A Secretaria de Cultura do governo de Goiás cancela show de lançamento do novo CD ‘Todos estão em nós’ do cantor Itamar Correia, que homenageia os goianos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar de 1964 [1]. Em nota, a secretaria afirma que o artista procurou o órgão para realizar um evento de natureza ‘especificamente artística’, porém, com a divulgação verificou-se que o show ‘passou a um plano inferior e estava sendo divulgado com outro tipo de perfil’, infringindo o regulamento do Cine Teatro São Joaquim, que não permite eventos políticos [2]. Correia afirma que o episódio se configura como ‘censura política’, pois, de acordo com o regulamento, o teatro não admite ‘ação política partidária’ e sua performance não tem conteúdo partidário, mas ‘não pode deixar de ser política’ [3]. A apresentação é transferida para a Igreja do Rosário [4]. O Diretório Estadual e Municipal do Partido dos Trabalhadores (PT) de Goiás emite nota de repúdio ao ato arbitrário e de censura da secretaria [5]. A suspensão ou tentativa de censura de eventos em razão de conteúdo político também foram observadas nos casos da mostra de filmes no Centro Cultural da Justiça Federal [veja aqui], na exibição de peças teatrais no Centro Cultural Banco do Brasil [veja aqui], ambos no Rio de Janeiro, e na apresentação da peça ‘Res Pública 2023’, vetada pela Funarte [veja aqui].
Assista ao show do CD ‘Todos Estão em Nós‘ de Itamar Correia.
Frederico D’Avila (PSL), deputado estadual em São Paulo, propõe ato solene em homenagem ao ditador chileno Augusto Pinochet na Assembleia Legislativa do estado (ALESP) [1]. O embaixador do Chile no Brasil e entidades da sociedade civil criticam duramente a proposta [2]. O Instituto Vladimir Herzog e outras 27 organizações apresentam pedido de cancelamento do evento [3] e parlamentar da oposição protocola denúncia pedindo a cassação do mandato de D’Avila ao Conselho de Ética da Alesp por apologia à tortura [4]. O presidente da Assembleia assina, em seguida, ato impedindo a realização da homenagem [5]. Em setembro, o presidente da República Jair Bolsonaro, então do mesmo partido que D’Avila, já havia defendido o golpe militar chileno [veja aqui].
Leia as análises sobre gênero e a ditadura de Pinochet e história da ditadura chilena.
A Polícia Civil do Pará prende preventivamente quatro membros da Brigada de Incêndio de Alter do Chão [1]. A região havia sido foco de incêndios na região de setembro [2] e os acusados, voluntários para combater o fogo em uma ONG parceira do Corpo de Bombeiros, foram acusadas pela polícia de terem promovido as queimadas [3]. Documentos e computadores da organização também foram vasculhados [4], e a investigação é alvo de críticas por não conter evidências dos crimes [5]. Ainda, o delegado responsável pelo caso, José Humberto de Mello Júnior, acusa a ONG WWF de comprar imagens dos incêndios para obter doações internacionais, incluindo repasses do ator Leonardo DiCaprio [6]. Vale lembrar que, no mês de agosto, o presidente Jair Bolsonaro acusou ONGs de terem cometido as queimadas, posicionamento que reitera após a prisão dos brigadistas [veja aqui]. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), já havia uma ação em andamento na Polícia Federal, em que não havia indícios do envolvimento de brigadistas ou ONGs nos incêndios, sendo os principais suspeitos grileiros [7]. Em 28/11, data em que os brigadistas são soltos [8], Helder Barbalho (MDB), governador do estado, determina a troca do delegado encarregado das investigações [9]. No mesmo dia, porém, o presidente acusa ONGs de promoverem os incêndios na região [veja aqui]. No ano seguinte, a Policia Fedral afirma não ser possível encontrar os culpados pelo incêndio e pede o arquivamento do caso [10].
Leia análises sobre a tensão envolvendo ONGs em Alter do Chão, a vida dos brigadistas após a prisão, o significado da detenção para a democracia e reportagem sobre a rotina dos brigadistas.
Em ação da Polícia Militar (PM), nove jovens entre 14 e 23 anos são mortos em baile funk que acontecia em Paraisópolis [1]. Segundo versão da PM, a entrada na favela acontece na procura de dois homens que estariam disparando contra policiais em uma moto; os oficiais teriam reagido aos ataques e causado tumulto, que resultou na morte das vítimas [2]. Já na versão de frequentadores do baile e moradores não teriam existido tiros ou moto na festa; a polícia teria encurralado quem estava no baile, o que causou o pisoteamento das vítimas [3]; além disso, eles teriam agredido fisicamente os frequentadores da festa [4]. Investigações posteriores feitas pela Corregedoria da PM, em relatório divulgado em 03/2020, não apontam ações ilegais por parte dos policiais [5]: embora admitam que as mortes foram fruto da ação policial, teriam ocorrido em ‘legítima defesa’ [6]. Ademais, no relatório consta que os pais dos jovens seriam parcialmente responsáveis pelas mortes [7]. João Doria (PSDB), governador do estado, afirma inicialmente que a ‘política de segurança pública não vai mudar’ [8]; entretanto, após divulgação dos relatos e vídeos, muda sua postura e afasta 38 policiais [9], além de prometer que o caso seria acompanhado por uma comissão externa — o que não acontece [10]. Posteriormente, há desentendimentos entre ele e o comandante-geral da PM, o que leva à troca da chefia da tropa [11]. A sociedade civil reage, havendo protestos [12] e críticas de chargistas à violência policial, as quais viram objeto de ação judicial pela Associação de Militares meses depois [veja aqui]. No ano seguinte, a letalidade policial em São Paulo apresenta aumento de 31% nos quatro primeiros meses do ano [veja aqui], além de o número de mortes cometidas por policiais em serviço ter aumentado em11,52% [13]. Em agosto de 2020, o Ministério Público de São Paulo se manifesta no sentido de existirem indícios suficientes para apresentação de denúncia por homicídios dolosos, isto é, com intenção de matar, por parte dos policiais envolvidos na operação. A Promotoria informa que a denúncia deve ser apresentada em no máximo 60 dias [14]. Em junho de 2021, a Polícia indicia 9 policiais por homicídio culposo na ação [15], o caso ainda não está encerrado [16].
Leia análises sobre as últimas horas de vida de uma das vítimas, a política de pressão a bailes funk, o impacto da ação da PM sobre a festa em Paraisópolis, reação da sociedade civil e como a desigualdade pode impactar no modo de atuação da polícia.
Em discurso na Assembléia Legislativa de São Paulo, o deputado Arthur do Val (sem partido) – popularmente conhecido como ‘Mamãe Falei’ – incita líderes sindicais com frases como ‘quero ver me encarar, ô líder sindical. Eu quero pegar você (…)’ e, em seguida, chama a categoria de ‘bando de vagabundo’ [1]. As declarações – que ocorrem no contexto de tramitação da proposta de reforma da previdência – são interrompidas por deputados dos partidos PT e PSOL e seus apoiadores que adentram no plenário, iniciando-se troca de ameaças [2] e agressão física por parte do deputado Teonílio Barba (PT-SP) [3]. Em resposta, Barba afirma que sua intenção ao adentrar o púlpito era apenas interromper do Val para que cessassem as ofensas contra a platéia e completa que acionará o Conselho de Ética da Alesp para que o mandato de do Val seja cassado [4]. De outro lado, do Val – que já teria sido advertido na assembléia por referir-se a colegas deputados como ‘vagabundos’ – apresenta versão diversa do ocorrido, segundo a qual seu discurso seria uma resposta a provocações de outro deputado petista [5]. Em nota, o presidente da Alesp afirma que o incidente será analisado com imparcialidade pelo Congresso de Ética [6]; e na semana seguinte do Val é escoltado pela polícia militar até seu gabinete [7]. Vale notar que ofensas a sindicalistas [veja aqui], movimentos sociais [veja aqui] e a partidários da esquerda [veja aqui] também são comuns nos discursos do presidente Jair Bolsonaro.
Leia análise sobre o histórico de confrontos no legislativo paulista e ouça podcast sobre o papel do sindicalismo.
Juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, Ana Cecilia Argueso Gomes de Almeida, suspende a realização de show da cantora gospel Anayle Sullivan ou de qualquer outro cantor ou grupo religioso durante a festa de réveillon de Copacabana, e estipula multa de 300 mil reais caso a decisão seja descumprida [1]. A ação, movida pela Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), defende que a apresentação viola o Estado laico e a liberdade de crença dos cidadãos [2]. Para a magistrada, a inserção de ‘shows de música gospel, gênero ligado a religiões de origem cristã, e somente desta concepção religiosa, em detrimento das inúmeras outras existentes, inclusive das posições não religiosas, vai de encontro à laicidade estatal e à garantia da liberdade religiosa’ [3]. A cantora é casada com Michael Sullivan, principal parceiro musical de Marcelo Crivella que, além de ser prefeito do Rio de Janeiro, também é pastor evangélico e cantor [4]. Para Crivella, a inclusão da música gospel no Réveillon se deve ao fato de ser o gênero musical mais tocado nas rádios cariocas [5]. A Riotur, empresa municipal responsável pelo evento, afirma que ‘trata-se de uma festa democrática’ que comtemplará ‘diversos ritmos, passando pelo samba, pagode, rock, funk, gospel, entre outros’ [6]. O presidente da empresa afirma que o município vai recorrer da decisão e que a escolha do elenco não foi da prefeitura, mas da SRCom (empresa que faz a produção da festa) a partir de estudos dos artistas de mais audiência nas rádios [7]. Confederação de pastores afirma que a medida judicial evidencia ‘discriminação contra evangélicos’ e que desconhece ‘lei federal que cria a cultura Gospel’ [8]. A prefeitura entra com recurso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), mas perde novamente [9]. O caso chega ao Supremo Tribunal Federal e o ministro Dias Toffoli suspende a decisão dada pela juíza e que foi mantida pelo TJRJ, autorizando o show da cantora gospel [10]. Para o ministro, ‘foram contratados para se apresentarem no evento diversos profissionais, de variadas expressões artísticas e culturais apreciadas no país’, portanto, determinado estilo musical não pode ser usado ‘como fator de discriminação para fins de exclusão de participação em espetáculo que se pretende plural’ [11]. Vale lembrar que Crivella já vetou a exposição ‘Queermuseu’ [12], rejeitou a apresentação de peça que retratava Jesus como transgênero [13] e, junto ao TJRJ, determinaram a retirada de livros da Bienal por conteúdo LGBT [veja aqui].
O desembargador Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), determina, em decisão liminar, a suspensão da exibição e divulgação publicitária do programa ‘Especial de Natal: A Primeira Tentação de Cristo’ da produtora Porta dos Fundos, atendendo a pedido da associação católica Centro Dom Bosco de Fé e Cultura [1]. O programa foi extremamente criticado por religiosos ao representar Jesus Cristo como homossexual e de satirizar outras figuras bíblicas relevantes [2]. O magistrado argumenta que a liberdade de expressão não é absoluta e que a suspensão é adequada para ‘acalmar os ânimos’ e mais benéfica para a sociedade brasileira de maioria cristã [3]. Em primeira instância o pedido foi negado, pois, ao sopesar o direito à proteção do sentimento religioso e da liberdade de expressão artística, a juíza entendeu que a proibição da exibição só poderia ocorrer caso houvesse ‘a prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio’ [4]. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, se posiciona contra a decisão liminar do TJRJ, afirmando que se trata de cerceamento à liberdade de expressão [5]. Dias antes, a sede do Porta dos Fundos foi alvo de um atentado com bombas caseiras em represália ao programa [6], a produtora declara em nota que condena qualquer ato de violência e afirma que ‘o país sobreviverá a essa tormenta de ódio’ [7]. Em novembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal decide, em caráter definitivo, que o Especial de Natal do Porta dos Fundos não incita a violência e deve ser exibido [8]. Outros episódios de violações à liberdade artística são vistos no Congresso Nacional, onde um deputado quebrou uma placa com charge crítica à atuação da polícia em exposição [veja aqui], e no Itamaray, pois a diplomacia brasileira solicitou a retirada de filme sobre o cantor Chico Buarque de festival de cinema internacional [veja aqui].
Leia as análises sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no caso Porta dos Fundos e qual o conceito de liberdade de expressão artística para o direito.
Polícia Militar interrompe de forma violenta ensaio do grupo de Maracatu ‘Baque Mulher’ na Praia Brava de Caiobá em Matinhos (PR), encaminha três membras à delegacia e apreende instrumentos [1]. Uma das jovens que foi levada à delegacia conta que o grupo estava ensaiando, como de costume, entre o calçadão e a praia e que optou por ensaiar pela manhã para evitar perturbações à vizinhança, mas que um morador chamou a PM por conta do barulho [2]. Ela também diz que a abordagem dos policiais foi desproporcional; eles chegaram em quatro viaturas e oito policiais, sendo que um deles estava muito alterado, e, de imediato, elas pararam o ensaio e apresentaram seus documentos [3]. De acordo com a artista, num primeiro momento, os policiais disseram que pegariam dois instrumentos e depois pegaram mais um [4]. Durante a ação policial, uma das integrantes é empurrada de forma violenta para dentro da viatura e afirma que o PM a chamou de ‘vadia’; o grupo grita várias vezes que o ato se trata de ‘abuso de autoridade’ e chamam um dos PMs de ‘fascista’, ao que o policial volta para confrontá-las questionando quem tinha dito aquilo [5]. Em nota, a PM afirma que ‘adotou os procedimentos necessários e adequados aplicados em qualquer outra situação de perturbação de sossego’ e que a atuação da corporação ‘é imparcial e segue diretrizes de direitos humanos’ [6]. O órgão declara que o denunciante decidiu representar contra as pessoas ‘que causavam barulho’, por isso três pessoas foram levadas à delegacia e três instrumentos foram apreendidos [7]. Nas redes sociais, o grupo diz que os crimes de resistência à ordem e perturbação do sossego foram desconsiderados, pois o Maracatu é parte da cultura popular afro-brasileira; também negam que houve desacato aos policiais [8]. Enquanto aguardam as três integrantes prestarem depoimento, as percussionistas tocam músicas como forma de resistência na frente da porta da delegacia [9]. O Ministério Público investiga a ação dos policiais [10].
Leia mais sobre o surgimento do Maracatu-Nação.
A Secretaria de Educação de Rondônia (Seduc) determina por meio de memorando o recolhimento de 43 obras literárias de bibliotecas de escolas estaduais sob a justificativa de ‘conteúdo inadequado’ para crianças e adolescentes; entre as obras listadas pode-se citar clássicos brasileiros como ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ de Machado de Assis, e ‘Macunaíma’ de Mário de Andrade [1]. Em resposta à Folha de São Paulo, o secretário da Seduc, Suamy Vivecananda, nega a prática e, em seguida, afirma que ‘não tinha conhecimento da medida’ e determina o não recolhimento dos livros [2]. A ação é criticada pela Academia Brasileira de Letras e outras organizações [3]. No dia seguinte, o Ministério Público Federal instaura procedimento para investigar a atuação da Seduc [4]. A medida ocorre um mês após o presidente Bolsonaro declarar que livros didáticos ‘são um montão de amontoado de muita coisa escrita’ [veja aqui]. Vale lembrar que em setembro de 2019, ocorreram episódios semelhantes no Rio de Janeiro [5] e em São Paulo [6], com determinações para o recolhimento de materiais educativos (gibis e livros didáticos), em razão de conteúdo relacionado à identidade de gênero e à orientação sexual.
Leia análises sobre autoritarismo e censura de livros na história.
O governo João Doria veta diversos livros que compunham projeto de estímulo à leitura em penitenciárias do estado de São Paulo segundo apuração desta data [1]. O projeto ‘Remição em Rede’, uma parceria entre o Estado e a iniciativa privada, surgiu em 2018 e implementou clubes de leitura em dez penitenciárias, cuja função era estimular a leitura e contribuir para a remição da pena, sendo que a cada livro lido haveria a diminuição de 4 dias na condenação [2]. Em julho de 2019, o governo renovou o programa, ampliando seu alcance, e as editoras parceiras doaram 240 exemplares de 12 títulos [3]. No entanto, esses livros nunca foram remetidos pela Fundação Estadual de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) aos presídios [4]. Em reunião, as idealizadoras do projeto foram informadas de que a lista de livros foi descartada pelo diretor executivo da Funap, o coronel Henrique Souza Neto [5]. Em justificativa escrita, o diretor declarou que um dos títulos, sem identificá-lo, não servia ‘ao que se espera para a população atendida pela Funap’ [6]. Uma das voluntárias do projeto afirma que nenhuma das obras são inadequadas, são apenas clássicos da literatura, como Albert Camus e Gabriel García Márquez [7]. Diante do episódio, as organizadoras solicitaram a devolução dos livros [8]. Em nota, a gestão Doria afirma que ‘não faz juízo de valor dos livros’ e que ‘não há nenhum tipo de censura ou veto aos livros’ [9]. Vale lembrar que, em Rondônia, o governo determinou o recolhimento de 43 livros clássicos das escolas [veja aqui] e, em São José dos Campos, divulgação de livro com críticas ao governo é suspensa .
Leia mais sobre experiências de leitura no cárcere e como isso pode ser proveitoso a longo prazo.