O Ministro da Educação, Ricardo Vélez, extingue a Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) [1], cujo principal objetivo é fortalecer grupos historicamente excluídos da escolarização; para tanto, suas políticas devem considerar, entre outras questões, ‘raça, etnia, gênero, orientação sexual e deficiências’ [2]. Em substituição, são criadas as pastas de Modalidades Especializadas e da Alfabetização [3]. Ao comentar a mudança, Vélez afirma que é ‘para mostrar mais abrangência’ e ‘não excluir ninguém’ [4]. Horas antes, em seu discurso de posse [5], o ministro disse que sua gestão pretende combater o ‘marxismo’ presente nas instituições de ensino e que, em ações internacionais de investimento em educação, não haverá a imposição de ‘pautas nocivas aos nossos costumes’ [6]. O presidente Jair Bolsonaro comemora a medida, afirma que o foco do governo é ‘formar cidadãos preparados para o mercado de trabalho’ em oposição aos governos anteriores que formavam ‘mentes escravas das ideias de dominação socialista’ [7]. Em nota, entidade representativa dos estabelecimentos de ensino afirma que o governo se opõe a uma ‘educação plural, reflexiva e inclusiva’ e que o fim da Secadi vai na contramão de uma ‘educação de qualidade, democrática e cidadã’ [8]. Em outro momento, Vélez nega a existência do golpe de 1964 e pretende alterar livros didáticos para uma ‘versão da história mais ampla’ [veja aqui]. Os acontecimentos estão alinhados às retóricas do governo Bolsonaro de combate à ‘ideologia de gênero’ [veja aqui], ao socialismo [veja aqui], ao patrono da Educação, Paulo Freire [veja aqui] [veja aqui], e ao globalismo [veja aqui]. O governo também defende a formação de estudantes com profissionalização precoce [veja aqui]. Em outros momentos, o Ministério da Educação envia comunicado sobre ‘não doutrinação’ nas escolas para secretarias estaduais e municipais [veja aqui] e altera edital de livros didáticos, retirando compromisso com a diversidade étnica e cultural e contra a violência de gênero [veja aqui].
Leia as análises de especialistas sobre o fim da Secadi, como ficou a organização do Ministério da Educação e o que representa o fim da Secadi para a educação
Durante cerimônia, Damares Alves, Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, afirma que está inaugurada ‘uma nova era no Brasil’ na qual ‘menino veste azul e menina veste rosa’ [1]. No dia seguinte, a ministra afirma que a frase é uma ‘metáfora’ e que o governo vai ‘respeitar a identidade biológica das crianças’ e defende que a ‘ideologia de gênero’ não seja discutida nas escolas [2]. A secretaria do Ministério dos Direitos Humanos apoia Damares e diz que a ideia não é construir ‘uma outra identidade esquizofrênica’ dentro da criança, mas ‘respeitar o que é natural naquele ser humano’ [3]. A declaração da ministra gera grande repercussão nas redes sociais [4], inclusive entre celebridades, que a ironizam [5], e enseja a canção crítica ‘Proibido o Carnaval’ produzida por Caetano Velloso e Daniela Mercury [6]. A música é dedicada ao ex deputado federal Jean Wyllys, que desistiu do mandato após ameaças de morte [veja aqui]. O presidente Jair Bolsonaro deprecia a produção [veja aqui]. Em outros momentos, Damares diz que discutir gênero causa sofrimento em jovens [veja aqui], o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas sexo biológico [veja aqui], o ministro da Educação extingue a secretaria de promoção da diversidade [veja aqui] e o Ministério da Educação (MEC) envia comunicado sobre ‘não doutrinação’ para secretarias estaduais e municipais de ensino [veja aqui]. Além disso, Bolsonaro pede ao MEC projeto de lei (PL) para proibir ‘ideologia de gênero’ [veja aqui] e, em 2020, anuncia PL que veda a discussão de gênero nas escolas [veja aqui].
Leia as análises sobre a origem da associação de cores e gênero, qual a relação entre a ‘ideologia de gênero’ e o governo Bolsonaro e quais os impactos das políticas do governo sobre a pauta de gênero
Na primeira semana do governo Bolsonaro, as superintendências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) receberam memorandos, assinados por diretores do órgão, determinando a suspensão por tempo indeterminado dos processos de compra e demarcação de terras para criação de assentamentos [1]. Um dos memorandos ressalta que a medida vale também para as áreas da Amazônia Legal [2]. Funcionários do Incra acreditam que a medida demonstra a intenção da gestão de extinguir a reforma agrária ou buscar alternativas para favorecer o agronegócio [3]. Em nota, o Incra afirma que a medida durará até que a nova estrutura do órgão seja definida [4], uma vez que passou a ser subordinado ao Ministério da Agricultura [veja aqui]. Para o Movimento Sem Terra (MST) a medida pode aumentar os conflitos no campo [5]. Após a divulgação dos memorandos pela imprensa, o governo recua sobre a medida [6]. Apesar disso, a suspensão acelera processos de reintegração de posse [7]. Em sua campanha eleitoral, Jair Bolsonaro afirma que pretende classificar o MST como grupo terrorista [8] e chama seus membros de ‘gente canalha e vagabunda’ [9]. Em março, o Incra volta a suspender a reforma agrária e alega falta de recursos [veja aqui]. A decisão compõe o quadro de favorecimento de agropecuaristas pelo governo Bolsonaro, que nomeia ruralistas para o Ministério da Agricultura [10], cede aos seus interesses [veja aqui], promove o desmonte do Incra [veja aqui], possibilita a legalização de terras griladas [veja aqui], amplia a permissão de armazenamento de armas a área rural [veja aqui] e reduz a fiscalização de políticas ambientais [veja aqui].
Leia mais sobre o que é a reforma agrária e como ela tem sido realizada no Brasil até o início de 2019
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, na posse do secretário estadual da Polícia Civil declara que o estado ‘precisa ter sua Guantánamo’ para prender pessoas acusadas de tráfico de drogas [1]. A fala faz referência a uma prisão norte-americana sediada na base naval de Guantánamo em Cuba, a qual é utilizada para aprisionar pessoas acusadas de terrorismo e é amplamente conhecida por denúncias de graves violações de direitos humanos [2]. Em outras oportunidades, o governador se posiciona contrariamente ao direito das pessoas presas à visita íntima [veja aqui], defende a internação compulsória de pessoas em situação de rua [veja aqui], elogia o aumento do número de mortes pela polícia [veja aqui], diz que ‘política de segurança está no caminho certo’ a despeito da morte da menina Ágatha Félix pela polícia [veja aqui], e propõe o fechar o acesso de comunidades como suposta medida de segurança pública [veja aqui].
Leia análise que explica os motivos pelas quais a prisão de Guantánamo é polêmica
Em reação à reportagem do jornal Metrópoles, cuja manchete afirma que o presidente Jair Bolsonaro teria bloqueado Fernando Haddad (PT) nas redes sociais após discussão entre os dois, o presidente escreve no Twitter que: ‘Não há nenhum limite de alguns setores da mídia para inventarem mentiras 24h por dia sem a menor preocupação com a informação’ [1]. O jornal atacado responde que a apuração foi feita com base no sumiço de comentário de Haddad em publicação do presidente e nas políticas do Twitter [2]. Porém, a reportagem assume que a informação foi divulgada com base em indícios e que não havia como comprová-la e que, ao contatar Fernando Haddad, o político não pôde confirmar o que ocorreu, mas suspeita que tenha sido bloqueado em algum momento [3]. Os ataques de Bolsonaro à imprensa são frequentes, até março, a cada três dias, a imprensa é alvo de postagens críticas e irônicas do presidente em sua conta do Twitter [4]. Em outros momentos, Bolsonaro afirma que jornalistas são ‘espécie em extinção’ [veja aqui], responde agressivamente [veja aqui] a repórteres [veja aqui], levanta suspeita de conspiração midiática contra seu governo [veja aqui] e defende boicote a veículos de imprensa [veja aqui]. Além disso, o presidente também compartilha notícia falsa da jornalista Constança Rezende [veja aqui] e insulta com insinuação sexual a repórter Patrícia Campos Mello [veja aqui]. Ao longo de 2019, Bolsonaro profere 116 ataques à imprensa [veja aqui].
Leia as análises sobre a violência contra jornalistas em 2019 e quais os limites que Bolsonaro ultrapassa quando briga com a imprensa
A presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Suely Araújo, pede exoneração do cargo [1]. Araújo estava à frente do órgão desde junho de 2016 [2]. O pedido é feito um dia após o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o presidente Jair Bolsonaro questionarem em suas redes sociais um contrato de locação de viaturas assinado por ela em dezembro [3]. Em nota, o Ibama afirma que se trata de ‘acusação sem fundamento’ [4] e explica que o contrato previa aluguel de 393 caminhonetes adaptadas para fiscalização e atendimento a emergências ambientais que seriam usadas nos 26 estados e no Distrito Federal [5]. Além disso, o contrato foi aprovado anteriormente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) [6]. O procurador da Advocacia-Geral da União (AGU), Eduardo Fortunato Bim assume o cargo de Suely Araújo [7]. Meses depois, Bim foi o primeiro presidente do Ibama a ser afastado do cargo [veja aqui]. A situação converge com uma sequência de ataques que Bolsonaro vem fazendo contra o Ibama, alegando a existência de uma ‘indústria de multas’ por parte do órgão [8]. Nos primeiros meses de governo, houve uma queda de 70% nas operações de fiscalização efetuadas pelo Ibama na Amazônia e uma queda de 58% em todo o país, em comparação com o mesmo período do ano passado [veja aqui]. As multas por crimes contra a flora caíram 23% [veja aqui]. Igualmente são marcantes os episódios envolvendo servidores que representam políticas de proteção ambiental, como a exoneração do servidor público que multou Bolsonaro por pesca irregular [veja aqui], a transferência de pesquisador do ICMBio [veja aqui], e a exoneração de diretor do Inpe responsável pela divulgação de dados sobre desmatamento [veja aqui].
Leia sobre a redução de servidores no Ministério do Meio Ambiente, Ibama e ICMBio durante o governo Bolsonaro e os impactos na política ambiental brasileira.
O Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles extingue a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas por meio de decreto [1] [2]. As atribuições da secretaria, responsável pela agenda climática, são transferidas para uma assessoria especial ligada ao ministro, com estrutura menor [3]. Para o Ministério Público Federal (MPF), a ação distancia o país dos esforços de cumprimento dos compromissos assumidos internacionalmente, em especial no Acordo de Paris [4]. Salles toma em seguida sucessivas medidas que sugerem o esfacelamento da política ambiental [veja aqui], como a transferência da gestão de florestas públicas para o Ministério da Agricultura [veja aqui] e a regularização de desmatadores na Mata Atlântica [veja aqui]. Em junho de 2021, Salles é demitido do Ministério do Meio Ambiente, cercado de denúncias sobre sua gestão [veja aqui].
Leia análise sobre o desmonte da política ambiental no governo Bolsonaro.
A emissora estatal NBR, ao transmitir cerimônia de posse dos novos presidentes de bancos públicos, faz uso da marca ‘Governo Bolsonaro’, que não integra a comunicação oficial [1]. A divulgação do nome do presidente consiste em prática proibida pela Constituição [2], que veda a utilização de nomes, símbolos ou imagens que remetam à promoção pessoal de autoridades, cabendo à emissora exibir conteúdo com ‘caráter educativo, informativo ou de orientação social’ [3]. Coordenadora da ONG Intervozes reitera que a prática fere a Constituição pela transmissão do logo promover o governante e não o governo, o que caracteriza caráter pessoal [4]. Vale notar que o site oficial do governo federal exibia foto utilizada na campanha com eleitores usando camisas com o rosto de Bolsonaro e a frase ‘Meu partido é o Brasil’, mas foi logo trocada após a repercussão negativa [5]. No dia seguinte, Bolsonaro publica ato para regulamentar a comunicação do governo [6] e determina que a Secretaria de Comunicação Social deve divulgar atos de governo sem fazer referência a autoridades [7]. Em fevereiro, o Ministério da Educação envia carta às escolas para que filmem os alunos cantando o Hino Nacional, gerando reações negativas [veja aqui] e, em abril, o governo promove mais uma medida questionável, ao editar Portaria que promove a fusão da TV Brasil (emissora pública, responsável por veicular informações de natureza não estatal) com a NBR (emissora que oferta informações sobre os atos do governo federal) [8], medida vista como ilegal e inconstitucional por entidades [veja aqui].
O governo Bolsonaro informa à Organização das Nações Unidas (ONU) que está retirando o Brasil do Pacto Mundial de Migração [1], documento que busca aprimorar o gerenciamento da migração internacional e fortalecer os direitos dos migrantes [2]. Ao comentar a retirada do país, o presidente defende que o Brasil é soberano para decidir sobre a questão migratória e que ‘não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros’ [3]. O presidente complementa que aquele que entrar no país deve obedecer a ‘nossas leis, regras e costumes’ [4]. Antes de Bolsonaro tomar posse, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que o Pacto era ‘inadequado’ para lidar com o problema e que a ‘imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e soberania de cada país’ [5]. Sobre a decisão, a ONU declara que ‘é sempre lamentável quando um país se desengaja do processo multilateral’ [6]. De acordo com entidade de defesa dos direitos humanos, a medida desconsidera os brasileiros que vivem no exterior e têm seus direitos básicos negados e mina a imagem do Brasil como referência no tema migratório no cenário internacional [7]. A medida tomada pelo governo se alinha aos discursos nacionalistas de Bolsonaro [veja aqui] e críticos ao globalismo de Ernesto Araújo [veja aqui]. Além disso, ao se candidatar para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, o governo Bolsonaro omite o tema ‘migração’ do documento de candidatura [veja aqui].
Leia mais sobre o que é o Pacto Global de Migrações, as análises sobre os fluxos migratórios no Brasil, sobre a saída do Brasil do Pacto e como isso pode impactar a vida de brasileiros no exterior
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, defende, em vídeo divulgado nesta data [1], que ‘a igreja evangélica perdeu espaço na história’ em detrimento da ciência e, em especial, com a entrada da teoria evolucionista nas escolas [2]. A mensagem é criticada pela diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que defende o método científico e alerta para os riscos de ‘misturar fé com ciência’ [3]. Em nota, o MMFDH responde que ‘a declaração ocorreu no contexto de uma exposição teológica que não tem qualquer relação com as políticas públicas que serão fomentadas’ [4]. Dois meses depois, em discurso na ONU, Damares realiza defesa da vida desde a concepção [veja aqui] e, em novembro, anuncia canal de denúncias para questões contra moral, religião e ética nas escolas [veja aqui]. Vale notar que outros ministros do governo acumulam episódios de ataques à produção científica, em especial, contra pesquisas sobre meio ambiente [veja aqui], mudanças climáticas [veja aqui], estudos de gênero [veja aqui] e conhecimento produzido por acadêmicos de esquerda [veja aqui]. A pauta evangélica também é valorizada pelo presidente que, no ano seguinte, anuncia que irá indicar evangélico para o cargo de ministro do Superior Tribunal Federal [veja aqui].
Leia análise sobre os impactos da defesa do criacionismo, alternativa à teoria evolucionista, para a produção científica