Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Federal

STF decide que crime de desacato à autoridade é constitucional, sugerindo interpretação restritiva

Tema(s)
Administração, Sistema penal e socioeducativo
Medidas de estoque autoritário
Redução de controle e/ou centralização

Supremo Tribunal Federal entende que crime de desacato à autoridade é constitucional por ter sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988 [1]. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou ação questionando a tipificação do crime sob argumento central de que ele estabeleceria condição de superioridade dos servidores públicos em relação aos cidadãos [2]. O tribunal rejeita a ação, entendendo ser constitucional o crime, porém restringindo sua aplicação. O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, é acompanhado por demais ministros nos entendimentos de que o crime só se aplica no exercício da função e que nem toda crítica enseja desacato, já que os agentes públicos devem ser mais tolerantes ao escrutínio público [3]. Em 2016, a 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia descriminalizado a conduta de desacato por entender que o crime estaria em desacordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) [4]. A Relatoria para a Liberdade de Expressão da OEA já concluiu que o crime de desacato é incompatível com o art. 13 da CADH [5], da qual o Brasil é signatário. Estudo realizado pela entidade da sociedade civil, Artigo 19, aponta que o desacato é responsável pela maioria das detenções realizadas em protestos sociais, atingindo especialmente as regiões periféricas do país [6]. A figura do desacato também se relaciona com episódios de violência policial [7], sendo apontada por especialistas como possível meio de acobertar ilegalidades nas abordagens estatais [8]. Levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa sobre Liberdade de Expressão no Brasil, da PUC-Rio, constatou que das 143 apelações por desacato apreciadas pelo Tribunal de Justiça do Rio do Janeiro em 2018, somente 13 delas absolveram os réus (9% do total). Em 69 casos, dos quais 58 resultaram em condenação (84%), não houve apresentação de testemunhas, ou seja, foi levado em consideração para o julgamento somente a versão dos fatos apresentada pelo agente público contra a do acusado [9].

Leia análises sobre o panorama do crime de desacato no país, possíveis abusos de poder praticados com amparo no tipo penal, discussão se o crime fere a liberdade de expressão, como a figura do desacato é utilizada em países democráticos para punir protestos sociais, semelhanças e diferenças entre desacato e desobediência civil, e estudo que aponta teses jurídicas para sua descriminalização.

19 jun 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Estadual

TJ-RJ concede foro privilegiado a Flavio Bolsonaro em investigação sobre crimes cometidos antes do mandato, ao contrário de posicionamento do STF

Tema(s)
Prerrogativas de função
Medidas de estoque autoritário
Violação da autonomia institucional
Estado
Rio de Janeiro

A 3ª Câmara Criminal (3ª CC) do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) acolhe pedido em habeas corpus do atual senador Flávio Bolsonaro para concessão de foro especial por prerrogativa de função (‘foro privilegiado’) em processo que investiga esquema de recolhimento de parte do salário de funcionários (‘rachadinhas’) na Assembleia Legislativa do estado [1]. Com a decisão, o processo que estava na 1ª instância passa a correr em Órgão Especial do TJ [2]. O pedido feito foi de que o processo fosse julgado por órgão encarregado de julgar deputados estaduais, apesar de Flávio não mais exercer o cargo, que era exercido à época dos fatos [3]. De acordo com o marco mais recente do Supremo Tribunal Federal (STF) [4], o foro especial é aplicável somente a crimes cometidos durante o exercício do cargo e em função dele, com a exceção de que, após a coleta de informações e provas, ele não mais pode ser modificado, ainda que o agente público deixe de ocupar o posto original [5]. Em 2019, o STF também já havia negado sua competência para julgar o caso de Flávio, tendo o ministro Marco Aurélio confirmado a 1ª instância como foro competente [6]. O senador pede, em resumo, aplicação de uma regra inédita, que vai contra qualquer entendimento já estabelecido na área: ele pede foro especial em caso recém iniciado para cargo que não tem mais; não pede para ser julgado pelo STF (foro especial aplicado a senadores), mas sim pelo Órgão Especial do TJ (aplicado a deputados estaduais) [7]. Em razão disso, especialistas criticam a decisão da 3ª CC do TJ-RJ [8]. Em 27/06, o partido Rede Sustentabilidade aciona o STF [9] contra a medida [10]. Em 29/06, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) também ajuíza ação no STF contra a decisão [11] [12], contra a qual a Procuradoria-Geral da República se manifesta [13]. Em 23/01, Gilmar Mendes, ministro do STF, em resposta à defesa de Flávio, suspende o julgamento das ações que decidem sobre a competência da investigação do caso [14]. Em 28/05, Mendes volta a incluir na pauta da Corte a ação em que o MP-RJ contesta a decisão que concede o foro privilegiado ao senador. A data do julgamento ainda não está marcada [15]. Nesse meio tempo, surgem suspeitas sobre a imparcialidade de desembargador da 3ª CC [16]. Em 30/06, a defesa também pede arquivamento da ação ajuizada pela Rede [17]. Em agosto, o MP-RJ perde prazos para apresentar recursos à decisão do TJ e a mídia apura suspeitas de intencionalidade de procuradora na inação [18] [19] [20]. Nesse mesmo mês, ex-assessor de Flávio é preso, o que gera críticas do presidente [veja aqui]. Vale notar que historicamente a família Bolsonaro deu diversas declarações contra a existência do foro privilegiado, defendendo ao menos nove vezes sua extinção desde 2009 [21] e pesquisa recente sobre a temática revela a disfuncionalidade do instituto, cuja aplicação foi recusada em mais de 52% dos casos em julgamento no STF entre 2007 e 2016 [22]. Segundo apuração da imprensa, STF deve manter o foro privilegiado [23]. Em 06/08/21, desembargadora do TJ-RJ acolhe pedido do MP-RJ e autoriza a retomada do processo [24], que estava suspenso desde a decisão de Gilmar Mendes [25].

Leia a reportagem sobre o que é o foro por prerrogativa de função, a pesquisa sobre o instituto no STF e as análises sobre implausibilidade do pedido de Flávio, o que muda com essa prerrogativa, a cronologia dos fatos relevantes, as decisões já dadas em benefício do réu.

25 jun 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Estadual

Ministério Público move processo contra artista por ‘espetáculo obsceno’

Tema(s)
Cultura, Liberdade Artística
Medidas de estoque autoritário
Construção de inimigos
Estado
Paraná

Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR) denuncia o artista Maikon K pela performance ‘DNA de DAN’ realizada em outubro de 2017 no anfiteatro do Lago Igapó na cidade de Londrina (PR), acusando-o de exibir um ‘espetáculo de caráter obsceno’ e praticar ‘atentado ao pudor’, como apurado pela imprensa nesta data [1]. A apresentação, que consistia em uma performance com o corpo nu dentro de uma esfera plástica e translúcida, foi interrompida pela Polícia Militar, após a denúncia de uma pessoa [2]. À época, a equipe responsável pelo Festival de Dança, em que se inseria a atuação, informou a todos que o espetáculo envolvia nudez [3], porém o MP defende que ‘havia uma pista de caminhada/corrida, local pelo qual passam as pessoas, inclusive crianças e adolescentes’ [4]. O ator não foi preso, como ocorreu em Brasília , pois os espectadores fizeram uma corrente em torno da performance e a deslocaram para outro ponto [5], no entanto, foi lavrado Termo Circunstanciado em desfavor do artista [6]. Em junho de 2020, a Justiça paraense determina o trancamento da ação penal movida contra Maikon K; de acordo com o desembargador relator, Aldemar Sternadt, a situação é ‘absurda, desarrazoada e inaceitável’ [7]. Para ele, aqueles que denunciaram e interromperam a performance são ‘hipócritas que acreditam ter o poder de censurar o que o vizinho pode ouvir, ver e consumir’ e a atuação policial foi ‘ilegal, abusiva e com finalidade castrense’ [8]. Para o advogado de Maikon K, a decisão mostra que a população ‘tem consciência e cultura para decidir o que ela deve acompanhar ou prestigiar’ e não precisa de censor [9]. O artista afirma que preferiu não fazer um acordo com a Justiça porque seria ‘assumir uma culpa’ que não teve e que sua atitude pode ‘proteger outros artistas’ e seu ‘próprio trabalho no futuro’ [10]. Produtora cultural que coordenou o festival declara que após a performance ‘teve um movimento de fake news’ que a assustou porque eram comentários ameaçadores e violentos contra a organização do evento [11]. Em outros momentos, o MP-SP investigou exposição no Museu de Arte Moderna por performance nu [12] e o governador do Rio de Janeiro censura peça de teatro com cena de nudez [veja aqui].

Leia mais sobre a polêmica em torno da performance ‘DNA de DAN’ e os limites da liberdade artística.

26 jun 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Federal

Ministro do STF suspende processos judiciais sobre direitos trabalhistas em razão da pandemia de covid-19

Tema(s)
Trabalho
Medidas de emergência
Restrição a direitos fundamentais

Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal (STF) decide suspender todas as ações trabalhistas referentes à correção monetária de dívidas, tendo por fundamento que ‘diante da magnitude da crise [pandêmica], a escolha do índice de correção de débitos trabalhistas ganha ainda mais importância’. A decisão, em sede liminar, ocorre em caso que discute se a correção monetária deve ser feita através do Índice de Preço ao Consumidor Ampliado Especial (IPCA-E) ou da Taxa Referencial (TR). A reforma trabalhista de 2017 estipula a TR como base de aplicação [1]. A suspensão dos processos trabalhistas ocorre dois dias antes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) finalizar julgamento sobre a discussão dos índices, tendo já formado maioria no sentido de afastar a TR como critério de aplicação e utilizar o IPCA-E como índice de correção monetária, tido como mais benéfico aos trabalhadores. Dos 27 ministros do TST votantes no caso, 17 já haviam declarado a inconstitucionalidade da TR, e 16 apontado o IPCA-E como novo parâmetro [2]. No passado, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, já tinha se manifestado contra a reforma trabalhista de 2017 e a favor da adoção do IPCA-E [3]. Em 01/07, Gilmar Mendes concede novo despacho que dá prosseguimento somente a ações trabalhistas que usam a TR como base, vetando a aplicação do IPCA-E [4]. As decisões do ministro apresentam potencial de impedir o pagamento de até R$ 1 bilhão, por mês, em causas ganhas por trabalhadores [5].

Leia textos explicativos sobre a Taxa Referencial (TR) e o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA).

27 jun 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Federal

Ministra do STF nega pedido de habeas corpus coletivo pela não internação de jovens infratores durante a pandemia, em desatenção à Recomendação 62 do CNJ

Tema(s)
Saúde, Sistema penal e socioeducativo
Medidas de emergência
Restrição a direitos fundamentais
Estado
Amapá

A Ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal (STF) nega pedido em habeas corpus (HC 187477) [1] impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) em prol da não internação de adolescentes infratores durante a pandemia no estado do Amapá [2]. Em abril, juiz de primeiro grau decidiu suspender a execução de mandados de busca e apreensão em aberto contra jovens infratores sentenciados, de modo a cumprir a Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [3], que prevê, por exemplo, a priorização da aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto e a reavaliação das medidas de internação já sentenciadas [4]. A decisão do juiz de primeira instância foi questionada pelo Ministério Público Estadual [5]. O pedido da DPU por meio do HC coletivo ao STF buscava garantir a suspensão das internações durante o período de crise sanitária e indicava que o centro de internação do Amapá viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) [6] ao apresentar estrutura precária e insalubre [7]. A decisão do STF ocorre no momento que se registra aumento de 800% na taxa de contaminação de covid-19 no sistema prisional [veja aqui] e da contabilização pelo CNJ em julho de 1.815 casos confirmados e 14 óbitos no sistema socioeducativo, o que representa aumento de 139,1% de casos em relação ao último mês [8]. Em agosto, outro habeas corpus coletivo sobre o tema (HC 143988) [9] é julgado pela 2a turma do STF que determina o fim da superlotação no sistema socioeducativo e elenca medidas para serem adotadas, como limitação do número máximo de internos, reavaliação dos casos e agendamento de audiências [10].

Leia análises sobre as medidas de proteção e acolhimento de crianças e adolescentes durante a pandemia, a superlotação em unidades de privação de liberdade de adolescentes, o conceito de medida socioeducativa, e assista audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a situação dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil.

01 jul 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Federal

Tribunal Superior Eleitoral proíbe cassações de prefeitos durante a pandemia

Tema(s)
Eleições
Medidas de emergência
Flexibilização de controle

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decide não ser possível executar a cassação de prefeitos durante o estado de calamidade pública decorrente do coronavírus. O argumento central da decisão entende que a situação anormal da saúde pública decorrente da pandemia demanda medidas excepcionais que não podem ser interrompidas por eventual troca nos governos municipais [1]. O ministro Luís Roberto Barroso, presidente da corte eleitoral, alega que apesar do entendimento ser fixado na análise de dois casos específicos (prefeito de Ribeira do Piauí (PI), condenado pela compra de votos; e prefeito de Presidente Figueiredo (AM), por receber doações empresariais para campanha eleitoral), que pretende adotar a mesma linha de raciocínio em novos casos análogos [2]. A Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) se manifesta no sentido de que a pandemia não deveria servir como ‘salvo-conduto’ para que irregularidades sejam cometidas, e que eventual governo municipal sucessório teria condições de dar continuidade às políticas de combate a covid-19 [3]. Nesse contexto, diversas gestões são acusadas de irregularidades em compras emergenciais durante a pandemia , em pelo menos 11 estados e o DF [4]. Em novo julgamento, no entanto, o TSE muda sua posição e defende que a pandemia não é mais impedimento para a cassação de mandatos. A decisão ocorre na apuração de abuso de poder político por parte do prefeito de Lins (SP), na qual a Corte eleitoral afastou o prefeito e ordenou eleições indiretas pela Câmara Municipal para complementar o mandato eleitoral [5].

Leia mais sobre os dois casos que serviram de parâmetro para a fixação do novo entendimento pelo TSE.

01 jul 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Federal

Presidente do STJ concede pedido de prisão domiciliar à Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, em contraste com suas decisões contrárias em casos similares

Tema(s)
Prisões, Sistema penal e socioeducativo
Medidas de emergência
Restrição a direitos fundamentais

Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, concede pedido em habeas corpus (HC) de prisão domiciliar para Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro acusado de participar de esquema de ‘rachadinhas’ e preso em 18/06 [veja aqui]. Na decisão, o ministro aponta enquadramento das condições de saúde de Queiroz na Recomendação 62/2020 do CNJ, que orienta a substituição da prisão provisória por domiciliar devido a crise sanitária [1]. Em casos análogos, cujos pedidos pela prisão domiciliar também se basearam nas condições de saúde dos presos, Noronha decidiu de forma diversa: manteve preventivamente presos idosos e grávidas, sob justificativa de que o mérito ainda não teria sido julgado por tribunal inferior (TJ-CE) [2]; e negou outros 7 pedidos de HC baseados no risco de contaminação pela covid-19 [3]. Especialistas apontam que a decisão de Noronha no caso Queiroz deveria ser aplicada de modo uniforme, garantindo liberdade provisória de todos os pertencentes aos grupos de risco [4]. Igualmente, no Supremo Tribunal Federal (STF) há rejeição de quase 85% dos pedidos que se utilizaram do mesmo argumento que permitiu a soltura de Queiroz pelo STJ: maior risco à saúde nas prisões por conta do coronavírus [5]. Após a decisão no STJ, novos pedidos pela prisão domiciliar [6] são apresentados ao próprio ministro Noronha, como o realizado pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) em prol de todos os pertencentes ao grupo de risco da covid-19, presos preventivamente por crimes sem violência [7]. O pedido formulado pelo CADHu, no entanto, é prontamente negado pelo ministro [8]. O Senador Alessandro Vieira (Cidadania) apresenta reclamação disciplinar contra Noronha na Corregedoria Nacional de Justiça [9]. Em 13/08, o ministro do STJ Felix Fischer, revisor da decisão de Noronha, revoga a prisão domiciliar de Queiroz e determina seu encaminhamento para cárcere privado [10]. A defesa de Queiroz recorre ao STF e, no dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes concede o pedido de habeas corpus, anulando a decisão de Fischer e possibilitando a permanência de Queiroz em prisão domiciliar [11]. Em 02/09, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recorre da decisão de Gilmar Mendes solicitando o encaminhamento de Queiroz ao cárcere privado [12].

Leia explicação do que é a ‘rachadinha’, análise crítica ao caso Queiroz, o modo como o TJ-SP tem julgado casos envolvendo grupos de risco durante a pandemia, e como o STJ se tornou arena de disputas judiciais envolvendo a família Bolsonaro.

09 jul 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Federal

Infecção por covid-19 nas prisões aumenta 134% em um mês e recomendação do CNJ segue não sendo aplicada

Tema(s)
Prisões, Saúde
Medidas de emergência
Restrição a direitos fundamentais

Dados divulgados pelo Departamento Penitenciário (Depen) [1] apontam aumento de 134% dos casos confirmados de covid-19 para pessoas privadas de liberdade; número superior ao aumento de 82% verificado no mesmo período para a população brasileira [2]. De acordo com apuração, os números de casos de infecção em 28 de junho foram de 4.473 frente a 10.471 casos em 27 de julho [3]; na semana seguinte, em 03/08, esse número já atingia 13.305 casos, segundo informado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [4]. O aumento de casos coincide com a ampliação da aplicação de testes na população carcerária [5]; no entanto, organizações consideram que os números são subnotificados e apontam inconsistências metodológicas, como a variação do número de testes informados pelo Depen [6]. Os indícios de subnotificação coincidem com denúncias de que o governo de São Paulo teria omitido 11 mil casos de covid-19 em junho [veja aqui]. O aumento de contaminações ocorre no contexto de renovação da Recomendação 62 do CNJ [7] – orientações ao Judiciário para adoção de medidas à prevenção do coronavírus nos sistemas prisional e socioeducativo -, registrando-se baixa adesão do Judiciário em cumprir as diretrizes oficiais [veja aqui]. Em São Paulo, estado que lidera o número de contaminações [8], pesquisa revela que o Tribunal de Justiça negou 88% dos pedidos de habeas corpus fundamentados pela aplicação da Recomendação [9]. Igualmente, no Superior Tribunal de Justiça, observa-se a rejeição de quase 85% dos pedidos com a mesma fundamentação [veja aqui].

Leia análises sobre decisões judiciais que ignoram os efeitos da covid-19 para população prisional, os impactos do coronavírus no sistema carcerário para população negra, o direito a saúde para pessoas presas, e assista documentário sobre o tema.

27 jul 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Estadual

Presidente do TJ-SP baixa portaria que declara informações do tribunal como ‘ativo’ a ser protegido, diminuindo a transparência

Tema(s)
Informação, Transparência
Medidas de estoque autoritário
Redução de controle e/ou centralização
Estado
São Paulo

Após controvérsias acerca dos gastos realizados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) – que prometera R$ 100 mil a desembargadores que julgassem em Câmaras Extraordinárias e em seguida voltou atrás [1] -, o presidente do tribunal, Geraldo Pinheiro Franco, baixa nova portaria [2] sobre a Política de Segurança da Informação (PSI) [3]. A portaria anterior [4], publicada em novembro de 2019, estipulava como diretriz que toda informação ‘gerada, em trânsito e/ou custodiada pelo TJSP’ seria de sua propriedade. Com a nova normativa, não só se prevê a propriedade do tribunal, como se estipula textualmente a integração das informações, inclusive as adquiridas e utilizadas pelo tribunal, ao patrimônio do TJSP [5]. Ainda, fica prevista a possibilidade de punição a magistrados, servidores e terceirizados que descumprirem a PSI do TJSP, mesmo que por desconhecimento. Se, por um lado, a normativa estaria agora adaptada à Lei Geral de Proteção de Dados [veja aqui], conforme declarado pelo próprio tribunal, também se enxergam riscos. Os próprios servidores e magistrados têm questionamentos sobre a possibilidade de punição por darem acesso a informações a jornalistas e pesquisadores [6], o que poderia ter efeito dissuasório para a transparência. Na prática, o sigilo pode se tornar regra, por medo de que haja punição pelo acesso a informações, afirma especialista na área [7]. Também, é de se questionar a classificação das informações como de pertencimento do tribunal: ainda que os dados sejam importantes ativos, eles seriam ‘bens públicos, da sociedade’ e, portanto, deveriam ser sujeitos a uma política de ampla disponibilização, conforme aponta outra especialista no setor [8]. Outras medidas já foram tomadas para a diminuição da transparência governamental, principalmente no executivo federal, como a suspensão de prazos para o acesso à informação [veja aqui], o incremento de negativas a esses pedidos no Ministério da Saúde [veja aqui], o ‘apagão de dados’ da covid-19 [veja aqui] e declarações ministeriais no sentido da restrição à informação [veja aqui].

Leia o relatório de pesquisa sobre a importância da informação durante a pandemia de covid-19 e a trajetória da lei de acesso à informação desde 2012.

20 ago 2020
 
Tipo de Poder
Poder Formal
Esfera
Judiciário
Nível
Federal

Ministro do STJ afasta monocraticamente o governador do RJ

Tema(s)
Administração, Conflito de poderes
Medidas de estoque autoritário
Redução de controle e/ou centralização
Estado
Rio de Janeiro

O ministro Benedito Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide afastar o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, pelo período de 180 dias [1]. A decisão ocorre no âmbito de uma investigação criminal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre possíveis irregularidades e esquema de corrupção envolvendo a contratação de serviços e equipamentos de saúde no contexto da crise sanitária da covid-19 [2]. Em nota, a defesa do governador diz que a decisão é recebida com ‘surpresa’ e afirma que aguarda ‘acesso ao conteúdo da decisão para tomar medidas cabíveis’ [3] e o governador declara que é vítima de perseguição política do governo federal [4]. Cinco dias depois, 14 dos 15 magistrados que compõem o colegiado do STJ confirmam o afastamento por 6 meses [5]. O voto divergente, do ministro Napoleão Nunes Maia, ressalta que não cabe ao Judiciário tomar decisões políticas, alegando que a defesa do governador não teve a oportunidade de ser ouvida antes da retirada do cargo, o que violaria o direito de defesa [6]. De modo semelhante, a ministra Maria Thereza, a despeito de votar com a maioria, afirma que ‘trata-se de governador eleito com mais de 4 milhões e 600 mil votos’, de modo que a decisão não deveria ter sido dada isoladamente por apenas um magistrado da corte [7]. Igualmente, jurista e professor da USP explica que o fundamento da decisão não está contemplado na Constituição do Rio de Janeiro, segundo a qual a suspensão do cargo é prevista na hipótese de que o representante se torne réu de um processo, o que não inclui a fase de investigação [8]. A decisão do STJ é amparada por uma interpretação do Superior Tribunal Federal (STF) de 2017 que entendeu que governadores estão submetidos à aplicação de medidas cautelares do Código de Processo Penal, incluído o afastamento do cargo, interpretação que amplia a atribuição de poderes do Judiciário no âmbito político [9]. Vale lembrar que, além das investigações criminais, Witzel responde atualmente a processo de impeachment aberto em junho pela Alerj [10]. Em 09/09 o STF indefere recurso de Witzel e mantém afastamento [11]. Em 17/09 a Alerj aprova relatório favorável ao prosseguimento do impeachment [12], e em 23/09 o processo por crime de responsabilidade é aberto [13]. Desde o começo da pandemia, diversos pedidos de impeachment de governadores já foram feitos e o Tribunal Superior Eleitoral suspendeu temporariamente a cassação de prefeitos na pandemia [veja aqui]. Em fevereiro do ano seguinte, o STJ acata por unanimidade a denúncia de corrupção e lavagem de dinheiro apresentada contra Witzel e posterga seu afastamento do cargo pelo período de 01 ano [14].

Leia análises sobre quais os argumentos do STJ para fundamentar a decisão, as limitações jurídicas dos fundamentos, e sobre as possíveis influencias políticas, leia também entrevista com cientista político sobre como a decisão afeta o Estado de Direito, e ouça podcast sobre o caso.

28 ago 2020
Mês Filtros