A Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro ordena o encerramento, um dia antes da data oficial, da exposição ‘Literatura Exposta’ do coletivo ‘És uma Maluca’ na Casa França-Brasil, que apresenta cenas de nudez e faz referências à tortura durante a ditadura militar no Brasil [1]. Segundo o governador do Estado, Wilson Witzel, o motivo de encerrar a exposição se dá em razão de uma performance ‘com nudismo’ não prevista no contrato [2]. Na ocasião, ele afirma que o Estado deve ser informado previamente sobre o que será realizado dentro de um órgão público [3]. O curador da amostra, Álvaro Figueiredo, alega receber a informação com ‘surpresa, decepção e revolta’ [4], já que afirma ter explicado o conteúdo da performance à direção da Casa, que respondeu com um e-mail em que demonstra estar ciente da apresentação e exige que apenas maiores de 18 anos possam assistir [5]. No dia seguinte, o coletivo promove a performance proibida em frente à instituição como forma de protesto ao que classifica como censura, mas sem apresentar nudez [6]. Em dezembro de 2018, a obra já havia sido vetada em parte por expor áudios com discursos do presidente Jair Bolsonaro, motivo pelo qual os áudios foram substituídos por gravações de receitas de bolo [7]. Outras interferências nas produções culturais ocorrem, como a ameaça de Bolsonaro de extinguir a Agência Nacional do Cinema (Ancine) se não puder filtrar as produções nacionais [veja aqui], o pedido do Itamaraty para retirada de filme de festival internacional [veja aqui], a suspensão de edital federal com temática LGBT [veja aqui], a edição de edital que restringe investimentos em filmes com cenas de nudez [veja aqui] e o lançamento de vídeo pelo Secretário da Cultura sobre prêmio de artes com referências nazistas [veja aqui].
Leia a análise sobre as medidas que podem ser tomadas em caso de cancelamento de produções culturais que configuram censura velada.
O governo Bolsonaro exonera a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Estatísticas (Inep), órgão responsável pela elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e outras três diretoras [1]. As mudanças ocorrem depois de Bolsonaro ter criticado o conteúdo do Enem de 2018, afirmando ser um ‘absurdo’ a abordagem de expressões associadas aos LGBTs [2]. Na ocasião, Bolsonaro disse que teria acesso às questões do Enem antes de o exame ser aplicado em outubro do presente ano [3]. Em março, o governo cria uma comissão para analisar suposta ‘ideologia de gênero’ nas questões da prova, para que sejam retiradas [veja aqui] [4]. No primeiro ano de gestão, o Enem de 2019 não aborda o tema da ditadura militar e Bolsonaro afirma não haver ‘desinformação’, além de elogiar a prova por não abordar temas ‘polêmicos’ [veja aqui]. A pauta da ‘ideologia de gênero’ faz parte da agenda do governo. Em junho, a ministra Damares Alves se diz contrária a ela [veja aqui] e, em setembro, Bolsonaro solicita ao Ministério da Educação (MEC) um projeto de lei para proibir a abordagem de ‘questões de gênero’ nas escolas [veja aqui], além do MEC enviar comunicado às secretarias estaduais e municipais com orientações sobre como manter um ambiente escolar ‘sem doutrinação’ [veja aqui]. Em janeiro do ano seguinte, o ministro da Educação é orientado por Bolsonaro a não abordar o tema no Ministério [veja aqui] e, em maio, o governo anuncia novo projeto de lei na área após o Supremo Tribunal Federal ter declarado lei nessa temática inconstitucional [veja aqui].
Leia as análises sobre os limites de interferência de um presidente nas provas do Enem e o que é a ‘ideologia de gênero’.
O presidente Jair Bolsonaro baixa Decreto [1] que altera outro de 2004 [2] e amplia o acesso de cidadãos comuns à posse de armas, mas mantém o porte proibido [3]. O decreto é o primeiro de uma série de decretos voltado à pauta armamentista em 2019 [4]. Além de estabelecer a renovação automática do registro de arma em vias de expirar por 10 anos – diferente dos 5 anos previstos no decreto anterior -, o decreto inclui a previsão de que, em casos de residir com criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, o interessado deve comprovar que detém cofre ou local seguro para armazenar a arma, bastando uma autodeclaração [5]. O documento também facilita a posse de arma em casa ao enumerar hipóteses nas quais se presume a efetiva necessidade da declaração, tais como as de residentes em área rural, em áreas urbanas com elevados índices de violência e donos ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais [6] e, ainda em casos não abarcados pelas hipóteses listadas, presume-se como verdadeira a declaração de efetiva necessidade, não dependendo mais de uma análise sobre a necessidade da posse da arma pela Polícia Federal [7]. Questionado a respeito das exigências de armazenamento das armas em casa, o ministro da Casa Civil equipara acidentes domésticos – como crianças colocando o dedo em liquidificador – com possíveis problemas ocasionados por crianças e adolescentes que possam vir a pegar armas dos responsáveis [8]. As alterações são criticadas por entidades e políticos, ao alegarem que facilitar o acesso a armas configura um erro grave em razão dos resultados de estudos científicos que atestam o aumento de mortes em decorrência do aumento de armas [9]. Em 07/05, o decreto é revogado por um novo que prevê alterações mais abrangentes em matéria de posse e porte de armas [veja aqui].
Leia as análises sobre as mudanças do decreto, estudos sobre os efeitos da flexibilização da posse de armas e o balanço da política de segurança pública do governo em 2019.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), veta projeto de lei estadual aprovada em dezembro de 2018 que criaria comitê de prevenção e combate à tortura no sistema carcerário paulista [1]. O projeto já tinha sido aprovado por deputados estaduais na Alesp e visava evitar violações de direitos humanos, contando com peritos independentes [2]. O governador argumentou que o projeto extrapolaria os limites constitucionais de controle, já que segundo Doria funcionaria dentro da Alesp gerando encargos orçamentários e o Legislativo poderia fiscalizar o Executivo, ferindo a separação de poderes [3]. Entidades da sociedade civil publicaram carta coletiva em repúdio à medida do governador [4]. Após o caso, relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos humanos criticam a decisão por violar o compromisso do Brasil com o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, descumprindo compromisso internacional [5]; por isso, pedem à Alesp que tente reverter o veto [6]. A ONU também denunciou ato do dia seguinte da gestão João Doria como governador, referente à proibição do uso de máscaras em protestos [veja aqui]. No âmbito do federal, vale lembrar que Sergio Moro, o ministro da Justiça, baixou portaria que desconsidera recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura [veja aqui] e peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura foram exonerados e proibida a vinculação à sociedade civil organizada [veja aqui].
Leia análise sobre a importância do mecanismo de combate à tortura
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), expede decreto [1] que proíbe o uso de máscaras em protestos e estabelece regras mais rigídas para a realização de manifestações. O decreto regulamenta lei estadual sancionada em 2014 pelo então governador Geraldo Alckmin [2], do mesmo partido de Doria [3]. Na nova regulação é previsto que as manifestações com previsão de mais de 300 pessoas sejam comunicadas com cinco dias de antecedência às autoridades e que os atos devam ocorrer em trajetos previamente acordados com a Polícia Militar (PM) [4]. Já o uso de máscaras é vedado por caracterizar anonimato [5] e o descumprimento das determinações legais se enquadra em crime de desobediência [6]. A principal justificativa do governo estadual para a regulação foi de coibir a atuação dos chamados ‘black blocs’ [7], que seria uma tática de protesto utilizada por militantes [8]. Após apelo da sociedade civil [9], especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) encaminham ofício ao Estado brasileiro solicitando que o governo de São Paulo reveja a regulamentação criada pelo decreto [10]. Essa não é a primeira vez que Doria é repreendido pela ONU por restrições a direitos humanos [veja aqui].
Leia análises sobre a constitucionalidade do decreto, a tática black block, reportagem sobre inquérito sobre manifestantes, a ação da PM em protestos e discussão sobre a constitucionalidade das máscaras em contexto de pandemia da covid-19
Marcus Vinicius Rodrigues, indicado para presidir o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), declara em entrevista que o ‘dono’ do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é o presidente Jair Bolsonaro e que a ele cabe decidir sobre as mudanças na prova [1]. Rodrigues é indicado ao cargo depois que o governo exonera a presidente do Inep em razão das críticas de Bolsonaro ao Enem de 2018 que apresentava vocabulário LGBT [veja aqui]. Rodrigues também afirma que a prova pode sofrer alterações visando melhorias na qualidade, no custo e para que trate do que é importante para o ‘futuro profissional do aluno’ [2]. Em 22/01, ele é nomeado ao cargo [3]. Atualmente, o Inep tem independência na elaboração das avaliações e para que Bolsonaro possa acessar as provas previamente, seria preciso alterar as regras de segurança do Enem [4]. Vale notar que, em março, o governo adota medidas para interferir na prova ao criar uma comissão responsável por analisar suposta ‘ideologia de gênero’ nas questões, para que sejam excluídas [veja aqui] e, em novembro, ocorre o primeiro Enem desde 2009 que não aborda temáticas como ditadura militar, recebendo elogios de Bolsonaro por não terem sido abordados temas ‘polêmicos’ [veja aqui].
Leia a análise sobre os limites de interferência de um presidente nas provas do Enem.
Decreto [1] do vice-presidente, General Hamilton Mourão, altera a Lei de Acesso à Informação (LAI) para permitir que além do presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas, chefes de missões diplomáticas, servidores comissionados, dirigentes de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista possam classificar informações e dados públicos como ultrassecretos, o que os manteria inacessíveis por 25 anos [2]. O Conselho Nacional de Direitos Humanos, através de nota pública, pede a revisão do decreto [3]. Já a Câmara dos Deputados aprova projeto de lei para sustar os efeitos da medida [4]. O decreto também foi questionado por entidades da sociedade civil, que afirmam não terem sido ouvidas no Conselho de Transparência da Controladoria-Geral da União e aguardam a próxima reunião do conselho para que o governo explique a nova medida [5]. No mês seguinte, o Ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) baixa portaria ampliando o número de servidores responsáveis por classificar o sigilo de documentos [veja aqui]. Após os acontecimentos, as disposições do decretos são revogadas por um novo decreto assinado por Bolsonaro [6] no contexto da pandemia da covid-19 [veja aqui].
Leia análise sobre as razões para a classificação e como ela tem sido usada no Brasil.
Representante dos alunos no Conselho Diretor do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) denuncia exclusão de vídeos do canal na internet TV Ines, vinculado ao instituto e que reúne programas em libras [1]. Os vídeos excluídos tratavam de biografias de filósofos e acadêmicos considerados ‘de esquerda’, como Karl Marx, Friedrich Engels e Marilena Chauí [2], além de programas com conteúdo sobre feminismo, população negra, indígena e uma entrevista com o ex-deputado Jean Wyllys [3]. Antes da retirada dos vídeos, já havia circulado uma lista de ‘programas proibidos’ entre os funcionários do canal [4]. A TV Ines é mantida pelo Ministério da Educação (MEC) e as exclusões ocorrem no mês em que Ricardo Vélez Rodríguez, que defende alteração dos livros didáticos [veja aqui], assume o cargo. Após a constatação das exclusões, o Ines instaura sindicância para averiguar a retirada dos vídeos e afirma que eles serão reinseridos no site [5]. Apesar do MEC ter alegado que a apuração preliminar identificou que os vídeos foram retirados em 2018 [6], o histórico do site permite verificar que os vídeos ainda estavam presentes no início de janeiro de 2019 [7]. O episódio se alinha a outros de combate a determinados temas na educação, como pedido para recolhimento de livros de literatura de escolas em Rondônia [veja aqui]. Ressaltem-se, ainda, declarações do presidente Jair Bolsonaro de que a TV Escola ‘deseduca’ [veja aqui], que livros didáticos são ‘amontoado de muita coisa escrita’ [veja aqui] e do Ministro da Educação ao anunciar extinção da secretaria da diversidade e prometer combate ao marxismo [veja aqui].
Leia a análise sobre as características de censura nas exclusões de conteúdo na TV Ines.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), sanciona lei estadual [1], que introduz a classificação indicativa em exposições, amostras, exibições de arte e eventos culturais [2]. De acordo com o texto, a classificação das exposições por faixa etária fica a cargo dos artistas e produtores, que podem ser denunciados por qualquer pessoa que não concorde com a classificação, sendo passíveis de punição pelas autoridades responsáveis [3]. Para artistas e curadores da área, o projeto promove a criminalização de artistas e estabelece censura prévia, uma vez que pressupõe que a manifestação criativa possa trazer algum tipo de malefício e gera um sentimento medo às represálias do poder público [4]. Além disso, ressaltam que a classe artística não foi ouvida e que o projeto contradiz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina ser da responsabilidade dos pais a decisão sobre o acesso dos filhos às manifestações culturais [5]. Após requisição do Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julga a lei estadual inválida, pois viola a competência do governo federal para legislar sobre a matéria, regra prevista na Constituição da República e no ECA [6]. O autor do projeto de lei, discorda da decisão do TJRS, afirmando que a classificação indicativa é uma forma de ‘garantir à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de conteúdos inadequados’ [7]. Atualmente, no Congresso Nacional, tramitam 10 propostas similares [8], algumas das quais citam o caso Queermuseu [9] e a performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo [10], que foram objeto de polêmica e censura.
O general da divisão de chefia da Secretaria de Governo, o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, decide suspender o programa ‘Sem Censura’ da TV Brasil, criado em 1985, logo após a redemocratização, e que foi, por anos, apresentado por Leda Nagle, que aceitou a missão de politizar a TV pública brasileira através de debates plurais [1]. A produção é pega de surpresa pela decisão e tinha vários convidados confirmados para fevereiro [2]. No dia seguinte, após repercussão negativa da medida, o governo volta atrás e mantém o programa; no entanto, as gravações ao vivo só voltam em março [3]. Em 2020, cresce a insegurança da produção com relação à exibição, que deve ser reformulada para um formato sem participação do público e ‘chapa-branca’, ou seja, em prol de um governo específico [4]. Em nota, a Frente Nacional em Defesa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) questiona as mudanças promovidas pelo governo federal no programa, afirmando que a administração visa a ‘desfigurar o modelo de entrevistas e debates’, reduzir o tempo das discussões e transferir a competência de escolha dos convidados à nova direção, o que antes era feito pelo quadro de funcionários [5]. Dossiê feito por funcionários da EBC mostra que o governo Bolsonaro interferiu 138 vezes na emissora [6]. Vale lembrar que o governo tentou unificar a TV Brasil, que é uma estatal, com a NBR, emissora do governo federal, o foi considerado inconstitucional e ilegal pela Câmara dos Deputados [veja aqui] e os funcionários da TV Brasil afirmam que a emissora censurou clipe de Arnaldo Antunes que criticava milicianos [veja aqui].