Publicações em série nas redes sociais apontam que caixões vazios seriam supostamente enterrados em diversos estados para distorcer a realidade e gerar pânico na população quanto ao número de mortes decorrentes do coronavírus. Levantamento realizado pelo ‘Monitor do Debate Político no Meio Digital’ (USP) em parceria com o ‘Eleições Sem Fake’ (UFMG) aponta que 30% dos vídeos e fotos mais compartilhados sobre o coronavírus em grupos de WhatsApp, na semana entre 01/05/2020 e 07/05/2020, eram fake news sobre caixões vazios [1]. A deputada federal Carla Zambelli (PSL) afirmou, em entrevista à Radio Bandeirantes, que caixões vazios estariam sendo enterrados no estado do Ceará, e tentou minimizar a crise pandêmica gerada pelo coronavírus [2]. Em reação, o governo do Ceará divulgou nota de repúdio ao comentário e afirmou que medidas jurídicas serão tomadas contra a fake news espalhada pela deputada federal [3].
Leia a análise sobre como funciona a propagação de fake news sobre o coronavírus.
Cerca de um mês após aprovação de lei ‘anti fake news’ no estado da Paraíba [veja aqui], o governo do Ceará aprova legislação muito similar no estado [1]. Com ela fica prevista multa de até R$ 2,3 mil [2] para quem divulgar dolosamente, por meio eletrônico ou similar, notícias falsas sobre epidemias, endemias e pandemias no estado [3]. A medida também foi criticada, já que pode ‘colocar nas mãos de autoridades a definição de conceitos que elas nem sempre têm competência para avaliar’, como afirma o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) [4]. Na mesma semana em que a lei foi sancionada, o governo anunciou a criação de agência de checagem de dados (29/04) [5], o que, por sua vez, teve alguma repercussão positiva. Com ela, o objetivo é verificar a veracidade de notícias e combater a veiculação de ‘notícias imprecisas, exageradas ou mentirosas’ [6]. O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), por exemplo, elogiou essa iniciativa, apesar de também tecer críticas à lei de fake news [7].
Leia as análises sobre a lei de fake news no Ceará, o espraiamento dessas leis pelo país, o cenário global e o uso político de ferramentas jurídicas durante a pandemia.
Governo do Acre sanciona lei [1] que prevê multa de até R$ 7,4 mil a quem divulgar notícia falsa com a devida consciência e intenção. Com redação similar às leis anteriores de Paraíba [veja aqui] e Ceará [veja aqui], a lei acreana prevê também, diferente das outras, multa em dobro em caso de reincidência e impedimento de participação em concursos públicos em caso de inadimplência [2]. Segundo um dos deputados autores do projeto de lei, Chico Viga (PHS), ela serviria para proteger o trabalho jornalístico, dificultado pelo espalhamento de informações falsas [3], e também auxiliar no enfrentamento da pandemia, na medida em que inibe a circulação de notícias desqualificadoras da importância do isolamento social [4]. Críticas à lei podem ser levantadas, no entanto, dada a vagueza de seus termos e a limitação da liberdade de expressão [veja aqui].
Leia as análises sobre o espraiamento de leis sobre fake news pelo país, esse cenário no mundo e o uso político de ferramentas legais durante a pandemia – em inglês.
Emenda Constitucional [1] institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública decorrente da pandemia da covid-19. Dentre as principais medidas, a emenda dá liberdade para gastos públicos sem observância dos limites legais comumento impostos, e autoriza o Banco Central a comprar ativos diretamente de empresas privadas (a regra é de que o BC só possa comprar títulos do Tesouro Nacional). Outro ponto importante é a queda da obrigação governamental de ter de garantir competição e igualdade de condições a todos os concorrentes em processos de compras públicas e contratação de obras e outros serviços [2]. A medida foi criticada pela Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), que aponta retrocesso no arcabouço de administração do dinheiro público com responsabilidade [3]. A flexibilização do processo de compras públicas durante a quarenta também ocorreu em outras oportunidades. As Medidas Provisórias 926 [veja aqui] e 961 [veja aqui], bem como a Lei 13.979 [veja aqui] previram hipóteses de dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública.
Leia análises sobre o objetivo do ‘orçamento de guerra’ e as principais medidas adotadas, bem como explicações sobre o estado de calamidade pública.
Governo do Estado de Mato Grosso aprova lei contra disseminação de fake news na pandemia [1]. Projetos semelhantes foram aprovados no Acre [veja aqui], Paraíba [veja aqui], Ceará [veja aqui], Bahia [veja aqui] e Roraima [veja aqui]. Neste caso, a lei estabelece multas de R$ 3 mil a R$ 30 mil para quem intencionalmente divulgar por meio eletrônico notícias falsas sobre epidemias, endemias ou pandemias no Estado de Mato Grosso [2]. A lei também afirma que as multas serão revertidas para o apoio ao tratamento de epidemias no Estado [3]. O deputado autor do projeto, Valdir Barranco (PT), afirma que a lei se justifica, pois a divulgação de notícias falsas tem provocado grandes prejuízos à sociedade no contexto da pandemia do coronavírus [4]. Segundo o deputado, ‘não se trata de tolher a liberdade de expressão individual ou de imprensa, mas de preservar e valorizar informações verdadeiras’ [5]. Leis como a aprovada em Mato Grosso têm sido criticadas por especialistas, pois não estabelecem o que são ‘notícias falsas’ e não consideram que grande parte das informações falsamente divulgadas são feitas por pessoas sem a consciência de sua falsidade [6]. Entre o começo de março e o começo de junho de 2020, 26 projetos de leis foram lançados para combater notícias falsas na pandemia [veja aqui] e ao menos 21 dos 26 estados brasileiros apresentaram iniciativas nesse sentido .
Leia análise sobre o surgimento de projetos que pretendem alterar a estrutura de regulação da liberdade de expressão na internet.
Presidente Jair Bolsonaro veta parcela do projeto da lei, convertido na Lei 13.998/20 [1], e transforma o auxílio emergencial, para parte dos beneficiários, em empréstimo. O auxílio emergencial foi aprovado pela Lei 13.982/20 [2] e destina-se a ajudar parte da população que sofre com os efeitos econômicos decorrentes da pandemia do coronavírus [veja aqui]. A partir das novas alterações legais, o valor recebido pelo auxílio deverá ser devolvido ao governo em 2021 no caso dos beneficiários receberem, até o fim de 2020, valores tributáveis acima do limite de isenção do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Desse modo, os R$ 600 mensais recebidos deverão ser somados ao imposto devido na declaração de IRPF de 2021 [3]. A nova alteração legal também exclui o auxílio emergencial para uma série de categorias específicas, como pescadores artesanais, agricultores familiares, artistas e técnicos de espetáculo, taxistas, motoristas, entregadores de aplicativo, entre outras. A justificativa apresentada por Bolsonaro é de que a ampliação para tais categorias criaria despesas sem que estejam indicadas as fontes de recurso, além de ferir o princípio da isonomia por especificar determinadas categorias beneficiadas em detrimento de outras [4]. Antes disso, o pagamento do auxílio emergencial já havia sido alvo de atrasos por parte do governo federal [veja aqui], além de enfrentar outras complicações [veja aqui]. Em setembro, é publicada a Medida Provisória nº 1.000/2020 [5], que institui o ‘auxílio emergencial residual’. A medida reduz o valor do auxílio de R$ 600 para R$ 300 e não atinge todos os beneficiários do auxílio anterior, deixando de fora os que em declaração de imposto de renda tenham informado apuração anual superior a R$ 40 mil e os que obtiverem emprego formal após o início do recebimento do auxílio integral [6].
Leia análises sobre o veto de Bolsonaro e as consequências ao auxílio emergencial, bem como as principais falhas de acesso ao benefício.
Além de Acre [veja aqui], Paraíba [veja aqui] e Ceará [veja aqui], Roraima aprova projeto de lei sobre a disseminação de fake news no contexto da pandemia [1]. Com ela, fica estabelecida multa entre R$3.853 a R$9.634 [2] para ‘quem dolosamente divulgar por meio eletrônico ou similar notícia falsa sobre epidemias, endemias e pandemias no Estado de Roraima’ [3]. O dispositivo espelha os termos daqueles já promulgados na Paraíba [4], Ceará [5] e Acre [6]. Diferentemente das outras leis, porém, esta já prevê que qualquer cidadão pode requerer investigação sobre notícias falsas por meio de Boletim de Ocorrência [7]. A medida teria por objetivo a proteção da população contra a desinformação [8], mas é criticada por especialistas. Como também nos outros casos, a lei não estabelece o que seriam ‘notícias falsas’ e nem como fica comprovado o dolo (intenção consciente de causar dano); não considera o fato de que grande parte das informações falsamente divulgadas seriam feitas por pessoas sem a consciência de sua falsidade e que pode restringir a liberdade de expressão e imprensa no país [9]. Segundo dados de centro de pesquisa, entre o começo de março e o começo de junho 26 projetos de leis foram lançados para combater notícias falsas na pandemia [10] e outros dados apontam que ao menos 21 dos 26 estados brasileiros apresentaria iniciativas nesse sentido . No Rio Grande do Norte, um decreto estadual também deste mês pune a divulgação de notícias falsas [veja aqui].
Leia as análises sobre a disseminação de leis contra fake news pelo país, esse cenário no mundo e o uso político de ferramentas legais durante a pandemia – em inglês.
Após suspender a publicidade em um site acusado de compartilhar notícias falsas, no mesmo dia o Banco do Brasil recua da decisão [1]. A iniciativa de interromper os anúncios no site ‘Jornal da Cidade Online’ foi anunciada nas redes sociais e aconteceu em resposta a campanha do movimento Sleeping Giants Brasil, cujo objetivo é desestimular a publicidade em sites considerados ‘racistas ou de fake news’ [2]. Em seguida, Carlos Bolsonaro (filho do presidente e vereador pelo Republicanos) publica postagem criticando a decisão do banco [3]. No mesmo dia, a instituição financeira decide voltar atrás na decisão. Seu presidente, Rubem Novaes, afirma não concordar com a restrição e o gerente de marketing, Antonio Mourão (filho do vice-presidente Hamilton Mourão) afirma considerar a suspensão ‘exagerada’ [4]. O chefe da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência, Fabio Wajngarten, também critica o perfil, afirmando que teria ‘viés ideológico’ e que contornaria o caso relacionado ao Banco do Brasil [5]. A subprocuradoria que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) apresenta representação junto ao tribunal pedindo que se apure a interferência da família do presidente e de Wajngarten no banco [6] e o plenário do Tribunal decide pela suspensão de parte dos contratos para publicidade da instituição, tendo como alvo sites de ‘fake news’ [7]. Decisão no mesmo sentido é tomada pela corte quanto à Caixa Econômica Federal [8]. Em agosto, a página do Twitter ‘Sleeping Giants Brasil’, movimento que monitora a veiculação de publicidade com conteúdo preconceituoso ou falso [9], identificou novo anúncio do Banco do Brasil que indicava site de apoio a Bolsonaro e já condenado judicialmente por propagar notícias falsas. Cinco dias depois da denúncia, a Polícia Federal instaura inquérito contra a página Sleeping Giants, o qual é em seguida arquivado a pedido do Ministério Público [10]. Há outra questão envolvendo verbas para sites de fake news no governo, referente à reforma da previdência [veja aqui].
A deputada federal Bia Kicis (PSL), defende a possibilidade de intervenção militar em caso de conflito entre os poderes [1]. Em plenária, Kicis afirma que em caso de divergência entre os poderes Legislativo e Executivo sobre ‘como é que se aplica a lei’, não é o Supremo Tribunal Federal (STF) que deve intervir e sim as Forças Armadas (FA), atuando como poder moderador [2]. A parlamentar ainda diz que a intervenção militar está prevista na Constituição [3] para ‘permitir que o presidente atenda livremente ao povo que o elegeu’ [4]. No mesmo mês, o presidente Jair Bolsonaro destaca seu poder frente as FA e diz que havendo necessidade pode pedir a intervenção do exército , baseando-se em interpretação constitucional análoga a da deputada Kicis. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifesta em parecer afirmando que não existe relação entre o artigo da Constituição Federal citado pelo chefe do Executivo e pela deputada, e que a intervenção militar em outros poderes é considerada inconstitucional por juristas [5]. Em outras oportunidades, o filho do presidente e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL), disse que ruptura institucional seria questão de ‘quando’ e não ‘se’ e sugeriu atuação do Executivo contra o STF [veja aqui]; o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que interferência de um poder sobre outro poderia causar atuação das Forças Armadas [veja aqui]; e o presidente Bolsonaro afirmou que os militares seriam os ‘verdadeiros guardiões’ da democracia [veja aqui]. Em 2021, Kicis é nomeada para presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados [veja aqui].
Leia análise sobre as interpretações em torno do artigo 142 da Constituição Federal.
Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente, defende ‘medida energética’ por Jair Bolsonaro. A declaração é dada em entrevista ao canal ‘Terça Livre’, onde Eduardo também afirma que não é questão de ‘se’ haverá um ‘momento de ruptura’, e sim de ‘quando’ isso ocorrerá [1]. As falas se dão em contexto de críticas às decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Celso de Mello no processo sobre fake news . O dono do canal onde a fala foi proferida, Allan dos Santos, é um dos alvos da operação [2]. Em 28/05, Eduardo afirma em outra entrevista que seria ‘natural’ se a população recorresse às Forças Armadas (FAs) caso se sentisse insatisfeita com o Congresso e o STF [3]. Citando o jurista Ives Gandra, que defende intervenção militar com base no artigo 142 da Constituição Federal [4] (que foi alvo de outros embates no governo [veja aqui]), Eduardo afirma ainda que as FAs teriam um ‘poder moderador’ [5]. No mesmo dia, Jair Bolsonaro divulga em suas redes ‘live’ com Gandra para publicizar o artigo [6]. Celso de Mello envia em 29/05 para o procurador-geral da República notícia-crime contra o deputado federal por crime presente na Lei de Segurança Nacional [7], , e em 01/07 o órgão inicia apurações preliminares [8]. O presidente da Câmara dos Deputados afirma que os militares são responsáveis e ‘sabem o seu papel’ [9]; a oposição ao governo no Senado pede medidas da Casa contra as declarações e possibilidade de um golpe [10].
Leia as análises sobre a inexistência de intervenção militar constitucional, o artigo 142 da Constituição Federal, o texto de Ives Gandra, sua gênese e parecer da OAB sobre o artigo.