Uma faixa na entrada do Centro Cultural Banco do Nordeste com os dizeres ‘Em terra de homofóbicos casamento gay é arte’ é retirada sem anuência de artistas ou da curadoria na ocasião da mostra da 70ª edição do Salão de Abril, organizada pela Prefeitura de Fortaleza [1]. Os artistas Eduardo Bruno e Waldírio Castro, selecionados na mostra, transformaram seu casamento em uma exposição denominada ‘O que pode um casamento (gay)?’ [2]. Uma funcionária do equipamento sugeriu que os artistas retirassem a faixa após a abertura do evento, ao que Bruno se recusou e marcou uma reunião com membros do Banco do Nordeste [3]. No entanto, a faixa foi retirada antes mesmo da reunião, sem a anuência dos artistas ou da curadoria [4]. Bruno afirma que se trata de um caso de censura e homofobia e os artistas decidem retirar sua exposição do centro cultural [5]. Em nota, o Banco do Nordeste afirma que a retirada da obra foi motivada pela descaracterização da fachada do prédio e comprometimento de sua identidade visual [6]. Após o caso, o gerente executivo do centro cultural, Gildomar Marinho, foi transferido do cargo [7]. Dias depois, outros nove artistas retiram suas obras em razão do ocorrido [8]. No mês anterior, Bolsonaro veta campanha publicitária do Banco do Brasil que pautava diversidade sexual [veja aqui]. Em setembro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mantém a censura do prefeito Marcelo Crivella a livros de temática homossexual na Bienal do Livro [veja aqui] e a Caixa Cultural cancela espetáculos com temática LGBT [veja aqui]. No mês seguinte, o presidente Jair Bolsonaro afirma que vetar obras culturais não é censura e visa a ‘preservar valores cristãos’ [veja aqui] e, em outra oportunidade, suspende edital federal para a televisão em razão da presença de produções com temática LGBT [veja aqui].
Leia mais sobre a história do casamento homoafetivo no Brasil e leia as análises sobre censura na arte no Brasil e no mundo.
Presidente Jair Bolsonaro nomeia candidato com menor número de votos em consulta universitária e segundo colocado em lista tríplice para o cargo de reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC) [1]. O professor José de Albuquerque, nomeado reitor pelo presidente, teve apenas 4,6% dos votos [2], enquanto o primeiro colocado da lista tríplice recebeu 64,8% do total [3]. O processo de escolha dos reitores universitários precede de eleição universitária e formação de lista tríplice, pelo Conselho Universitário, que é encaminhada para nomeação pelo presidente da República. Desde o governo Lula existe tradição do presidente nomear o primeiro colocado da lista, em respeito à consulta acadêmica e autonomia universitária [4]. Durante sua campanha, Albuquerque criticou o atual processo de escolha ao dizer que ‘debate ideológico não é bom’ e que a eleição direta pela comunidade acadêmica trata de uma ‘batalha ideológica e gera disputa política’, prometendo rever o processo caso eleito [5]. Após a nomeação feita por Bolsonaro, entidades acadêmicas e sindicais criticam a postura do presidente e não reconhecem o novo reitor [6]. Estudantes da UFC realizam protestos contra a nomeação [7]. Essa não foi a primeira vez que Bolsonaro não nomeou para reitor universitário o primeiro colocado da lista tríplice eleito pela comunidade acadêmica. Em outras oportunidades, nomeou o segundo colocado para a UFVJM [veja aqui], e os terceiros colocados para a UFTM [veja aqui] e UFRB [veja aqui]. Levantamento aponta que 43% das nomeações feitas por Bolsonaro não apontaram o primeiro colocado da lista tríplice [8]. Em dezembro deste ano, o presidente editou Medida Provisória (MP) prevendo expressamente a possibilidade de não nomeação no mais votado da lista tríplice [veja aqui], e em 2020 outra MP previu a possibilidade do Ministro da Educação nomear reitores temporários durante o período de emergência sanitária [veja aqui].
Leia carta de repúdio de reitores eleitos, porém não nomeados, e análises sobre as intervenções de Bolsonaro nas universidades federais, e sobre outros ataques à liberdade acadêmica realizados pelo governo federal.
O Instituto Federal do Ceará (IFCE) cancela as atividades da ‘I Semana de Direitos Humanos’ que ocorreriam entre os dias 20 a 23 de agosto com a participação de Guilherme Boulos (candidato a presidente pelo PSOL em 2018), após críticas do deputado estadual André Fernandes (PSL) [1]. Nas redes sociais, o deputado governista solicita ao ministro da Educação apoio para impedir a sua realização em 19/08 [2]. Em nota sobre o cancelamento, a reitoria reconhece a importância do debate sobre direitos humanos, mas quer ‘evitar (…) viés político-partidário’ [3], seguindo as recomendações da Procuradoria Federal junto ao IFCE sobre a suspensão do evento como necessária para preservar o bem público de ‘favorecimento político-partidário’ [4]. A decisão é comunicada aos organizadores no mesmo dia do início do evento, gerando indignação, já que o evento vinha sendo organizado há três meses [5]. O cancelamento é classificado como ‘censura’ por estudantes e movimentos sociais [6] e é denunciado à Comissão Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil [7]. O episódio se assemelha ao ocorrido no início do mês (09/08), quando o Instituto Federal do Paraná cancela o evento ‘Educação e Democracia’, também com a presença de Boulos [8], que decide dar aulas do lado de fora dos institutos, como forma de protesto [9]. Além de outro evento cancelado no mês seguinte [veja aqui], medidas de interferência do governo nas universidades continuam ocorrendo, como a interferência na escolha de reitores no geral [veja aqui] e durante a pandemia [veja aqui].
Leia as análises sobre as ações do governo contrárias às universidades e o relatório que destaca o Brasil como palco de perseguição a acadêmicos e universidades.
Cerca de um mês após aprovação de lei ‘anti fake news’ no estado da Paraíba [veja aqui], o governo do Ceará aprova legislação muito similar no estado [1]. Com ela fica prevista multa de até R$ 2,3 mil [2] para quem divulgar dolosamente, por meio eletrônico ou similar, notícias falsas sobre epidemias, endemias e pandemias no estado [3]. A medida também foi criticada, já que pode ‘colocar nas mãos de autoridades a definição de conceitos que elas nem sempre têm competência para avaliar’, como afirma o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) [4]. Na mesma semana em que a lei foi sancionada, o governo anunciou a criação de agência de checagem de dados (29/04) [5], o que, por sua vez, teve alguma repercussão positiva. Com ela, o objetivo é verificar a veracidade de notícias e combater a veiculação de ‘notícias imprecisas, exageradas ou mentirosas’ [6]. O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), por exemplo, elogiou essa iniciativa, apesar de também tecer críticas à lei de fake news [7].
Leia as análises sobre a lei de fake news no Ceará, o espraiamento dessas leis pelo país, o cenário global e o uso político de ferramentas jurídicas durante a pandemia.
Parlamentares invadem hospitais destinados ao tratamento da covid-19 em pelo menos três estados após fala de Jair Bolsonaro recomendando vigilância de hospitais [veja aqui]. No Espírito Santo, em 12/06, cinco deputados (nenhum deles médico ou parte da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do estado) fazem inspeção em hospital de campanha [1]; posteriormente, a Procuradoria do Estado apresenta queixa-crime contra os parlamentares [2] e a Secretaria de Saúde repudia as invasões [3]. Na Bahia, em 17/06, um deputado bolsonarista também invade hospital [4], e, armado, ameaça os profissionais do local com voz de prisão [5]. No Ceará, em 13/06, três vereadores apoiadores do presidente tentam invadir hospital [6]. Antes da fala do presidente, parlamentares em São Paulo [veja aqui] e no Rio de Janeiro [veja aqui] já haviam invadido hospitais.
Leia análise sobre invasões de hospitais incentivadas pelo presidente.
Familiares de presos em unidades do Ceará denunciam a prática de violência e intimidação por parte de agentes penitenciários durante manifestações em Fortaleza [1]. As manifestações ocorrem em reação à situação de incomunicabilidade, ausência de informações sobre a situação de saúde dos presos e ao prolongamento das suspensões de visitas e do envio de mantimentos por correio [2]. A adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais justificada pela pandemia nas unidades prisionais, como a suspensão de visitas, iniciaram-se em março tanto no âmbito estadual [veja aqui], quanto no federal [veja aqui]. Segundo familiares, a manifestação marcada para ocorrer na sede da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) é dispersada com truculência pelos agentes, obrigando o movimento a alterar o local de realização para preservar a segurança dos participantes, principalmente mães [3]. Essa é a segunda vez que agentes da SAP utilizam da violência contra o movimento de familiares de pessoas presas, tendo acionado o comando tático da polícia militar para dispersar o primeiro ato realizado em junho [4]. Em resposta, a SAP afirma que as medidas restritivas continuam sob justificativa de evitar ‘aglomeração’, e nega que tenha ocorrido repressão [5]. Vale lembrar que, no ano passado, o Brasil foi denunciado nas Nações Unidas em razão da superlotação das penitenciárias cearenses [6], e que peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) foram impedidos pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos de realizar vistoria nas unidades [veja aqui].
Leia análise do relatório elaborado em 2019 pelos peritos do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura sobre as violações de direitos humanos nos presídios do Ceará.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, nomeia Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) do Estado do Ceará sem as qualificações técnicas necessárias ao cargo [1]. A nomeação ocorre após a exoneração da maioria dos superintendentes regionais do Instituto [veja aqui]. Para o cargo em comissão, é escolhido o coronel da reserva da Polícia Militar do Ceará (PM-CE), Julio Rocha Aquino [2]. Segundo as exigências de decreto [3] para ocupação de cargos desse tipo, o nomeado deve possuir, ao menos, experiência profissional de três anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ao qual será indicado, ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança por dois anos ou possuir título de especialista, mestre ou doutor também nessa área [4]. A nomeação se dá pela indicação do deputado federal Heitor Freire (PSL-CE) [5]. Após um desentendimento do deputado com o governo Bolsonaro, Aquino é exonerado [6] [7]. Alguns meses depois, no entanto, o policial é nomeado novamente para o mesmo cargo [8]. Em janeiro de 2021, contudo, às vésperas das eleições para presidência da Câmara e Senado, Aquino é novamente exonerado [9] [10]. Aquino foi integrante das forças especiais da PM-CE, tendo passagem pelo Comando do Batalhão de Policiamento de Choque [11]. Não existem informações públicas de que o policial atuou na área ambiental, nem sobre vínculos anteriores com o poder Executivo [12] [13]. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), há indícios de que esta nomeação, entre outras, desrespeitou as exigências legais de experiência profissional e acadêmica [14]. Vale notar que Salles fez nomeações sem experiência técnica para outros estados, como Pará [veja aqui], Maranhão e Amapá [veja aqui].
Leia análises sobre o retorno dos militares ao meio ambiente e a militarização da pauta ambiental desde 2019
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) reduz em cerca de cem hectares a terra indígena do povo tabeba, no Ceará [1]. Segundo reportagem desta data, o ‘encolhimento’ da reserva foi descoberto após denúncia de extração ilegal de argila, areia e madeira na região [2]. Ao apurar o crime, fiscais do Instituto do Meio Ambiente de Caucaia (Imac), acompanhados pela Guarda Civil e Polícia Militar, constataram que o mapa da área à disposição da coordenação regional da FUNAI era diferente do apresentado pela Agência Nacional de Mineração [3]. Pelo mapa da FUNAI regional, a área do crime era indígena, já no segundo mapa, elaborado pela FUNAI de Brasília, não [4]. Segundo apuração, a redução do território aconteceu após o coordenador-geral de geoprocessamento da FUNAI de Brasília, Evandro Marcos Biesdorf, chefiar no começo do ano nova medição da reserva, alegando que as anteriores, de 1996 e de 2013, valeram-se de aparelho comum de GPS e não de equipamento mais preciso [5]. No entanto, a ação da equipe de Biesdorf não foi comunicada à coordenação regional da FUNAI e ao povo tapeba, contrariando o procedimento de demarcação de terras indígenas no país [6]. Essa não é a primeira vez que a FUNAI atua na contramão dos direitos indígenas: em março, o órgão acusou lideranças indígenas de difamação contra o governo federal [veja aqui]; e em agosto, defendeu a tese do marco temporal, que dificulta demarcação de terras para populações indígenas [veja aqui]. Ainda, em setembro, o presidente Marcelo Xavier desobedeceu acordo judicial referente à demarcação de terra indígena e foi acusado de improbidade administrativa [veja aqui].
Leia sobre as disputas e discursos sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil.