O presidente Jair Bolsonaro determina ao Ministério da Defesa que seja celebrada a data de 31 de março de 1964, que marca o golpe militar, com comemorações em unidades militares [1]. Após o pronunciamento, a Defensoria Pública da União (DPU) ajuíza ação [2] para impedir o ato pretendido pelo governo, sob os argumentos de afronta à memória e à verdade, bem como uso irregular de recursos públicos em eventos [3]. Em 17/03/21, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) irá autorizar o governo a celebrar o Golpe Militar de 64 [4]. Igualmente, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão publica nota que repudia a decisão presidencial, afirmando ser ‘incompatível com o Estado Democrático de Direito festejar um golpe de Estado’ [5]. Dias antes das comemorações pretendidas, a Justiça Federal concede liminar [6] ao pedido da DPU, determinando que a União se abstenha de realizar a ordem presidencial [7]. Na prática, no entanto, o texto comemorativo é lido em várias unidades militares dois dias antes da comemoração – uma vez que o dia 31/03 cairia no domingo [8]. Membros da ala militar mais moderada se mostram contra a organização de comemorações do golpe de 1964 [9]. A OAB e o Instituto Vladimir Herzog apresentam denúncia na Organização das Nações Unidas (ONU) contra o presidente [10]. Ressalte-se que, na mesma semana, Bolsonaro nega a existência da ditadura militar [veja aqui]. Em setembro, o presidente volta a defender o golpe militar em fala na ONU [veja aqui]. E no ano seguinte, no dia 31/03, refere-se ao golpe como ‘dia da liberdade’ [veja aqui]. Vale lembrar que o Estado brasileiro já foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por graves violações de direitos humanos em detrimento da não investigação de desaparecimentos forçados ocorridos durante o regime militar, sendo estabelecidas dentre as medidas de reparação o reconhecimento da responsabilidade internacional e a promoção de políticas para garantia do direito à verdade e à memória das vítimas da ditadura militar [11].
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O Ministério da Educação (MEC) suspende a avaliação do nível de alfabetização das crianças até 2021 [1]. A decisão ocorre através de portaria publicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável por aplicar os exames, que não inclui as crianças das provas nacionais [2]. As avaliações para estudantes do fim dos ciclos do ensino fundamental e médio são mantidas [3]. Essas provas compõem o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cujos dados são utilizados para calcular o indicador da qualidade do ensino no Brasil [4]. Em nota, o Inep afirma que a avaliação da alfabetização é adiada, pois as escolas ainda estavam no processo de implementação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [5], que estaria ajustada a uma política de alfabetização de método fônico . Integrantes do MEC são surpreendidos com a medida e afirmam que o secretário da Alfabetização, subpasta criada pelo Ministro da Educação no início do ano [veja aqui], ligado ao escritor Olavo de Carvalho, achava a prova ‘construtivista e fraca’ [6]. Logo após a divulgação da medida, a secretaria da Educação Básica do MEC pede demissão e afirma que a ‘interrupção intempestiva’ da prova traz ‘consequências indesejáveis para a análise de evidências’ [7]. O ministério está tomado por uma disputa entre grupos técnicos, militares e ideológicos relacionados ao escritor Olavo de Carvalho [8]. Autoridades ligadas à pauta da educação repudiam a medida e consideram-na um retrocesso [9]. Em 2015, a prova foi cancelada por falta de recursos e em 2017 e 2018 o governo Temer adiou para esperar a aprovação da nova BNCC [10]. No último exame realizado, em 2016, mais de 50% das crianças não tinham desempenho suficiente em leitura e escrita [11]. Em maio, o governo volta atrás, e diz que irá avaliar a alfabetização por amostragem [12].
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A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), Damares Alves, edita Portaria 376 [1] que altera o Regime Interno da Comissão de Anistia, reduzindo o número mínimo de membros de 20 – previsto em Portaria anterior [2] – para 9. O documento aumenta a participação do Ministério da Defesa e dos anistiados (de um para dois representantes cada) e altera a função dos conselheiros, que passam a ter o poder de elaborar pareceres conclusivos, e não apenas votos [3]. A Portaria, ainda, determina que as decisões do conselho devem ser encaminhadas à ministra da MMFDH para que tome a decisão final [4] e só permite um pedido de reconsideração (até o momento, não havia limite) [5]. No mesmo dia, Damares edita a Portaria 378 [6] que nomeia 27 integrantes como conselheiros, dentre eles, 7 militares. Em resposta, o Ministério Público Federal ajuíza ação contra a União, alegando que a Portaria 378 coloca em risco ‘o direito constitucional de reparação pelos danos’ decorrentes da ditadura e que a obrigatoriedade de 2 membros do Ministério da Defesa ‘fragiliza as funções que se espera de um conselho dessa natureza’ [7]. Em janeiro, novo regimento interno também permitiu que Bolsonaro escolhesse 3 integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) [veja aqui], em agosto, o presidente altera os integrantes da CEMDP [veja aqui] e, no ano seguinte, Damares critica os trabalhos anteriores da Comissão de Anistia, questionando a concessão de indenizações a vítimas do regime militar [veja aqui] e anula uma série de anistias políticas [veja aqui].
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Dias antes do golpe militar de 1964 completar 55 anos, o presidente Jair Bolsonaro afirma, em entrevista, que não houve ditadura no Brasil e que, assim como um casamento, o regime teve seus ‘probleminhas’ [1]. Mais tarde, o vice-presidente, Hamilton Mourão, diz que ‘cada um tem sua ótica’ sobre o regime militar e que as Forças Armadas combateram o nazifascismo e o comunismo [2]. A retórica da ameaça comunista é constante no governo Bolsonaro [veja aqui], inclusive para justificar a ditadura [veja aqui]. No mesmo dia, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos baixa portaria que altera a composição da Comissão de Anistia [veja aqui]. O Ministro da Educação [veja aqui] e o Ministro das Relações Exteriores também negam a existência do golpe [3]. Dias antes da entrevista, Bolsonaro determinou as ‘comemorações devidas’ para celebrar a data que instaurou a ditadura militar de 1964 [veja aqui] e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão se manifestou afirmando que comemorá-la é ‘festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos’ [4]. Em outras oportunidades, Bolsonaro elogia os militares que ocuparam o cargo de presidentes durante o regime [veja aqui] e exalta torturadores [veja aqui], inclusive recomendando para professora ‘esquerdista’ livro escrito por um deles [veja aqui]. Em 2020, o Presidente se refere ao dia do golpe como ‘dia da liberdade’ [veja aqui] e o vice-presidente, Hamilton Mourão, faz homenagem à ditadura em sua rede social [veja aqui]. Na sequência, o advogado-geral da União admite ‘interpretações divergentes’ sobre a ditadura militar, após postagens elogiosas da ditadura feitas pela Secretaria Especial de Comunicação (Secom) [veja aqui].
Leia a análise sobre como o governo Bolsonaro prega o ‘negacionismo histórico’ em relação à ditadura de 1964, ouça sobre os momentos em que o governo reiterou essa posição e assista o curso sobre o que foi a ditadura militar
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, nega a existência do golpe militar em 1964 [1], afirmando que o que houve, na verdade, teria sido ‘um movimento necessário para que o Brasil não se tornasse uma ditadura’ [2]. Questionado sobre como nomeia o regime do período, Araújo declara não ser uma discussão relevante para a política externa do país [3]. As declarações são dadas após orientação do presidente, Jair Bolsonaro, determinar que os quartéis realizem ‘comemorações devidas’ ao golpe de 1964 [veja aqui]. Em resposta às declarações do ministro e do presidente, um grupo de diplomatas do Itamaraty divulga carta, sem assinatura, de repúdio à relativização de um regime de natureza ‘ilegal, inconstitucional e criminosa’ e afirma que as alegações violam os compromissos do Brasil com o exterior [4]. A negação à ditadura militar e o elogio ao período são recorrentes no governo Bolsonaro. Em outras oportunidades, o presidente defende o golpe de 1964 em discurso na ONU [veja aqui], tece elogios ao coronel Brilhante Ustra – primeiro militar julgado culpado por crimes cometidos durante a ditadura [5] [veja aqui] e Araújo encaminha o livro desse coronel ao Itamaraty para embasar palestra . Além disso, o Ministro da Educação nega a existência do golpe de 1964 [veja aqui], na mesma linha do Ministro do Gabinete de Segurança Institucional, que afirma ter sido uma ‘contrarrevolução’ senão o ‘Brasil seria uma grande Cuba’ [veja aqui].
Leia as análises sobre como se deu o golpe de 1964, os efeitos de falas que exaltam a ditadura militar e a agenda isolacionista de Ernesto Araújo no governo Bolsonaro.
O Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), general João Carlos de Jesus Corrêa, determina, através de memorando, que as superintendências regionais do órgão suspendam as vistorias nos imóveis rurais, requisito obrigatório para a desapropriação de terras e consequente criação de novos assentamentos [1]. É a segunda vez que o Incra determina a suspensão da Reforma Agrária desde o início do governo Bolsonaro [veja aqui]. No memorando, o general justifica a medida em razão de previsão na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019, que reduziu pela metade os recursos destinados à aquisição de imóveis [2]. A atuação do Incra neste ano consistiu apenas na legalização de terras já desapropriadas e emissão de títulos de posse; para funcionários do órgão, situação representa o fim da reforma agrária, pois não há a transferência da ‘propriedade de terras improdutivas para as famílias sem-terra’ [3]. Em outra oportunidade Corrêa afirma que as desapropriações precisam ser revistas e que não deram certo [4]. O número de famílias assentadas pelo Incra no primeiro semestre de 2019 é reduzido [veja aqui] e, em novembro, 66 projetos de assentamento estão disponíveis, porém nenhuma família é alocada [5]. A medida compõe o quadro de beneficiamento do agronegócio pelo governo Bolsonaro, que nomeia ruralistas para o Ministério da Agricultura [6], cede aos seus interesses alterando a composição do Incra [veja aqui], promove o desmonte do órgão [veja aqui], amplia a permissão de armazenamento de armas em área rural [veja aqui] e possibilita a legalização de terras griladas [veja aqui].
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A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, critica o trabalho realizado pela Comissão da Anistia na gestão anterior e questiona a concessão de indenizações às vítimas do regime militar [1]. As declarações ocorrem durante cerimônia de posse da nova Comissão, que sofreu alterações com a edição de duas portarias, como a modificação na função dos conselheiros [veja aqui]. Na ocasião, Damares determina a realização de auditorias com o apoio da Controladoria-Geral da União para apurar atos passados da Comissão que considera suspeitos [2]. A ministra também afirma que solicitou que a Comissão dê prioridade a dois pedidos – sem especificá-los – feitos pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), perseguidos durante a ditadura. Ocorre que ambos já são anistiados políticos e Dilma agora requer indenização na esfera federal. No entanto, assessores de Lula afirmam que não há nenhum pedido em andamento [3]. Em reação, José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça, afirma ser ‘abuso de poder’ a intenção de usar a Comissão para perseguir adversários políticos [4]. Entre março e julho, a ministra nega 1.381 pedidos de reconhecimento de anistiados políticos e os únicos 26 pedidos concedidos se deram por decisão da Justiça [5]. Em setembro, um conselheiro do órgão afirma que a orientação é a de negar pedidos em massa [veja aqui]. Vale notar que Bolsonaro declara que os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade são ‘balela’ [veja aqui] e, em 2020, Damares anula anistias políticas concedidas a ex-oficiais da Aeronáutica [veja aqui].
Leia as análises sobre as medidas concretas de Damares Alves à frente do Ministério, a cartilha da Comissão da Anistia que explica os trabalhos do órgão e os 40 anos da Lei da Anistia.
O servidor público do Ibama, José Augusto Morelli, é exonerado de cargo de chefia do Centro de Operações Aéreas da Diretoria de Proteção Ambiental. O servidor tem histórico de enfrentamento com o presidente Jair Bolsonaro, tendo autuado e multado o mesmo em R$ 10 mil, pela prática de pesca ilegal quando este era deputado federal [1]. A sanção foi aplicada contra a prática ilegal de pesca na Estação Ecológica de Tamoios de Angra dos Reis no ano de 2012, mas anulada após recursos no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2006 [2]. Em dezembro de 2018, recém eleito presidente, Bolsonaro menosprezou o papel fiscalizatório de órgãos de proteção ao meio ambiente, afirmando que ‘não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito’ [3]. Em entrevista, Morelli declara que foi punido ao cumprir seu dever de fiscal [4]. Em maio, o presidente declara que editará decreto para alterar regras de preservação da reserva para viabilizar sua exploração turística [veja aqui][5]. Ao longo do ano, outras providências são tomadas contra servidores públicos que se opuseram a práticas cometidas pelo presidente, como servidor da Receita Federal repreendido por criticar Bolsonaro nas redes sociais [veja aqui]. Igualmente são marcantes os episódios envolvendo servidores que representam políticas de proteção ambiental, como a transferência de pesquisador do ICMBio [veja aqui], e a exoneração de diretor do Inpe responsável pela divulgação de dados sobre desmatamento [veja aqui]. No ano seguinte, também são exonerados o diretor do Ibama [veja aqui] e a coordenadora do Inpe [veja aqui].
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Em resposta oficial a pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI) realizado pela agência de dados ‘Fiquem Sabendo’, a respeito da liberação de 16 mil documentos desclassificados como sigilosos pela Marinha entre 2018 e 2019, o Comando da Marinha informa que ‘a coleta, a triagem e o tratamento’ dos documentos ‘implica um ônus excessivo’ e ‘sugere’ que os pedidos de LAI para o órgão não ultrapassem o número de 15 documentos por mês [1]. Segundo a agência, se fosse seguida a delimitação, seriam necessários 93 anos para acessar todos os documentos que perderam o caráter de sigilo apenas dos últimos dois anos [2]. Em resposta aos recursos interpostos pela agência, o Comando da Marinha segue sem disponibilizar os documentos, e afirma que a restrição de 15 documentos por mês seria ‘apenas uma sugestão’ [3]. Vale notar que em janeiro [veja aqui] e em fevereiro [veja aqui] já tinham sido editadas normativas para ampliar o rol de agentes permitidos a classificar dados públicos como ultrassecretos. Em outras oportunidades, o Ministro da Justiça se nega a fornecer informações sobre reuniões com representantes de setor armamentista [veja aqui], o Itamaraty censura informações sobre política de gênero até 2024 [veja aqui], o governo federal decreta sigilo sobre estudos da reforma da previdência [veja aqui] e utiliza Lei de Proteção de Dados para manter em sigilo documento sobre redes sociais [veja aqui].
Até abril, há uma queda de 70% nas operações de fiscalização efetuadas pelo Ibama na Amazônia [1] e uma queda de 58% em todo o país, em comparação com o mesmo período do ano passado [2]. Até agosto, o Ibama não realiza 22% das operações de fiscalização ambiental previstas no Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental (Pnapa), que lista as ações a serem realizadas no ano subsequente pelo órgão [3]. Estavam planejadas 837 ações nos oito primeiros meses do ano, porém 183 não foram realizadas [4]. O desmatamento da Amazônia referente ao período entre agosto de 2018 e julho de 2019, teve uma alta de 34,41% em relação aos 12 meses anteriores [5]. Em abril, o presidente Jair Bolsonaro cria Núcleos de Conciliação Ambiental, que têm o poder de anular multas emitidas por órgãos de fiscalização [veja aqui], e o Ibama arquiva multas por desmatamento ilegal após reunião com políticos e empresários [veja aqui]. Em maio, o governo faz diversos cortes orçamentários no ICMBio e no Ibama, este último com um corte de 24% nos recursos destinados ao programa de fiscalização ambiental [veja aqui]. Em julho, o número de autuações por crimes contra a flora cai 23% em relação à média dos últimos 5 anos [veja aqui]. Em outras oportunidades o ministro do Meio Ambiente incentiva plantação ilegal de soja na Amazônia [veja aqui] e apoia madeireiros que atacaram unidade do Ibama [veja aqui], bem como invasores de terras indígenas [veja aqui]. No ano seguinte, o exército faz operação de Garantia da Lei e da Ordem e não realiza nenhuma autuação [veja aqui]; há nova redução de autuações nos primeiros 6 meses do ano – Ibama sanciona 60% menos do que no mesmo período de 2019 [veja aqui] – e o ministério da defesa impede fiscalização do Ibama a garimpo ilegal [veja aqui].
Leia a análise sobre a política ambiental do governo Bolsonaro em 2019