veja aqui] e retira conteúdos ligados às políticas econômicas de governos petistas de edital para ingresso na carreira diplomática [veja aqui].
Leia a análise sobre o lugar que Ernesto Araújo ocupa na diplomacia brasileira.
O presidente Jair Bolsonaro cancela, de última hora, um encontro com o chanceler francês Jean-Yves Le Drian que ocorreria no dia 29/07 [1] e aparece em transmissão ao vivo em rede social cortando o cabelo no mesmo horário da reunião, razão pela qual o chancelar ironiza a sua ‘urgência capilar’ [2]. Ao falar sobre o cancelamento, Bolsonaro questiona o motivo de Le Drian ter se reunido com ONGs e afirma que nasce um sinal de ‘alerta’ e que as ONGs ‘ferram’ o Brasil [3]. O presidente justifica o cancelamento da reunião por ter outro compromisso, além de afirmar que falar com o repórter seria mais importante do que conversar com Le Drian [4]. A embaixada da França comenta, nas redes sociais, as reuniões de Le Drian com representantes da sociedade civil e afirma que o objetivo foi discutir soluções para enfrentar as mudanças climáticas e medidas visando à proteção do meio ambiente [5]. O cancelamento é criticado por jornais franceses, que viram o ato como ‘humilhação’ [6]. O presidente da França, Emmanuel Macron, já havia dito que não firmaria aliança comercial com o Brasil caso Bolsonaro retirasse o país do Acordo do Clima de Paris [7] – conforme defendido em sua campanha [8] – e, após os encontros no Brasil, Le Drian sinaliza que a França não terá pressa em firmar a aliança comercial, mencionando temas que o preocupam, como o respeito às normas ambientais [9]. Em agosto, Bolsonaro acusa ONGs de promoverem incêndios na Amazônia e, em setembro, reitera as críticas feitas à atuação das ONGs em discurso na ONU, ocasião em que defende a política ambiental de sua gestão [veja aqui].
Presidente Jair Bolsonaro nomeia último candidato em lista tríplice elaborada pelo Conselho Universitário (Consuni) para a reitoria da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRC) [1]. O presidente nomeia como reitor o professor Fábio do Santos, que recebeu apenas 3 votos dos 25 do Consuni, não apontando para o cargo a primeira colocada na lista tríplice com 17 dos 25 votos do Conselho [2]. Em 30/07, o Consuni encaminhou moção de preocupação ao Ministério da Educação, apontando a vacância do cargo de reitor da instituição – tendo em vista o término do mandato do reitor anterior, e solicitando a imediata nomeação e posse de Georgina, eleita pela maioria do Consuni e responsável por encabeçar a lista tríplice [3], o que não é acatado por Bolsonaro, ao decidir nomear o terceiro colocado na lista [4]. A nomeação representa quebra de tradição existente desde o governo Lula, na qual o presidente da República sempre nomeava o primeiro colocado da lista tríplice, em atendimento às eleições acadêmicas e à autonomia universitária [5]. Entidades sindicais repudiam a nomeação e apontam constantes ataques do governo federal à autonomia universitária [6]. Em outras oportunidades, Bolsonaro também não seguiu as decisões dos conselhos universitários e comunidades acadêmicas e nomeou segundos e terceiros colocados para as reitorias das universidades federais do Ceará [veja aqui], Triângulo Mineiro [veja aqui] e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri [veja aqui]. Levantamento mostra que 43% das nomeações feitas pelo presidente não seguiram o primeiro colocado da lista tríplice [7]. No fim de 2019, Bolsonaro editou Medida Provisória (MP) que alterou o processo de escolha dos reitores [veja aqui], e em 2020 outra MP possibilitou o Ministro da Educação nomear reitores temporários durante a pandemia [veja aqui].
Leia carta de repúdio de reitores eleitos, porém não nomeados, e análises sobre as intervenções de Bolsonaro nas universidades federais, e sobre outros ataques à liberdade acadêmica realizados pelo governo federal.
O presidente da República Jair Bolsonaro afirma, ao lançar o programa ‘Médicos pelo Brasil’, que o ‘Mais Médicos’ (criado pela ex-presidenta Dilma Roussef em 2013) tinha como objetivo formar núcleos de guerrilha no Brasil [1]. O ‘Mais Médicos’ era fruto de uma parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que intermediou acordo entre os governos do Brasil e Cuba [2]. O governo cubano rompeu a parceria após a eleição de Jair Bolsonaro, que chegou a comparar a situação dos médicos cubanos com a ‘escravidão’ [3]. O ‘Mais Médicos’ continuou existindo após a saída dos profissionais cubanos, mas enfrentando dificuldades para ocupação dos postos [4], especialmente em áreas mais vulneráveis [5], ocupadas por territórios indígenas [6], além de atrasos nos pagamentos [7]. A declaração de Bolsonaro, que não é lastreada em fatos comprováveis [8], não foi a primeira de atque ao programa e aos médicos cubanos: na ocasião de lançamento do ‘Médicos pelo Brasil’, Bolsonaro também afirma que se os médicos cubanos fossem bons teriam salvado a vida do ex-presidente da Venezuela, Hugo Cháves [9]. O novo programa é baseado no ‘Mais Médicos’ e, de acordo com Luiz Henrique Mandetta, os dois programas devem coexistir até que o primeiro seja extinto [10]. Cabe destacar que com a saída dos cubanos, 17% das vagas anteriores do Mais Médicos não foram preenchidas [11].
Leia análise sobre diferenças entre o programa Mias Médicos e o Médicos pelo Brasil.
Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é exonerado por Marcos Pontes, Ministro da Ciência e Tecnologia, após críticas do presidente Jair Bolsonaro aos alertas de desmatamento apresentados pela instituição [1], que foram os maiores dos últimos dez anos [2]. As críticas mais duras começaram duas semanas antes da exoneração, quando o presidente Jair Bolsonaro afirmou que os dados do Inpe eram ‘mentirosos’ [3], que o diretor estaria ‘a serviço de alguma ONG’ e defendeu que a divulgação fosse feita apenas após seu conhecimento [veja aqui]. Galvão responde que a atitude do Presidente era ‘pusilânime e covarde’ [4] e o Inpe publicou nota afirmando que o trabalho no instituto é norteado ‘pelos princípios da excelência, transparência e honestidade científica’ [5]. Desde o início do governo, o trabalho de Galvão também recebe críticas do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles [6] e, em outras oportunidades, o Ministro das Relações Exteriores e [veja aqui] e o Vice-Presidente Hamilton Mourão [veja aqui] contrariaram dados do Inpe. Através de sistema de monitoramento, o Inpe fornece alertas ao Ibama para auxiliá-lo nas ações de fiscalização de desmatamento [7] — Galvão afirma que desde janeiro a comunicação entre os órgãos está dificultada [8]. A exoneração do diretor é criticada por ambientalistas [9] e cientistas [10] e gera repercussão negativa na mídia internacional; o Greenpeace afirmou que o governo ‘implementa um projeto antiambiental’ e a revista científica Nature publicou artigo afirmando que o Presidente promove uma crise na ciência brasileira [11]. O Ministério Público Federal publica nota em defesa do trabalho realizado pelo Inpe e afirma que a ‘a manipulação de atos estatais’ será combatida [12]. Cinco dias depois, Salles afirma que exoneração é justificável, pois Galvão teria divulgado ‘dados alarmistas’ [13]. No mês seguinte, sem consultar o Inpe, o Ibama abre processo de licitação para contratar um novo serviço de monitoramento de florestas [14]. Interferências em instituições ligadas ao meio ambiente ocorreram em outros momentos, com a exoneração do diretor do Ibama [veja aqui] e da coordenadora do Inpe [veja aqui], e a transferência de pesquisador do ICMBio [veja aqui].
Leia o artigo da revista Nature sobre a relação do governo Bolsonaro com cientistas, e as análises sobre os rumos da política ambiental do governo, o balanço da política ambiental em 2019 e as demissões por discordâncias na gestão Bolsonaro.
O presidente Jair Bolsonaro edita medida provisória (MP 892) [1] que altera legislação sobre sociedades empresariais para dispensar empresas de publicarem balanço financeiro em jornais impressos de grande circulação [2]. Ao anunciar a medida, o presidente afirma que retribuiu ataques da mídia para garantir que empresários tenham ‘custo zero’ com a publicação de balancetes somente no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Diário Oficial (DO) [3]. A medida é recebida com críticas por associações jornalísticas [4] que apontam para ‘asfixia’ econômica dos jornais e riscos para a transparência [5]; bem como pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) [6]. Além disso, a MP atravessa lei de 2019 [7], sancionada por Bolsonaro em abril, que já previa uma redução dos demonstrativos financeiros a serem publicados por empresas nos jornais impressos e estabelecia um prazo de dois anos de transição para que veículos de imprensa pudessem buscar outras fontes de rendimentos [8]. Em setembro, Bolsonaro edita nova MP que dispensa a administração pública da obrigação de publicar em jornais de grande circulação editais de licitação [veja aqui]. Em novembro a medida é rejeitada pela comissão mista no Senado [9] e em dezembro a MP perde validade sem ter sido votada no Congresso Nacional [10]. As medidas são seguidas por outros cortes de gastos com a imprensa, como a exclusão da ‘Folha de São Paulo’ de edital do governo [veja aqui] e cancelamento de assinatura de todos os jornais e revistas impressos para o Palácio do Planalto [veja aqui].
Leia análise sobre os limites da atuação presidencial na regulação da publicidade de atos oficiais, e ouça podcast sobre a relação do presidente com a imprensa.
Até esta data, o Poder Executivo Federal conta com 1.271 militares da ativa cedidos; o número representa um crescimento de 13,7% com relação ao mesmo período do ano passado [1]. Desse total, 962 são provenientes do Exército, em face de 164 da Marinha e 145 da Aeronáutica [2]. A despeito dos riscos para a democracia indicados por especialistas [3], os quadros militares na administração têm se tornado uma tendência desde o início do governo federal, o qual, em março, já apresentava 8 dos 22 ministérios existentes controlados por representantes da reserva das Forças Armadas (FAs) [veja aqui], sendo, inclusive, nomeado em junho um general da ativa para ocupar cargo de ministro da Secretaria de Governo [veja aqui]. No ano seguinte, a Ancine nomeia capitão de Mar e de Guerra para a Diretoria Colegiada [veja aqui], Bolsonaro convida general do Exército para assumir o ministério da Casa Civil [veja aqui], e o número de militares cedidos para ocuparem cargos administração apresenta crescimento em março [veja aqui], maio [veja aqui] e junho [red id=782] [veja aqui], alcançando-se em julho, após apuração do Tribunal de Contas da União (TCU), o número de 6.157 cargos do Executivo e 2.588 cargos de confiança [veja aqui]. Em meio à crise sanitária do coronavírus que se inicia em 2020, o Ministério da Saúde é uma das pastas mais afetadas [veja aqui], sendo ocupada interinamente por um militar [veja aqui] que nomeia novos militares [veja aqui]. Vale notar que o movimento de militarização é apoiado em discursos pelo presidente [veja aqui].
Leia análise sobre a relação do presidente com os militares, e assista debate sobre a presença dos militares na administração.