Fechamento de exposições, recolhimento de obras, ações discursivas intimidatórias, filtros políticos, morais e religiosos compõem o cenário artístico no Brasil
Desde meados de 2017, o campo cultural tem sido alvo de ataques de uma parcela mais conservadora da sociedade e de restrições por parte do Estado e de seus dirigentes, o que gera o cerceamento das produções culturais e a intimidação de artistas.
São várias as formas que as ações e interferências de agentes estatais e privados podem tomar. A restrição da liberdade artística ou a interferência indevida em processos culturais, de forma abusiva ou autoritária, pode ocorrer, dentre outras maneiras, através de ação policial repressiva, censura administrativa ou judicial, textos legislativos, medidas institucionais restritivas, ações discursivas de intimidação e/ou propagação de desinformação. Geralmente, os atos de censura são motivados por questões políticas, morais ou religiosas, quando há um posicionamento político contrário ao governo, afirmação de minorias identitárias, sátira religiosa, referências a orientação sexual, nudez ou conteúdo sexual.
Naquele ano, a exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, que explorava a temática LGBT, foi cancelada no Santander Cultural em Porto Alegre e vetada do Museu de Arte do Rio pelo então prefeito carioca Marcelo Crivella, em razão das falsas acusações de blasfêmia a símbolos religiosos, pedofilia e zoofilia. Pouco tempo depois, a performance “La Bête”, encenada no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), foi alvo de críticas, após uma criança encostar em um artista que estava nu. Ambas as produções artísticas geraram controvérsias no debate público, que foi marcado por uma série de notícias falsas sobre a arte e o financiamento cultural. Comentários nas redes sociais eram acompanhados, muitas vezes, por xingamentos e ameaças aos artistas ou às instituições que promoveram os eventos.
Em 2018, seguiram-se episódios semelhantes. A Secretaria de Cultura de Pernambuco cancelou peça de teatro “O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu”, que recria a história de Jesus como transsexual e que iria se apresentar no Festival de Inverno de Garanhuns, em razão da discordância do prefeito da cidade, de membros da igreja católica e de parceiros comerciais do evento. E o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a prisão do DJ Rennan da Penha por associação ao tráfico de drogas. Na denúncia oferecida pelo Ministério Público, consta que as músicas por ele produzidas enalteciam o tráfico de drogas, e os desembargadores entenderam que o tráfico se beneficia da reunião de pessoas promovida pelos bailes funk, onde ocorreria a venda de entorpecentes.
Com o início do governo Bolsonaro em 2019, o movimento de restrição da liberdade artística se agravou. A Caixa Econômica Federal criou novas regras para a avaliação de projetos culturais, incluindo a verificação do posicionamento político dos artistas, e o presidente Jair Bolsonaro ameaçou extinguir a Ancine se não pudesse filtrar as produções. Inclusive, ele afirmou que vetar obras culturais não é censura, mas uma forma de “preservar valores cristãos”. Dentre outros episódios, o Itamaraty pediu a retirada de filme de Chico Buarque de festival internacional, o Museu dos Correios cancelou exposição com obras sobre sexualidade e deputado governista quebrou placa de denúncia da violência policial contra a população negra. Outros casos que chamaram a atenção foram a suspensão da exibição de programa da produtora Porta dos Fundos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e a determinação de recolhimento de livros com conteúdo considerado “inadequado” pelo governo de Rondônia”.
Mesmo com a pandemia de covid-19, que reduziu os espaços para apresentações culturais em razão das medidas sanitárias, os casos continuaram ocorrendo nos anos de 2020 e 2021. Nesse período observou-se uma expressividade de casos relacionados à política. Em 2020, o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) acionou a Procuradoria Geral da República para investigar a peça teatral “Precisamos Matar o Presidente” e a polícia e o MP enquadraram uma publicação de artista com drag queen segurando a cabeça de Bolsonaro nos crimes da Lei de Segurança Nacional. Em 2021, a Funarte emitiu parecer desfavorável para a obtenção de financiamento do “Festival de Jazz do Capão” que se autodenominava “antifascista”. Segundo a instituição, “objetivo e finalidade de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”. Também, o presidente da Fundação Palmares pediu o boicote do filme “Medida Provisória” dirigido por Lázaro Ramos. A Secretaria Especial de comunicação social perseguiu jornalista e artista por charge crítica a Bolsonaro, reprovou paródia de campanha do governo feita por humorista e chamou, em sua conta oficial em rede social, a diretora do filme “Democracia em Vertigem” de “militante anti-Brasil”.
Veja abaixo a linha do tempo que mostra os eventos de violações à liberdade artística desde 2019:
A Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro ordena o encerramento, um dia antes da data oficial, da exposição ‘Literatura Exposta’ do coletivo ‘És uma Maluca’ na Casa França-Brasil, que apresenta cenas de nudez e faz referências à tortura durante a ditadura militar no Brasil [1]. Segundo o governador do Estado, Wilson Witzel, o motivo de encerrar a exposição se dá em razão de uma performance ‘com nudismo’ não prevista no contrato [2]. Na ocasião, ele afirma que o Estado deve ser informado previamente sobre o que será realizado dentro de um órgão público [3]. O curador da amostra, Álvaro Figueiredo, alega receber a informação com ‘surpresa, decepção e revolta’ [4], já que afirma ter explicado o conteúdo da performance à direção da Casa, que respondeu com um e-mail em que demonstra estar ciente da apresentação e exige que apenas maiores de 18 anos possam assistir [5]. No dia seguinte, o coletivo promove a performance proibida em frente à instituição como forma de protesto ao que classifica como censura, mas sem apresentar nudez [6]. Em dezembro de 2018, a obra já havia sido vetada em parte por expor áudios com discursos do presidente Jair Bolsonaro, motivo pelo qual os áudios foram substituídos por gravações de receitas de bolo [7]. Outras interferências nas produções culturais ocorrem, como a ameaça de Bolsonaro de extinguir a Agência Nacional do Cinema (Ancine) se não puder filtrar as produções nacionais [veja aqui], o pedido do Itamaraty para retirada de filme de festival internacional [veja aqui], a suspensão de edital federal com temática LGBT [veja aqui], a edição de edital que restringe investimentos em filmes com cenas de nudez [veja aqui] e o lançamento de vídeo pelo Secretário da Cultura sobre prêmio de artes com referências nazistas [veja aqui].
Leia a análise sobre as medidas que podem ser tomadas em caso de cancelamento de produções culturais que configuram censura velada.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), sanciona lei estadual [1], que introduz a classificação indicativa em exposições, amostras, exibições de arte e eventos culturais [2]. De acordo com o texto, a classificação das exposições por faixa etária fica a cargo dos artistas e produtores, que podem ser denunciados por qualquer pessoa que não concorde com a classificação, sendo passíveis de punição pelas autoridades responsáveis [3]. Para artistas e curadores da área, o projeto promove a criminalização de artistas e estabelece censura prévia, uma vez que pressupõe que a manifestação criativa possa trazer algum tipo de malefício e gera um sentimento medo às represálias do poder público [4]. Além disso, ressaltam que a classe artística não foi ouvida e que o projeto contradiz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina ser da responsabilidade dos pais a decisão sobre o acesso dos filhos às manifestações culturais [5]. Após requisição do Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julga a lei estadual inválida, pois viola a competência do governo federal para legislar sobre a matéria, regra prevista na Constituição da República e no ECA [6]. O autor do projeto de lei, discorda da decisão do TJRS, afirmando que a classificação indicativa é uma forma de ‘garantir à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de conteúdos inadequados’ [7]. Atualmente, no Congresso Nacional, tramitam 10 propostas similares [8], algumas das quais citam o caso Queermuseu [9] e a performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo [10], que foram objeto de polêmica e censura.
O general da divisão de chefia da Secretaria de Governo, o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, decide suspender o programa ‘Sem Censura’ da TV Brasil, criado em 1985, logo após a redemocratização, e que foi, por anos, apresentado por Leda Nagle, que aceitou a missão de politizar a TV pública brasileira através de debates plurais [1]. A produção é pega de surpresa pela decisão e tinha vários convidados confirmados para fevereiro [2]. No dia seguinte, após repercussão negativa da medida, o governo volta atrás e mantém o programa; no entanto, as gravações ao vivo só voltam em março [3]. Em 2020, cresce a insegurança da produção com relação à exibição, que deve ser reformulada para um formato sem participação do público e ‘chapa-branca’, ou seja, em prol de um governo específico [4]. Em nota, a Frente Nacional em Defesa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) questiona as mudanças promovidas pelo governo federal no programa, afirmando que a administração visa a ‘desfigurar o modelo de entrevistas e debates’, reduzir o tempo das discussões e transferir a competência de escolha dos convidados à nova direção, o que antes era feito pelo quadro de funcionários [5]. Dossiê feito por funcionários da EBC mostra que o governo Bolsonaro interferiu 138 vezes na emissora [6]. Vale lembrar que o governo tentou unificar a TV Brasil, que é uma estatal, com a NBR, emissora do governo federal, o foi considerado inconstitucional e ilegal pela Câmara dos Deputados [veja aqui] e os funcionários da TV Brasil afirmam que a emissora censurou clipe de Arnaldo Antunes que criticava milicianos [veja aqui].
Lisandro Sodré, capitão do 13º Batalhão da Política Militar de Minas Gerais (PM-MG), ameaça abandonar o policiamento do desfile do bloco ‘Tchanzinho da Zona Norte’, durante o carnaval de Belo Horizonte, após um dos vocalistas puxar música de repúdio ao presidente Jair Bolsonaro e de apoio ao ex-presidente Lula [1]. O porta-voz da PM-MG considera correta a postura do capitão sob o argumento de que manifestações político-partidárias nos blocos poderiam gerar confusões e brigas [2]. A organização do bloco se sentiu intimidada quanto à sua liberdade de expressão [3] e reiterou que o ‘Tchanzinho da Zona Norte’ sempre teve caráter político, seguindo a tradição do carnaval de Belo Horizonte [4]. Além disso, a organização informa que, após a atuação do capitão, foram constatados casos de homofobia e violência, o que levou o desfile a terminar antes do previsto [5]. A Defensoria Pública de Minas Gerais requer a revisão dos procedimentos administrativos da PM para que não sejam proibidas manifestações de cunho político nos blocos de Carnaval [6]. No carnaval de rua de São Paulo, foram protocoladas ao menos dez denúncias de violência policial, fenômeno que não ocorria desde 2012 [veja aqui] e o presidente Bolsonaro desmereceu música carnavalesca de Caetano Veloso e Daniela Mercury que o criticava [veja aqui]. Ainda, em Mato Grosso do Sul, a PM interrompeu show da Banda BNegão & Seletores que se posicionava contra a atuação da polícia e os ataques a indígenas [veja aqui].
Leia a análise sobre a relação entre carnaval e política e sobre o tamanho do bolsonarismo dentro das polícias militares e veja o vídeo sobre a história do carnaval em Belo Horizonte e seu caráter eminentemente político.
Em suas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro faz menção à letra de música carnavalesca dos artistas Caetano Veloso e Daniela Mercury, sem citar seus nomes, para criticá-los e afirma que ‘tem gente ficando doida sem a tal Lei Rouanet’ – em referência à política de incentivo cultural – e completa, ‘acabou a moleza (…) quem for brincar terá que brincar com seu dinheiro’ [1]. A música ‘Proibido Carnaval’ de Cetano e Daniela apresenta conteúdo crítico ao conservadorismo, especialmente com relação à liberdade sexual e à censura, desafiando declarações de membros do próprio governo, como a fala da ministra Damares Alves de que ‘menino veste azul e menina veste rosa’ [veja aqui] [2]. Em resposta, Daniela Mercury publica carta aberta ao presidente afirmando ‘há uma distorção muito grave sobre a Lei Rouanet’ e uma incompreensão por parte de Bolsonaro sobre seu conteúdo; reitera também o valor ‘imensurável’ da arte ‘para a sociedade, para o turismo, para a economia’ [3]. O episódio marca uma série de outros ataques à produções culturais, como pedido de retirada de filme de festival internacional sobre a história de Chico Buarque [veja aqui], adiamento da estreia de produção cinematográfica sobre a vida do militante de esquerda Carlos Marighella [veja aqui], críticas à cineasta Petra Costa por seu documentário indicado ao Oscar [veja aqui], e recusa do Itamaraty em publicar livro de desafeto político do ministro das Relações Exteriores [veja aqui].
Leia análise sobre às críticas ao presidente durante o carnaval e suas reações
Durante o carnaval de rua de São Paulo, são protocoladas ao menos dez denúncias de violência policial por cerca de 20 pessoas na Defensoria Pública; o órgão não era acionado por foliões vítimas de ações da polícia desde 2012 [1]. Casos ocorrem em bloco na Vila Madalena, no qual a polícia joga bombas de gás e, ao filmar ação, um homem é agredido e obrigado a apagar os vídeos [2], e na Barra Funda, onde a polícia atira bombas de gás e desfere tiros de borracha contra um número reduzido de pessoas [3]. Sobre este último episódio, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma em nota que a ação foi necessária para ‘restaurar a ordem pública’ [4]. Somam-se às denúncias casos em que a polícia se utilizou de spray de pimenta, golpes de cassetete e quebrou os instrumentos de um grupo musical [5]. A defensora Daniela Trettel afirma que o acirramento da violência policial cresceu recentemente nos protestos e agora também no Carnaval, que há um ‘componente misógino’ nas ações em vista do número elevado de mulheres que denunciam e que a defensoria irá ajuizar ação [6]. O órgão se reúne com representantes de blocos carnavalescos e decide também entregar à SSP uma recomendação com as condutas esperadas para uma dispersão mais tranquila em outros desfiles [7]. Entidade representativa dos blocos repudia os casos e demonstra preocupação com a ‘falta de controle e comando’ da Polícia Militar nos eventos [8]. O recrudescimento das ações policiais está alinhado ao discursos de legitimação da violência promovidos pelo governador João Doria (PSDB), que afirma que a polícia não precisa reduzir o número de mortes em suas intervenções [veja aqui] e que, na ocasião do assassinato de jovens em festa em Paraisópolis, diz que ‘a política de segurança pública não vai mudar’ [veja aqui].
Leia as análises sobre a violência policial em São Paulo e quais os custos da violência policial
O presidente Jair Bolsonaro veta campanha publicitária do Banco do Brasil dirigida à população jovem e com o objetivo de representar a diversidade racial, sexual e de gênero no Brasil [1]. O comercial estava no ar desde o início de abril e apresentava atrizes e atores negros e uma jovem transexual [2]. Após reclamações de Bolsonaro feitas ao presidente do banco, a veiculação do vídeo é suspensa e o banco demite o diretor de Comunicação e Marketing [3]. Em 24/04, o governo envia comunicado às empresas estatais determinando a submissão prévia de toda publicidade à avaliação da Secretaria de Comunicação Social (Secom) [4] [veja aqui]. Dois dias depois, o governo resolve recuar e afirma que a Secom ‘não observou a Lei das Estatais’ porque não cabe à administração direta intervir no conteúdo de publicidade [5]. Bolsonaro se pronuncia afirmando que ‘a massa quer respeito à família’, que dinheiro público não deve ser usado desse modo e que vídeo contrariava ‘agenda conservadora’ de seu governo [6]. Em maio, o Ministério Público Federal ajuíza ação contra a União por censura, racismo e homofobia, solicitando a veiculação do comercial e 51 milhões em indenização para que seja aplicada em campanha de conscientização de enfrentamento ao racismo e à LGBTQfobia [7]. No mesmo mês, Bolsonaro critica ‘turismo gay’ [veja aqui] e, em maio, baixa decreto que exclui preocupações com turismo LGBT [veja aqui]. Também, nomeia novo presidente na Fundação Palmares que defende não existir ‘racismo real’ no país [veja aqui]. Em maio de 2020, o Banco do Brasil volta atrás na decisão de retirar propaganda de site acusado de compartilhar ‘fake news’, após crítica feita por Carlos Bolsonaro, filho do presidente [veja aqui].
Leia as análises sobre a intervenção do governo na comunicação, os retrocessos para a população LGBT+ em 2019 e o racismo estrutural vivenciado no país.
Uma faixa na entrada do Centro Cultural Banco do Nordeste com os dizeres ‘Em terra de homofóbicos casamento gay é arte’ é retirada sem anuência de artistas ou da curadoria na ocasião da mostra da 70ª edição do Salão de Abril, organizada pela Prefeitura de Fortaleza [1]. Os artistas Eduardo Bruno e Waldírio Castro, selecionados na mostra, transformaram seu casamento em uma exposição denominada ‘O que pode um casamento (gay)?’ [2]. Uma funcionária do equipamento sugeriu que os artistas retirassem a faixa após a abertura do evento, ao que Bruno se recusou e marcou uma reunião com membros do Banco do Nordeste [3]. No entanto, a faixa foi retirada antes mesmo da reunião, sem a anuência dos artistas ou da curadoria [4]. Bruno afirma que se trata de um caso de censura e homofobia e os artistas decidem retirar sua exposição do centro cultural [5]. Em nota, o Banco do Nordeste afirma que a retirada da obra foi motivada pela descaracterização da fachada do prédio e comprometimento de sua identidade visual [6]. Após o caso, o gerente executivo do centro cultural, Gildomar Marinho, foi transferido do cargo [7]. Dias depois, outros nove artistas retiram suas obras em razão do ocorrido [8]. No mês anterior, Bolsonaro veta campanha publicitária do Banco do Brasil que pautava diversidade sexual [veja aqui]. Em setembro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mantém a censura do prefeito Marcelo Crivella a livros de temática homossexual na Bienal do Livro [veja aqui] e a Caixa Cultural cancela espetáculos com temática LGBT [veja aqui]. No mês seguinte, o presidente Jair Bolsonaro afirma que vetar obras culturais não é censura e visa a ‘preservar valores cristãos’ [veja aqui] e, em outra oportunidade, suspende edital federal para a televisão em razão da presença de produções com temática LGBT [veja aqui].
Leia mais sobre a história do casamento homoafetivo no Brasil e leia as análises sobre censura na arte no Brasil e no mundo.
Dois dias antes da abertura, o Museu dos Correios cancela a mostra ‘O Sangue no Alguidá, Um Olhar Desde O Realismo Sujo Latino-Americano’, que contém 50 peças do pintor e escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez e do goiano Gerson Fogaça [1]. O museu solicitou que fossem retiradas da exposição cinco obras com conteúdo sexual por ‘não estarem de acordo com as normas institucionais’ [2]. Os autores se recusaram a removê-las e, então, o museu decide suspender a exposição [3]. Os artistas afirmam que é um caso de censura e restrição da liberdade de expressão [4] e a curadora chama o ocorrido de ‘censura institucional’ [5]. A produtora executiva da exposição afirma que sugeriu outras medidas para contornar o impasse, como o aumento da classificação indicativa, e que as obras questionadas ‘não são construções sexuais’, mas representações da miséria e da sexualização no cotidiano [6]. A exposição foi transferida para o Museu Nacional da República, que é administrado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec) [7]. Em outras oportunidades, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que vetar obras culturais não é censura, mas uma forma de ‘preservar valores cristãos’ [veja aqui], a Caixa Cultural cancelou eventos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e o Centro Cultural Banco do Nordeste retirou obra sobre casamento gay de exposição [veja aqui].
Leia a análise sobre patrulha ideológica na arte.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) declara a inconstitucionalidade de lei que regulamenta apresentações artísticas em barcas e vagões de trem e metrô no estado [1] [2]. A ação que ensejou essa decisão foi proposta pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), que discordava de dispositivos de uma lei estadual que autorizava performances dentro de embarcações e vagões e que determinava que sua regulamentação ocorreria após o debate com artistas [3]. O desembargador Heleno Nunes, relator do caso, defende que a ‘difusão de manifestações culturais não pode prejudicar o sossego, o conforto e segurança pública. Os passageiros devem poder decidir se querem ou não assistir às apresentações’ [4] e ressalta que ‘muitos destes ‘artistas’ são, na verdade, pessoas desempregadas, as quais, realizando qualquer tipo de performance, constrangem os usuários […] a lhes darem dinheiro’ [5]. Em voto divergente, o desembargador Nagib Slaibi Filho, afirma que as concessionárias que administram os transportes têm poder de polícia para decidir se aceitam manifestações culturais em seus veículos [6]. Em nota, o senador Flávio Bolsonaro afirma que as manifestações artísticas devem ser feitas em ‘local adequado’ e que a ação ‘não é contra os artistas ou a cultura. O bom senso e a razoabilidade devem sempre prevalecer.’ [7]. Músico flautista que se apresenta há dois anos no metrô lamenta a decisão, afirma que sobrevive de suas apresentações e que terá que encontrar outro local para exibi-las [8]. Advogado de entidade vinculada à cultura defende que a decisão desprestigia a liberdade de expressão artística e endossa a ‘recente política de criminalização e sufocamento do setor cultural’ [9]. O autor da lei, André Ceciliano (PT), afirma que ‘as manifestações nos transportes públicos valorizam a cultura em nosso estado e também revelam talentos’ [10]. A Assembleia Legislativa (ALERJ) diz que vai recorrer da decisão, pois o TJRJ teria interferido na competência do legislativo estadual [11]. Vale lembrar que, em 2018, o TJRJ determinou a prisão de DJ de baile funk por suposto envolvimento com o tráfico de drogas [12]; em 2019, autorizou a censura a obra com temática LGBT [veja aqui] e, em 2020, suspendeu a exibição de programa humorístico por pedido da comunidade cristã [veja aqui].
Leia a análise sobre a proibição das apresentações artísticas nos transportes públicos.