O presidente da República Jair Bolsonaro baixa decreto [1] que extingue cargos em comissão, e funções de confiança e limita a concessão de gratificações em retribuição a serviços prestados no âmbito da educação superior pública brasileira. Ficam extintos imediatamente 119 cargos de direção e cerca de 5.000 funções [2], e todas as funções gratificadas das universidades federais de Catalão (GO), Jataí (GO), Rondonópolis (MT), Delta do Parnaíba (PI) e Agreste de Pernambuco (PE) são eliminadas [3]. Até julho, o plano prevê extinguir 21 mil cargos e funções [4] e economizar R$ 195 milhões ao ano – o que representa menos de 0,1% dos gastos previstos com servidores em 2019 [5]. Extinguir uma função é diferente de extinguir um cargo, pois não implica a redução de postos de trabalho, mas sim a supressão de pagamento a tarefas específicas [6]. Conforme especialista, isso significa a continuação da prestação de determinadas atribuições sem a devida contribuição financeira por seu exercício [7]. Os cortes previstos não atingem cargos de livre nomeação, resultantes de indicações diretas do governo [8]. A medida tem repercussão negativa e é revertida em diversas instâncias judiciárias na sequência. O presidente do Sindicato Nacional dos docentes das instituições de ensino superior denuncia a política de desmonte das universidades públicas e aponta para o desestímulo para assumir tarefas de gestão, com a extinção das gratificações [9]. Juízes também indicam a inconstitucionalidade do decreto, já que tais providências só poderiam ser feitas por meio de lei [10]. Em julho, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuíza ação no Supremo Tribunal Federal [11] para suspender os dispositivos do decreto que preveem a extinção de cargos e funções nas universidades públicas e nos institutos federais [12]. Desde então, decisões de justiças estaduais de todo país [13] [14] [15] [16] [17] suspendem os efeitos do decreto e/ou reintegram as funções extintas. Ressalte-se que outras medidas do governo antingem a educação superior [veja aqui], com mudanças no processo de escolha de reitores [veja aqui] e de nomeação de cargos de direção [veja aqui], além da suspensão de contratações [veja aqui], e congelamento orçamentário [veja aqui].
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), por meio de Portaria [1], nomeia uma comissão para realizar uma análise ideológica das questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019 durante 10 dias [2]. A proposta já havia sido anunciada no mês anterior em reunião interna e sua missão seria anular itens com suposta ‘ideologia de gênero’ [3] e fazer uma ‘leitura transversal’ das questões que integram o Banco Nacional de Itens (BNI) para a montagem das provas e assegurar um ‘perfil consensual’ do Exame [4]. O Ministério Público Federal pede esclarecimentos ao Inep por julgar que o propósito da comissão é vago [5] e, considerando insuficientes as informações prestadas, solicita novas [6]. No total, a comissão barra 66 questões, sem divulgar o conteúdo das perguntas excluídas [7]. O Enem de 2019 é o primeiro desde 2009 a não tratar da ditadura militar e deixa de fora a temática dos direitos LGBT [veja aqui], encarados como ‘ideologia de gênero’ pelo governo. O combate ela faz parte da agenda do governo. Em janeiro, a presidente do Inep foi exonerada depois de Bolsonaro criticar a prova do Enem de 2018 que utilizava dialeto LGBT em uma questão [veja aqui]. Em setembro, ele solicita ao Ministério da Educação (MEC) um projeto de lei para proibir a abordagem de ‘questões de gênero’ nas escolas [veja aqui] e o MEC envia comunicado às secretarias de educação com orientações sobre como manter um ambiente escolar ‘sem doutrinação’ [veja aqui]. Em 2020, o governo anuncia novo projeto de lei para combater ‘ideologia de gênero’ [veja aqui]. Em 2021, a imprensa obtém informações mais precisas sobre as questões barradas em 2019, dentre elas, consta tirinha da personagem Mafalda, na qual há uma interpretação feminista em relação à trajetória de sua mãe, e trecho da música ‘Papa don’t preach’ da cantora Madonna, que fala sobre gravidez na adolescência e que foi considerada ‘polêmica’ pela comissão de censores [8]. Em relação à ditadura militar, questões que utilizavam poemas de Ferreira Gullar e Paulo Leminski e música de Chico Buarque foram barradas; nesta última constava a observação dos censores: ‘Leitura direcionada da história / Sugere-se substituir ditadura por regime militar’ [9]. Ainda, foram consideradas inaptas para o exame charge que se ambientava numa igreja, mas que não tinha conteúdo relacionado à religião e poema de Manoel de Barros por supostamente ferirem o ‘sentimento religioso e a liberdade de crença’ [10]. Em sentido semelhante, foi censurada charge da cartunista Laerte por ‘Leitura direcionada da história / Direcionamento do pensamento’ e tira sobre milhos transgênicos, pois geraria ‘polêmica desnecessária em relação à produção no campo’ [11]. No ano de 2021, novamente o governo federal censura questões do ENEM [veja aqui].
Ouça o podcast sobre a comissão que vai fiscalizar as questões do Enem.
O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, edita Portaria [1] alterando antiga portaria de 2018 [2] que instituiu o Comitê Permanente de Avaliação de Custos na Educação Básica do Ministério da Educação (CPACEB), responsável por definir critérios sobre os destinos de recursos públicos voltados à educação básica. A nova portaria exclui o Fórum Nacional de Educação – que reúne representantes do setor educacional – da composição do Comitê [3]. O documento também retira a previsão de implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) e Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), indicadores de investimento mínimo a serem adotados pelo Ministério da Educação (MEC) visando à redução das desigualdades educacionais e definido no Plano Nacional da Educação (PNE) [4]. Com as alterações, o Conselho Nacional de Educação (CNE) convoca reunião para decidir se mantém ou revoga os critérios atuais do PNE [5], mas decide que não tem competência para definir o valor financeiro do CAQi [6]. Em resposta, entidades educacionais publicam carta aberta ao Conselho afirmando que a exclusão dos indicadores representa um retrocesso na consagração do direito à educação [7] e o sindicato dos professores exige a apresentação de proposta para a sua implementação [8]. Vale notar que, em abril, o MEC anuncia cortes nos recursos de instituições federais de ensino [veja aqui] e, em 2020, veta aumentos salariais [veja aqui] e edita Medida Provisória que retira recursos destinados à educação [red id=558].
Leia as análises sobre o que é o indicador CAQ e sua importância, bem como a ameaça ao investimento na educação pública.
O Ministério da Educação (MEC) suspende a avaliação do nível de alfabetização das crianças até 2021 [1]. A decisão ocorre através de portaria publicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável por aplicar os exames, que não inclui as crianças das provas nacionais [2]. As avaliações para estudantes do fim dos ciclos do ensino fundamental e médio são mantidas [3]. Essas provas compõem o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cujos dados são utilizados para calcular o indicador da qualidade do ensino no Brasil [4]. Em nota, o Inep afirma que a avaliação da alfabetização é adiada, pois as escolas ainda estavam no processo de implementação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [5], que estaria ajustada a uma política de alfabetização de método fônico . Integrantes do MEC são surpreendidos com a medida e afirmam que o secretário da Alfabetização, subpasta criada pelo Ministro da Educação no início do ano [veja aqui], ligado ao escritor Olavo de Carvalho, achava a prova ‘construtivista e fraca’ [6]. Logo após a divulgação da medida, a secretaria da Educação Básica do MEC pede demissão e afirma que a ‘interrupção intempestiva’ da prova traz ‘consequências indesejáveis para a análise de evidências’ [7]. O ministério está tomado por uma disputa entre grupos técnicos, militares e ideológicos relacionados ao escritor Olavo de Carvalho [8]. Autoridades ligadas à pauta da educação repudiam a medida e consideram-na um retrocesso [9]. Em 2015, a prova foi cancelada por falta de recursos e em 2017 e 2018 o governo Temer adiou para esperar a aprovação da nova BNCC [10]. No último exame realizado, em 2016, mais de 50% das crianças não tinham desempenho suficiente em leitura e escrita [11]. Em maio, o governo volta atrás, e diz que irá avaliar a alfabetização por amostragem [12].
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Em entrevista, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, afirma que os livros didáticos sofrerão alterações ‘progressivas’ para que os alunos tenham a ideia ‘verídica’ a respeito do golpe militar de 1964 e da ditadura que se seguiu no país durante 21 anos [1]. O ministro nega a existência do golpe, que na sua visão se tratou de ‘uma decisão soberana da sociedade brasileira’ e afirma que o regime militar não foi uma ditadura, mas um ‘regime democrático de força’ [2]. Nas redes sociais, o ministro declara que as alterações nos livros não constituiriam ‘doutrinação’, já que ‘cientistas da área’ irão analisar as mudanças nos livros [3]. As declarações repercutem negativamente. Especialista em educação afirma que a história não pode ser ‘reinventada’ ou ‘inventada’ e que nenhum livro didático pode negar uma ditadura [4]. Autores de livros didáticos ressaltam a necessidade de uma ampla consulta acadêmica para a produção dos livros didáticos, e não de opiniões [5]. Vale notar que, em janeiro, Eduardo Bolsonaro já havia proposto uma revisão histórica sobre ditadura em livros didáticos [veja aqui] e Bolsonaro negou a existência da ditadura militar [veja aqui], além de determinar comemorações ao golpe de 1964 [veja aqui]. Em setembro, o presidente volta a defender o golpe militar em fala na ONU [veja aqui] e, no ano seguinte, refere-se ao golpe como ‘dia da liberdade’ [veja aqui]. Em relação aos livros didáticos, Bolsonaro sugere reformas em 2021 para que conteúdo seja ‘suavizado’ [veja aqui], a que se alinha o ministro da educação [veja aqui].
Leia as análises sobre os parâmetros para o ensino da ditadura, o negacionismo histórico no governo Bolsonaro, os problemas decorrentes desse discurso e o seu uso como arma política.
O ministro da Educação Abraham Weintraub relaciona, em seu discurso de posse, o educador Paulo Freire a resultados ruins na educação [1]. Nas palavras do novo ministro, ‘se (…) Paulo Freire seria uma unanimidade, por que a gente tem resultados tão ruins comparativamente a outros países? A gente gasta em patamares do PIB igual aos países ricos’ [2]. Embora o montante gasto em voluma seja 6% maior do que a média dos países pertecentes à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o valor proporcional é equivalente à metade do que os demais países gastam [3]. Vale destacar que Paulo Freire é constantemente associado pelo governo Bolsonaro à esquerda, sendo alvo de ataques por isso [4] [veja aqui]. Contudo, o pensador é referência internacional na área de ciências humanas e seu livro ‘Pedagogia do oprimido’ é o único brasileiro constante na lista de cem mais pedidos pelas universidades de língua inglesa [5]. Freire é constantemente alvo de ataques pelo atual governo – o presidente o chamou de ‘energúmeno’ [veja aqui] e criticou sua ideologia [veja aqui]; Weintraub o critica outras vezes [veja aqui] e os filhos do presidente [veja aqui] também atacam o educador.
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Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp) instala Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) [1] com vistas a ‘investigar irregularidades na gestão’ de universidades públicas estaduais, especialmente sobre a ‘utilização do repasse de verbas públicas’ [2]. Ainda que o objetivo declarado da CPI seja o monitoramento do uso de recursos públicos, envolve deputados que pretendem investigar o ‘aparelhamento de esquerda’ e da ‘interferência ideológica’ de universidades públicas [3]. As mesmas expressões são utilizadas em outra ocasião pelo presidente Jair Bolsonaro para criticar a autonomia universitária [veja aqui]. A instalação da CPI é criticada pelo Diretor da Faculdade da USP que aponta para inconstitucionalidade de medidas interventoras nas universidades públicas [4]. Os reitores da USP e da Unicamp também expressam preocupação com a liberdade de cátedra das instituições e defendem o papel da pesquisa e extensão para o desenvolvimento de políticas públicas [5]. No dia da abertura da CPI organizações estudantis como a UEE e professores universitários realizaram ato na Alesp [6]. Durante o processo da CPI, reitores das três universidades estaduais investigadas prestam depoimentos públicos e relatam que são obrigados a providenciar em pouco tempo e com grande detalhamento informações internas sobre seu funcionamento [7]. Os trabalhos da CPI são concluídos em novembro [8]. Em nota, a reitoria da USP celebra o fato da autonomia universitária ter sido preservada pela Alesp [9]. Vale notar que ao longo de 2019 outros atos são vistos como tentativa de interferência indevida nas universidades do país, como a edição de medida provisória alterando o processo de escolha de reitores [veja aqui] e corte de gastos em instituições federais [veja aqui].
Leia análise sobre as motivações por trás da criação da CPI das univerisdades paulistas
O presidente Jair Bolsonaro, nas redes sociais, afirma que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, estaria considerando ‘descentralizar’ os investimentos destinados a ‘faculdades de filosofia e sociologia (humanas)’ [1]. Para o presidente, os gastos com as áreas não seriam justificados, uma vez que não garantiriam ‘retorno imediato’ à sociedade [2]. A declaração se coaduna com o posicionamento do ministro que no dia anterior publicou em suas redes sociais que o investimento em curso de filosofia não seria tão vantajoso quanto às áreas veterinária e médica [3]. Em reação, associações de estudantes e pesquisadores de humanidades assinam nota pública em que criticam ambas as declarações, que desprezam o papel das ciências sociais para o processo de formulação de políticas públicas [4]. As postagens ocorrem quatro dias antes de Weintraub anunciar cortes orçamentários em universidades federais sob a justificativa de ‘baixo rendimento’ e realização de atividades consideradas como ‘balbúrdia’ [veja aqui]. Outros episódios marcam o uso de termos pejorativos para classificar estudantes universitários, como a acusação de que universidades federais teriam plantações de maconha [veja aqui]. No ano seguinte, Weintraub volta a afirmar que investir em sociólogos, antropólogos e filósofos seria desperdício de dinheiro público [veja aqui] [5].
Leia análise sobre o papel das universidades na formação de pesquisadores e formuladores de políticas públicas nas mais diversas áreas de conhecimento
O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirma que alunos têm direito de filmar professores em sala de aula [1]. A declaração é feita após o presidente, Jair Bolsonaro, ter compartilhado vídeo nas redes sociais em que aluna questiona professora acerca de críticas contra o governo Bolsonaro, o movimento Escola Sem Partido e Olavo de Carvalho [2]. O ministro ainda afirma que o objetivo da medida não seria criar um clima de ‘caça às bruxas’ ou perseguição, e que os professores poderiam ‘ficar tranquilos’, pois o direito de todos seria preservado [3]. Em resposta, associações e sindicatos da área da educação repudiam a fala de Weintraub, incluindo agremiação de docentes da Universidade Federal de São Paulo, onde o ministro é professor [4]. Essa não é a primeira vez que a filmagem de atividades educacionais é incentivada, em fevereiro o MEC encaminhou carta recomendando a filmagem do hino nacional em escolas [veja aqui]. Ainda, outras práticas que estimulam o vigilantismo são realizadas nos meses seguintes, como a recomendação para não realização de protestos [veja aqui] e vistoria atípica em escola pública [veja aqui].
Leia análises sobre os riscos de incentivar a filmagem das salas de aula, o que diz a lei sobre a prática, o conceito de liberdade acadêmica e a sua perspectiva histórica no Brasil.
O presidente da República Jair Bolsonaro afirma que Paulo Freire não será mais o patrono da educação [1]. A declaração é dada para entrevista a uma repórter-mirim, no programa Agrishow; a menina tem um programa no Youtube e já havia interagido com o presidente outras vezes, tendo inclusive comparecido a sua posse [2]. Bolsonaro não cita Freire diretamente, mas afirma que o atual patrono é ‘muito chato, (…) [e] vai ser mudado, estamos esperando alguém diferente’ [3]. Freire é patrono da educação brasileira desde 2012, homenagem conferida com por uma lei federal da deputada Luiza Erundina (PSOL) sancionada pela presidenta Dilma Roussef (PT) [4]; o educador é também associado pelo presidente à ideologia de esquerda, embora seja referência na área das ciências humanas [5]. O pensador é constantemente alvo de ataques pelo atual governo: foi chamado de ‘energúmeno’ [veja aqui] por Jair Bolsonaro, que também criticou sua ideologia e livros escolares [veja aqui]. Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, afirmou que somente pessoas alinhadas à Freire falariam mal do MEC [veja aqui]. Já o ministro da Educação Abraham Weintraub também atacou o pensador mais de uma vez, o relacionando a baixos índices de alfabetização [veja aqui] e afirmando que Freire ‘não tem vez’ no atual governo [veja aqui].
Leia as análises sobre o legado de Paulo Freire para a educação brasileira e sua relação com o pensamento conservador