Atendendo a pedido do chefe do Gabinete de Segurança Nacional (GSI), general Augusto Heleno, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, baixa portaria que autoriza o emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNS) para ‘realizar a segurança’ da marcha indígena que ocorrerá em 19/04 por ocasião do ‘Dia do Índio’ na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios [1]. A medida tem prazo de 33 dias e inclui o período de reunião do ‘Acampamento Terra Livre’ (ATL), o qual o presidente Jair Bolsonaro chamou de ‘encontrão de índio’ [2]. A justificativa oficial, segundo Heleno, é ‘desencorajar que manifestações descambem para a violência e provoquem danos em pessoas ou no patrimônio público’ [3]. Em resposta, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) declara em nota que ‘não somos violentos, violento é atacar o direito sagrado a livre manifestação com tropas armadas’ [4]. No mesmo dia, o partido PSOL protocola projeto de decreto legislativo para anular a medida [5]. O encontro do ATL ocorre na semana de 25/04, como previsto, sem o uso efetivo da FNS, mas é marcado por tensões e negociações entre representantes indígenas e a polícia militar [6]. Ressalte-se que o emprego da FNS é autorizado novamente por Moro no mês seguinte para os protestos pela educação [veja aqui]. No ano seguinte, o presidente defende o uso da FNS para conter manifestantes também [veja aqui].
Leia análises sobre o que é a Força de Segurança Nacional, as motivações para contestar a comemoração do ‘Dia do Índio’ e as tensões entre povos indígenas e o governo Bolsonaro
Dois dias antes da abertura, o Museu dos Correios cancela a mostra ‘O Sangue no Alguidá, Um Olhar Desde O Realismo Sujo Latino-Americano’, que contém 50 peças do pintor e escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez e do goiano Gerson Fogaça [1]. O museu solicitou que fossem retiradas da exposição cinco obras com conteúdo sexual por ‘não estarem de acordo com as normas institucionais’ [2]. Os autores se recusaram a removê-las e, então, o museu decide suspender a exposição [3]. Os artistas afirmam que é um caso de censura e restrição da liberdade de expressão [4] e a curadora chama o ocorrido de ‘censura institucional’ [5]. A produtora executiva da exposição afirma que sugeriu outras medidas para contornar o impasse, como o aumento da classificação indicativa, e que as obras questionadas ‘não são construções sexuais’, mas representações da miséria e da sexualização no cotidiano [6]. A exposição foi transferida para o Museu Nacional da República, que é administrado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec) [7]. Em outras oportunidades, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que vetar obras culturais não é censura, mas uma forma de ‘preservar valores cristãos’ [veja aqui], a Caixa Cultural cancelou eventos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e o Centro Cultural Banco do Nordeste retirou obra sobre casamento gay de exposição [veja aqui].
Leia a análise sobre patrulha ideológica na arte.
A diretora do Centro Cultural da Câmara dos Deputados, Isabel Flecha de Lima, proíbe a utilização da palavra ditadura em painel de exposição em homenagem aos 50 anos da Rebelião de Stonewall, um marco do ativismo LGBT [1]. Segundo acusação do deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), nesta data, a diretora também veta o uso da frase ‘tempos obscuros de mentiras que vivemos’ [2]. O deputado afirma que se trata de um caso de censura, ao que Isabel de Lima responde que a Câmara ‘evita que polêmicas e juízo de valor façam parte de exposições promovidas pelo Centro Cultural’ [3]. No entanto, nos editais da Câmara, não há menção à essa restrição [4] [5]. Sobre o caso, houve pouca repercussão na mídia e não são conhecidos os desdobramentos na Casa, como sindicâncias e afins. Em novembro, durante exposição em homenagem ao Dia da Consciência Negra na Câmara, o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) quebra placa com charge do cartunista Latuff que denunciava a violência policial [veja aqui]. Em outubro, a Caixa Econômica Federal cria novas regras para a avaliação de projetos culturais, incluindo a verificação de posicionamento político de artistas [veja aqui].
Leia a análise sobre a censura na arte durante o período da ditadura militar.
Câmara Legislativa do Distrito Federal aprova lei contra disseminação de ‘fake news’ [1]. Projetos semelhantes foram aprovados no ano seguinte no Acre [veja aqui], Paraíba [veja aqui], Ceará [veja aqui] e Roraima [veja aqui], porém estes se relacionavam diretamente com o contexto da pandemia gerada pelo coronavírus. Neste caso, a lei estabelece, de modo genérico, multa entre R$ 1.000 a R$ 15.000 para quem divulgar ou participar da produção de notícias ou fatos inverídicos [2]. A lei também pretende punir aquele que ‘compartilha em aplicativos de mensagens, redes sociais ou sítios na rede mundial de computadores notícias que sabe ou deveria saber falsas’ [3]. A lei também busca atingir os provedores de serviços ou proprietários de sites, afirmando que estes são responsáveis pelas notícias e fatos ali divulgados, podendo também serem multados e ter suspenso seu alvará de funcionamento ou licença para exercício de sua atividade [4]. É previsto, também, uma regulamentação pelo poder Executivo de qual será o órgão administrativo competente para recebimento de denúncias e aplicação das sanções previstas na lei [5]. A autora do projeto justifica o mesmo pois, segundo ela, a internet ‘trouxe uma série de notícias falsas e propagandas enganosas, colaborando com a prática de ódio e com o bullying’ [6]. A aprovação de leis desse tipo tem sido criticada por especialistas, pois estas não estabelecem o que são ‘notícias falsas’ e não consideram o fato de que grande parte das informações falsamente divulgadas são feitas por pessoas sem a consciência de sua falsidade [7]. Além disso, eles apontam que essas leis podem restringir a liberdade de expressão e imprensa no país [8]. Entre o começo de março e o começo de junho de 2020, 26 projetos de leis foram lançados para combater notícias falsas na pandemia [veja aqui] e ao menos 21 dos 26 estados brasileiros apresentaram iniciativas nesse sentido .
Leia análise sobre o surgimento de projetos que pretendem alterar a estrutura de regulação da liberdade de expressão na internet.
Em evento promovido pela bancada evangélica, o presidente Jair Bolsonaro afirma que ‘ali na cultura tem um tal de Iphan’; complementa dizendo que o órgão ‘tem poder de embargar obras em qualquer lugar do Brasil’ e questiona ‘Embargar pra quê?’ [1]. A fala é seguida de aplausos da plateia, composta por parlamentares e lideranças evangélicas [2]. Dias antes, a presidente do órgão foi exonerada em razão de reclamação do filho do presidente, o senador Flávio Bolsoaro (Republicanos), e do empresário Luciano Hang, aliado de Bolsonaro, sobre a paralisia de uma de suas obras por conta de achado arqueológico reportado ao Iphan e da pressão do senador Flávio Bolsonaro [veja aqui]. Não é a primeira vez que o presidente critica a atuação do órgão, em agosto, na cerimônia de inauguração de rodovia, ele afirmou que o Iphan é um empecilho para as obras no país e se referiu a artefatos arqueológicos de forma pejorativa [veja aqui]. No ano seguinte, em reunião ministerial [veja aqui], o presidente diz que a instituição ‘para qualquer obra no Brasil, como para a do Luciano Hang’, dessa fala decorreu investigação do Ministério Público Federal, que apura tentativas de interferência no órgão em favor do empresário [3]. Vale lembrar que, sob a gestão Bolsonaro, o Iphan teve a maior paralisia institucional dos últimos 65 anos [veja aqui] e que o governo tenta desmontar o órgão através de nomeações de pessoas desqualificadas para cargos nas superintendências [veja aqui], em departamento [veja aqui] e na presidência da autarquia [veja aqui].
Leia as análises sobre o esvaziamento do Iphan sob a gestão Bolsonaro e sobre como o governo coloca em risco o patrimônio histórico.
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que o aumento do valor do dólar é ‘bom para todo mundo’, e justifica que com o dólar mais baixo, ‘todo mundo’, inclusive ‘empregada doméstica’, estaria viajando para a Disney nos Estados Unidos, ‘uma festa danada’ [1]. A declaração é realizada no Seminário de Abertura do Ano Legislativo de 2020, em contexto econômico no qual o dólar opera em alta e chega ao valor de R$ 4,38, o quarto recorde do ano em relação ao real [2]. Nas redes sociais, empregadas domésticas e seus familiares reagem ao tom considerado classista da fala do ministro, e questionam o baixo valor do piso salarial federal para empregados domésticos (R$1.045) [3]. A declaração também teria surpreendido auxiliares do próprio presidente Jair Bolsonaro, o qual não se manifestou sobre a frase do Ministro da Economia [4]. Vale lembrar que esta não é a primeira vez que Guedes realiza declarações polêmicas. Ele havia comparado, na semana anterior, servidores públicos a parasitas [5] e, em novembro de 2019, retomado a ideia de um ‘novo AI-5’ no país[veja aqui].
Leia análise sobre o papel do trabalho doméstico no Brasil.
Leia análise sobre o papel do trabalho doméstico no Brasil.
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e o Ministério do Turismo estabelecem o retorno do trabalho presencial, em meio a pandemia gerada pelo coronavírus [1]. A determinação abrange todos os funcionários, exceto os que fazem parte do grupo de risco, ou seja, que possuam comorbidades ou tenham mais de 60 anos [2]. O Ministério da Cidadania também sinalizou que iria voltar as atividades presenciais mas recuou após um mandado de segurança impetrado pela Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas (Andeps) [3]. A assessoria de imprensa do Ministério do Turismo afirma que algumas medidas de prevenção serão adotadas, quais sejam, uso de máscara, aferição de temperatura e uso de álcool em gel [4]. A retomada do trabalho presencial na Esplanada advém da pressão feita pelo governo federal, visto que Jair Bolsonaro desde o início de pandemia de covid-19 defende que os brasileiros devem voltar a ‘vida normal’ [veja aqui], divulgando campanha com mote ‘o Brasil não pode parar’ [veja aqui]. Vale lembrar que o presidente da República vetou o uso obrigatório de máscaras tanto em ambientes públicos, quanto em ambientes privados [veja aqui]. Em meio a essa flexibilização das medidas de isolamento social, também no Distrito Federal, o ministro da Educação Abraham Weintraub é multado por promover aglomerações e por não usar máscara em local público [5]. Segundo especialistas, a exigência de trabalho presencial só é ilegal em casos de lockdown, o que ocorreu apenas em uma parcela pequena do país [6]. Em meio a ascensão da pandemia da covid-19, o home office se tornou uma forma segura de manter os trabalhadores saudáveis, visto que foi cientificamente comprovado que as medidas de isolamento social são eficazes no combate a transmissão do vírus [7].
Leia sobre o desenvolvimento do trabalho em meio a pandemia da covid-19.
Jair Bolsonaro edita Medida Provisória (MP) [1] que aumenta a remuneração da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar, e da Polícia Civil, todos do Distrito Federal, e da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros dos extintos Territórios Federais [2]. O aumento salarial gira em torno de 8% a 25% e o impacto dessa medida aos cofres públicos é de R$505 milhões [3]. Além disso, o texto autoriza que policiais civis e militares do Distrito Federal recebam gratificações por representações, quando estiverem em serviço da Presidência e Vice-presidência [4]. A MP é sancionada, um dia antes da aprovação da lei que visa a socorrer estados e municípios durante a pandemia de covid-19 [5], que congela o aumento salarial de servidores públicos até dezembro de 2021 [6]. No mesmo dia, o Congresso Nacional aprova Medida Provisória que altera a estrutura da Polícia Federal por meio da extinção de cargos comissionados e criação de cargos de função comissionada. O texto extingue 281 cargos em comissão que, em princípio, eram cargos de confiança e poderiam ser ocupados não apenas por servidores de carreira [7]. Esses postos de trabalho são substituídos por 344 novos cargos que só podem ser ocupados por tais servidores de carreira, ou seja, por colaboradores funcionários públicos [8]. Além disso, cria mais 516 novos cargos na PF [9]. O impacto orçamentário do texto é de R$7,8 milhões de reais [10] e, segundo apuração da imprensa, a aprovação da MP pelo Congresso Nacional foi uma exigência política do presidente Jair Bolsonaro para que a ajuda financeira a estados e munícipios durante a pandemia de covid-19 fosse aprovada [11]. Jair Bolsonaro desde a sua eleição tenta reter o apoio da ala militar ao seu governo por meio de bonificações, aumentos salariais, retirada das Forças Armadas da reforma da previdência e modificações internas dos batalhões [12]. Em janeiro do ano seguinte, um projeto que aumenta a autonomia da polícia militar frente a governadores vem a ser pautado no Congresso [13]. A Medida Provisória é promulgada e convertida na Lei 14.056/2020 [14], sem vetos do presidente da República [15].
Leia análise comparativa entre remuneração de policiais do DF beneficiados pela MP e policiais dos outros estados [an1], e os embates entre governo federal e estados na aprovação da Lei Complementar [an2].
Colégio Militar de Brasília (CMB) afasta professor de geografia de suas atividades docentes e instaura processo administrativo disciplinar contra o docente, após este apresentar críticas durante aula virtual sobre a atuação da Polícia Militar (PM) nas manifestações que aconteceram em São Paulo no dia 31/05, uma delas pró-governo, e a outra em oposição e declarada antifascista e antirracista [1]. Segundo o professor, a atuação da PM ao agir de modo condescendente com manifestante considerada de direita e com violência contra manifestantes considerados antifascistas representa ‘dois pesos e duas medidas’ e que a situação ‘remete a um fascismo que a gente não quer mais no mundo’ [2]. A decisão do CMB gera reação negativa por parte de alunos, ex-alunos e professores por meio de abaixo-assinado, carta de repúdio e pedidos por justiça [3]. Em nota, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) apoia o docente e defende a liberdade de cátedra [4]. O afastamento do professor pelo CMB ocorre no contexto de ataques à liberdade acadêmica no país [veja aqui] e de falas do presidente e vice-presidente que classificam manifestantes contra o governo como ‘terroristas’, ‘marginais’, e ‘baderneiros’ [5] . Vale notar também que a pauta da educação é cara ao governo, que já disse estar empreendendo esforços para a reforma de livros didáticos [veja aqui].
Leia análise sobre liberdade acadêmica no Brasil.
Ao ser perguntado por jornalista sobre pagamentos realizados por Fabrício Queiroz [veja aqui] – ex-assessor do Senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e acusado de praticar esquema de corrupção conhecido como ‘rachadinha’ [veja aqui] – no valor de R$89 mil reais à primeira dama Michelle Bolsonaro, o presidente Jair Bolsonaro responde que ‘a vontade é encher tua boca com uma porrada, tá?’ [1]. O jornal ‘Globo’ emite nota repudiando a ameaça física realizada ao seu repórter, e afirma que a postura de Bolsonaro demonstra que ele ‘desconsidera o dever de qualquer servidor público (…) de prestar contas à população’ [2]. Outras cinco organizações da sociedade civil emitem nota de repúdio [3] em que classificam a intimidação do presidente como um ‘novo patamar de brutalidade’ [4]. Nas redes sociais, a pergunta do repórter é reproduzida em massa por meio de ‘tuitaço’ [5]. O partido da oposição PSOL afirma que apresentará ao Supremo Tribunal Federal notícia-crime contra Bolsonaro pela resposta ameaçadora [6]. No dia seguinte, Bolsonaro publica vídeo nas redes sociais com título que reproduz versículo da Bíblia, ‘E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’, e conteúdo que apresenta versão falsa dos acontecimentos da entrevista [7]: no vídeo é reproduzida fala provocativa em que é mencionada suposta prisão da filha de 9 anos do presidente, declaração que não ocorreu no momento dos fatos [8]. Nos dois dias subsequentes, em eventos públicos, o presidente volta a insultar profissionais da imprensa, afirmando que jornalista ‘bundão’ tem mais chance de morrer de coronavírus [veja aqui] e chamando de ‘otário’ repórter que tenta questioná-lo novamente sobre depósitos realizados por Queiroz a primeira dama [veja aqui].
Leia análises sobre as motivações do presidente para o uso de intimidações e sobre o padrão sistemático dos ataques contra a imprensa.