O presidente Jair Bolsonaro confirma que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitorou o Sínodo da Amazônia [1]. O Sínodo consiste em uma assembleia de bispos, que representa a alta hierarquia católica junto ao papa [2], sendo chamado para discutir soluções que a Igreja no mundo todo pode adotar em relação a problemas específicos. Ele aconteceu pela 16ª vez em Roma em outubro [3], após reunião de estudos preparatórios da assembleia em Belém (Pará), ocorrida entre os dias 28 a 30 de agosto. Na ocasião, o Sínodo discutiu temas ambientais vistos pelo governo com desconfiança [4]. Nesta data, Bolsonaro afirma em almoço com jornalistas que ‘tem muita influência política lá sim’, quando perguntado sobre a possibilidade de monitoramento do encontro [5]. Em fevereiro, porém, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) emitiu nota de esclarecimento [6], negando o alegado monitoramento [7]. A nota esclarece que a Igreja Católica não é objeto de ações por parte da Abin e que há preocupação funcional do Ministro de Estado Chefe do GSI com certos pontos da pauta do evento ambiental, pois parte dos temas afeta, em alguma medida, a soberania nacional do país [8]. No dia anterior à fala de Bolsonaro, o cardeal dom frei Cláudio Hummes, solicitou uma carta com apoio de religiosos que participaram do encontro de Belém e a publicou lamentando a perspectiva do governo ao encarar a iniciativa como ação inimiga [9]. O Sínodo tem significado ainda maior com o aumento dos alertas de desmatamento e dos incêndios em 2019 que colocaram o planeta em estado de alarme, gerando uma crise internacional [10]. Em agosto, entre os dias 24 e 28, o ministro-chefe do GSI, general Augusto Heleno comentou ao jornal O Estado de S. Paulo suas expectativas sobre o encontro dizendo esperar que ele se limite a questões religiosas [11]. Como resolução, o Sínodo da Amazônia teve um documento final denominado Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para a ecologia integral [12]. O texto final é originalmente em espanhol e a tradução para o português não é oficial [13]. Em dezembro, a Abin também monitora agentes públicos e privados brasileiros em Convenção do Clima em Madri [veja aqui].
Leia matéria explicativa sobre o que é o Sínodo da Igreja Católica e análise que aponta possíveis desdobramentos políticos do Sínodo da Amazônia.
O governo do estado do Goiás publica vídeo nas redes sociais com paródia do filme Tropa de Elite para exaltar o trabalho da polícia [1]. Na propaganda, o narrador afirma que ‘quando o governo deixa a polícia trabalhar, bandido tem que aprender a voar. Só que agora já está tarde para bater asa’ e que ‘ou o bandido muda de profissão ou muda de estado’ [2]. No mês seguinte, o governo não divulga o número de mortes causadas por policiais [veja aqui]. O jornal ‘O Popular’ obteve, de forma não oficial, dados que demonstram que o número de mortes causadas por policiais no estado passou de 424, em 2018, para 825, em 2019 [3]. Em 2016, Goiás era o sexto estado com mais mortes decorrentes de intervenções policiais, somando 209 vítimas [4]. O vídeo promovido pelo governo insere-se em um contexto de valorização de medidas punitivistas na área da segurança pública, estimuladas pelo Presidente Jair Bolsonaro, que elogia policial militar que mata em serviço [veja aqui] e defende a pena de morte para casos de tráfico de drogas [veja aqui]. Também se alinha a posturas dos governadores de São Paulo [veja aqui] e do Rio de Janeiro [veja aqui] que legitimam a violência policial em seus discursos.
Ouça as análises sobre a violência policial em Goiás e segurança pública e leia sobre os efeitos da violência policial
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) anuncia, durante coletiva de imprensa, novo corte de 5.613 bolsas no mestrado, doutorado e pós-doutorado e declara que essas bolsas não serão oferecidas nos próximos 4 anos. Esse é o terceiro comunicado sobre corte de bolsas em 2019 [1]. O número de cortes equivale a 6% de um total de 92.680 benefícios que vigoram atualmente na pós-graduação [2]. A justificativa para a medida é a falta de verbas, em razão do contingenciamento na área [3] e previsão de cortes na educação para 2020, com a proposta orçamentária que reduz o financiamento em pesquisas [veja aqui]. Os cortes não adotam critérios como área ou qualidade dos cursos [4] e promoverão uma economia de R$ 37,8 milhões para 2019, que pode chegar a R$ 544 milhões nos próximos 4 anos [5]. Em 05/09, institutos de educação superior do Rio de Janeiro divulgam carta de repúdio e afirmam que a medida irá inviabilizar a existência de diversos programas de pós-graduação [6]. Vale lembrar que, em maio, a Capes já havia bloqueado as bolsas de pós-graduação oferecidas, mas depois reconsiderou a medida para os programas avaliados com notas 6 e 7 [veja aqui] e, em junho, anunciou cortes de mais de 2,7 mil bolsas [veja aqui]. Além disso, em abril, o governo federal ameaçou realizar cortes orçamentários em universidades federais por ‘balbúrdia’ e, em seguida, anunciou corte geral de 30% dos recursos [veja aqui].
Leia a análise sobre os efeitos de curto e longo prazo dos cortes de bolsas na ciência.
O presidente Jair Bolsonaro, por meio das redes sociais, informa que determinou ao Ministério da Educação (MEC) a redação de um projeto de lei visando a proibir a abordagem de ‘questões de gênero nas escolas de ensino fundamental’ do país [1], justificando a iniciativa pelo ‘princípio da proteção integral da criança’ [2]. A determinação do presidente ocorre após uma manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em ação [3] sobre a inconstitucionalidade de lei municipal de Londrina, no Paraná, que proíbe conteúdos com questões de gênero no ambiente escolar [4]. Em decisão de 12/12 [5], o ministro Luís Roberto Barroso suspende os efeitos dessa lei e afirma que a matéria só pode ser disciplinada por leis da União [6]. Vale notar que o combate a uma suposta ‘ideologia de gênero’ está na pauta do governo, não só do presidente [veja aqui], mas também de seus ministros da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves [veja aqui] e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo [veja aqui]. Em maio do ano seguinte, Bolsonaro volta a anunciar a preparação de projeto de lei contra a ‘ideologia de gênero’ [veja aqui].
Leia análises sobre o significado de ideologia de gênero e as controvérsias sobre essa suposta doutrina.
João Doria (PSDB), governador de São Paulo, ordena o recolhimento de apostilas que traziam informações sobre sexo biológico, identidade de gênero, orientação sexual, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez [1]. Segundo o governador, ele teria acionado a Secretaria de Educação após um alerta dos alunos e não concordaria ou aceitaria ‘apologia à ideologia de gênero’ [2]. O órgão afirma que o termo ‘identidade de gênero’ não seguiria a Base Nacional Comum Curricular do MEC e o currículo paulista; segundo especialistas, só não haveria menção ao assunto, e não proibição [3]. As apostilas continham matérias de oito disciplinas [4]. O Ministério Público de São Paulo pede esclarecimentos ao governo sobre a ação [5] e professores ajuízam ação popular pedindo que o material seja devolvido [6]. O pedido dos professores é atendido em liminar e as apostilas são devolvidas dez dias depois [7]. Dois dias após o recolhimento do material, Doria critica ação de Marcelo Crivella de censurar livro contendo beijo gay na Bienal do livro do Rio de Janeiro [8] . Vale lembrar que ‘ideologia de gênero’ é um termo utilizado muitas vezes por conservadores para se referir à gênero e sexualidade [9] e que o governo federal em diversas ocasiões se manifestou contra esse tema na educação [veja aqui] [veja aqui]
Leia análise sobre o que é identidade de gênero e orientação sexual e sobre o recolhimento de livros por governantes.
O presidente Jair Bolsonaro ataca, em rede social, Alberto Bachelet, general torturado e morto durante a ditadura militar de Pinochet, no Chile [1]. O ataque se dá por meio de menção expressa e elogiosa às ações de Pinochet e aliados contra militantes de esquerda, classificando o general como um desses ‘comunistas’ [2]. A declaração ocorre após a filha de Alberto, Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para direitos humanos e ex-presidente do Chile, ter tecido críticas ao governo brasileiro e afirmar que ‘há um encolhimento do espaço democrático no Brasil’, situação que se constata com o aumento da violência policial [3] e de discursos fazendo apologia à ditadura, o que reforça a sensação de impunidade e ameaça os defensores de direitos humanos [4]. Bolsonaro reage alegando que Bachelet estaria se intrometendo ‘nos assuntos internos e na soberania brasileira’ [5]. Vale lembrar que os elogios de Bolsonaro a ditadores são recorrentes, já tendo elogiado o ditador paraguaio [veja aqui] e o coronel Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI durante a ditadura militar no Brasil [veja aqui]. A respeito das preocupações de Michelle Bachelet sobre o aumento da violência policial no Brasil, em 17/06/2020, o governo, em mais um retrocesso, apresenta objeções à proposta de resolução no Conselho de Direitos Humanos da ONU que pede investigações nos casos de racismo e violência policial [veja aqui].
Leia as análises sobre o que foi a ditadura de Pinochet no Chile, a relação da direita chilena com Pinochet e quem foi o general Alberto Barchelet.
O Decreto 10.003/2019 [1] altera a composição e a organização do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão responsável pela definição de políticas públicas, elaboração de normas gerais e fiscalização relacionadas à infância e à adolescência [2]. A medida reduz o número de representantes da sociedade civil de 28 para 18, modifica o método de escolha dos conselheiros, antes realizada por meio eleições [3]; destitui a atual composição do órgão, que foi eleita para o mandato até 10/2020, e determina novas eleições; e altera a frequência das assembleias [4]. Entidades repudiam o ato [5] e impetraram mandado de segurança [6] para suspender a medida [7]. A PGR propõe ação no STF (ADPF [8]) para suspender os efeitos do decreto e declará-lo inconstitucional [9]. O STF defere parcialmente a medida liminar [10] para restabelecer o mandato dos antigos conselheiros até o seu término, a eleição dos representantes das entidades da sociedade civil em assembleia específica e a eleição do Presidente do Conanda por seus pares [11]. Em 2019, o governo editou decretos semelhantes que visavam a modificar a organização de outras instituições, como os Conselhos Nacionais do Meio Ambiente (Conama) [veja aqui] e de Políticas sobre Drogas (Conad) [veja aqui].
Leia o Mandado de Segurança impetrado pelas entidades sociais, a ADPF proposta pela PGR, a trajetória do Conanda e assista entrevista sobre participação da sociedade civil no governo Bolsonaro.
O presidente Jair Bolsonaro lança oficialmente o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), de incentivo à implantação de escolas parcialmente integradas por militares nas esferas estadual, distrital e municipal, e baixa decreto [1] a respeito na mesma data [2]. A iniciativa é do Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Defesa, e pretende implantar 54 escolas do gênero por ano no país [3]. Segundo as diretrizes, passa a haver gestão híbrida (civil e militar) nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa, visando a uma suposta melhora educacional e de infraestrutura, redução de violência e à priorização de instituições em situação de vulnerabilidade social [4]. De acordo com os termos do decreto, a adesão ao programa pelos entes federativos é voluntária e precisa ser precedida por consulta à comunidade escolar, mas o presidente ressalta, no discurso de lançamento, a necessidade de se impor o modelo [5]. Com efeito, apesar dos termos do decreto, há previsão de seleção de municípios ‘voluntários’ em estados que não manifestarem adesão no portal eletrônico do Pecim [6]. A medida é recebida com vastas críticas por especialistas. Pesquisa aponta a maior oneração de cofres públicos, o elitismo e a seletividade de colégios militares [7]. Organização no setor aponta a ineficiência dos gastos e a ausência de solução milagrosa para a educação; a resposta passa, dentre outras questões, pelo entendimento da educação como aliada à cultura, esporte, saúde e assistência, pela coordenação de políticas e boa governança [8]. Em novembro, o ministro da Educação edita portaria regulamentadora do programa [9] e, em fevereiro do ano seguinte, são selecionadas as 54 escolas participantes do programa em 2020 [10]. Também em fevereiro, o presidente faz crítica a governadores contrários ao programa e o governo edita regras de contratação de militares [veja aqui].
Ouça o podcast sobre o Pecim, veja perguntas e respostas sobre o programa e leia as análises sobre suas incertezas, o impacto orçamentário do programa e seus problemas.
A Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/19) [1], que havia sido aprovada em agosto pelo Legislativo, é sancionada com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro [2]. A Lei se aplica a todos os agentes públicos que cometam atos previstos com a intenção de se beneficiar ou prejudicar outra pessoa e prevê punição para condutas como decretar condução coercitiva sem prévia intimação judicial; interrogar suspeito que decide permanecer calado; e atribuir culpa publicamente antes da acusação estar formalizada [3]. No total, Bolsonaro veta 36 dispositivos previstos em 19 artigos [4]. Dentre os vetos, está a punição às seguintes condutas: constranger um preso a produzir prova contra si mesmo; usar algemas na ausência de resistência à prisão; e impedir a comunicação entre o advogado e seu cliente preso [5]. Para parlamentares, os vetos permitem que pessoas inocentes se tornem vítimas de processos judiciais ilegais e sinalizam a derrubada de parte desses vetos [6]. Em 24/09, o Congresso derruba 18 vetos presidenciais referentes a 15 crimes de abuso de autoridade [7], retornando à legislação crimes como obrigar a produção de provas contra si mesmo e violar o direito ao silêncio [8]. Dentre os vetos mantidos, está a exclusão do crime de uso de algemas sem necessidade [9]. Especialistas elogiam a nova lei pela previsão mais restrita de crimes, mas avaliam a existência de ‘pontos vagos’ [10]. No ano seguinte, mudanças na atuação policial já são verificadas e polícias de pelo menos 10 Estados param de divulgar nomes e fotos de presos [11].
Leia as análises sobre a lei de abuso de autoridade e como ela ficou após a queda de vetos.
O presidente Jair Bolsonaro indica Augusto Aras para o cargo de Procurador-geral da República (PGR), nome que não consta na lista tríplice eleita em junho pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) [1]. A escolha de um nome da lista tríplice era uma tradição respeitada desde 2003 [2], mas Bolsonaro afirma que o perfil desejado para a PGR não deve ser radical em temas ambientais e indígenas [3] e indica Aras pelo forte alinhamento ao seu pensamento [4]. A quebra desse costume é duramente criticada pela categoria. A ANPR divulga nota de repúdio afirmando que a indicação é um ‘retrocesso institucional e democrático’ por representar uma escolha pessoal, contrastando com a independência da instituição [5]. Em vários estados do país, procuradores se manifestam contra a forma de escolha do PGR [6] e, em Sergipe, alguns renunciam ao cargo de chefia no MPF [7]. Membros do MPF fazem um abaixo-assinado [8] que visa convencer o Congresso a aprovar uma proposta de alteração da Constituição para tornar obrigatório o respeito à lista tríplice [9]. Em 25/05, a indicação de Aras é aprovada pelo Senado e sua nomeação é oficializada no Diário Oficial da União [10]. Após assumir o cargo, Augusto Aras demonstra atuação alinhada com interesses de Bolsonaro. Em novembro, ele executa atos contra minorias [veja aqui]. No ano seguinte, exime o presidente de investigação sobre participações em atos antidemocráticos [veja aqui] e o presidente flerta com a possibilidade de indicá-lo ao STF [veja aqui].
Leia as análises sobre o debate em torno das formas de indicação do Procurador Geral da República, o impacto da escolha de Bolsonaro e a preocupação de indicação alinhada com o presidente.