O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), expede decreto [1] que proíbe o uso de máscaras em protestos e estabelece regras mais rigídas para a realização de manifestações. O decreto regulamenta lei estadual sancionada em 2014 pelo então governador Geraldo Alckmin [2], do mesmo partido de Doria [3]. Na nova regulação é previsto que as manifestações com previsão de mais de 300 pessoas sejam comunicadas com cinco dias de antecedência às autoridades e que os atos devam ocorrer em trajetos previamente acordados com a Polícia Militar (PM) [4]. Já o uso de máscaras é vedado por caracterizar anonimato [5] e o descumprimento das determinações legais se enquadra em crime de desobediência [6]. A principal justificativa do governo estadual para a regulação foi de coibir a atuação dos chamados ‘black blocs’ [7], que seria uma tática de protesto utilizada por militantes [8]. Após apelo da sociedade civil [9], especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) encaminham ofício ao Estado brasileiro solicitando que o governo de São Paulo reveja a regulamentação criada pelo decreto [10]. Essa não é a primeira vez que Doria é repreendido pela ONU por restrições a direitos humanos [veja aqui].
Leia análises sobre a constitucionalidade do decreto, a tática black block, reportagem sobre inquérito sobre manifestantes, a ação da PM em protestos e discussão sobre a constitucionalidade das máscaras em contexto de pandemia da covid-19
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL) desiste do mandato e deixa o Brasil, após ser alvo de ameaças de morte, que se intensificaram com o atentado contra o Presidente Jair Bolsonaro durante as eleições, pois Wyllys era falsamente relacionado ao crime [1]. Desde a execução da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL), Wyllys vivia sob escolta [2]. Wyllys pautava a agenda LGBT e apoiou os governos Lula e Dilma, o que intensificava as animosidades com apoiadores do governo Bolsonaro e era alvo de notícias falsas envolvendo pedofilia [3] e o inexistente ‘kit gay’ [veja aqui]. Nas redes sociais, Bolsonaro escreve ‘Grande dia!’ e, mais tarde, nega que tenha sido em referência a Wyllys, e o vereador Carlos Bolsonaro (PSC) publica ‘Vá com Deus e seja feliz!’ [4]. Deputados aliados ao governo comemoram a saída do Parlamentar [5]. O vice-presidente Hamilton Mourão afirma que Wyllys informou apenas de forma genérica as ameaças que havia recebido [6]. O deputado relata que, apesar das denúncias feitas, a Polícia Federal não avançou nas investigações das ameaças [7]. Figuras públicas [8] e o Presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM) [9] lamentam a saída de Wyllys. Em outras oportunidades, Bolsonaro chama Wyllys de ‘menina’ [veja aqui] [10]. Em 2020, Wyllys processa Carlos e Eduardo Bolsonaro por notícias falsas relacionadas ao atentado do Presidente [11] e afirma que Bolsonaro o tornou uma ‘espécie de inimigo’ [12].
Leia a análise sobre o que é uma perseguição política
Representante dos alunos no Conselho Diretor do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) denuncia exclusão de vídeos do canal na internet TV Ines, vinculado ao instituto e que reúne programas em libras [1]. Os vídeos excluídos tratavam de biografias de filósofos e acadêmicos considerados ‘de esquerda’, como Karl Marx, Friedrich Engels e Marilena Chauí [2], além de programas com conteúdo sobre feminismo, população negra, indígena e uma entrevista com o ex-deputado Jean Wyllys [3]. Antes da retirada dos vídeos, já havia circulado uma lista de ‘programas proibidos’ entre os funcionários do canal [4]. A TV Ines é mantida pelo Ministério da Educação (MEC) e as exclusões ocorrem no mês em que Ricardo Vélez Rodríguez, que defende alteração dos livros didáticos [veja aqui], assume o cargo. Após a constatação das exclusões, o Ines instaura sindicância para averiguar a retirada dos vídeos e afirma que eles serão reinseridos no site [5]. Apesar do MEC ter alegado que a apuração preliminar identificou que os vídeos foram retirados em 2018 [6], o histórico do site permite verificar que os vídeos ainda estavam presentes no início de janeiro de 2019 [7]. O episódio se alinha a outros de combate a determinados temas na educação, como pedido para recolhimento de livros de literatura de escolas em Rondônia [veja aqui]. Ressaltem-se, ainda, declarações do presidente Jair Bolsonaro de que a TV Escola ‘deseduca’ [veja aqui], que livros didáticos são ‘amontoado de muita coisa escrita’ [veja aqui] e do Ministro da Educação ao anunciar extinção da secretaria da diversidade e prometer combate ao marxismo [veja aqui].
Leia a análise sobre as características de censura nas exclusões de conteúdo na TV Ines.
Lisandro Sodré, capitão do 13º Batalhão da Política Militar de Minas Gerais (PM-MG), ameaça abandonar o policiamento do desfile do bloco ‘Tchanzinho da Zona Norte’, durante o carnaval de Belo Horizonte, após um dos vocalistas puxar música de repúdio ao presidente Jair Bolsonaro e de apoio ao ex-presidente Lula [1]. O porta-voz da PM-MG considera correta a postura do capitão sob o argumento de que manifestações político-partidárias nos blocos poderiam gerar confusões e brigas [2]. A organização do bloco se sentiu intimidada quanto à sua liberdade de expressão [3] e reiterou que o ‘Tchanzinho da Zona Norte’ sempre teve caráter político, seguindo a tradição do carnaval de Belo Horizonte [4]. Além disso, a organização informa que, após a atuação do capitão, foram constatados casos de homofobia e violência, o que levou o desfile a terminar antes do previsto [5]. A Defensoria Pública de Minas Gerais requer a revisão dos procedimentos administrativos da PM para que não sejam proibidas manifestações de cunho político nos blocos de Carnaval [6]. No carnaval de rua de São Paulo, foram protocoladas ao menos dez denúncias de violência policial, fenômeno que não ocorria desde 2012 [veja aqui] e o presidente Bolsonaro desmereceu música carnavalesca de Caetano Veloso e Daniela Mercury que o criticava [veja aqui]. Ainda, em Mato Grosso do Sul, a PM interrompeu show da Banda BNegão & Seletores que se posicionava contra a atuação da polícia e os ataques a indígenas [veja aqui].
Leia a análise sobre a relação entre carnaval e política e sobre o tamanho do bolsonarismo dentro das polícias militares e veja o vídeo sobre a história do carnaval em Belo Horizonte e seu caráter eminentemente político.
O presidente Jair Bolsonaro, após visita ao Memorial do Holocausto em Israel, afirma a jornalistas que concorda com a opinião do ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, de que o nazismo está ligado à esquerda [1]. Segundo o presidente, “não há dúvida. Partido socialista, como é que é? Partido Socialista da Alemanha”, em referência ao nome do partido fundado por Adolf Hitler [2]. Em março, historiadores criticaram o posicionamento de Araújo, afirmando ser incorreta a relação entre nazismo e a posição política e ideológica da esquerda [3]. O próprio museu em memória das vítimas do holocausto, visitado por Bolsonaro, associa o movimento nazi-fascista a participação de grupos radicais de direita [4]. Em reação, o grupo Judeus pela Democracia classificam como desrespeitosa a fala do presente [5] e o rabino da Congregação Israelita Paulista contesta Bolsonaro e reafirma a participação de grupos de extrema direita no nazismo [6]. No mesmo dia, o presidente também é criticado pela própria organização do memorial do holocausto e por diplomata israelense no Brasil pela declaração de que seria possível ‘perdoar’ o holocausto [7]. Com relação a essa fala, o presidente pede desculpas em carta [8]. No ano seguinte, o Secretário da Cultura lança vídeo com referências nazistas [veja aqui], Araújo associa o nazismo com decisões do Supremo Tribunal Federal [veja aqui] e chargistas são investigados criminalmente por cartum que relaciona Bolsonaro a símbolo do nazismo [veja aqui].
Ouça análise de podcast que explica a relação entre nazismo e extrema direita.
O presidente Jair Bolsonaro ameaça demitir o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Joaquim Levy, mesmo sem o consentimento do ministro da Economia, Paulo Guedes [1]. A ameaça ocorre depois que Levy nomeia Marcos Barbosa Pinto para assumir a diretoria da área de Mercado de Capitais. Bolsonaro afirma estar ‘por aqui’ com Levy e exige a demissão de Barbosa Pinto [2], sob a justificativa de que não se pode colocar ‘gente suspeita’ em cargos importantes e afirma que Levy está com ‘a cabeça a prêmio’ há algum tempo por não estar sendo leal às suas determinações [3]. Barbosa Pinto, considerado um executivo de perfil técnico, havia participado de governos petistas e Guedes declara entender a ‘angústia’ do presidente, considerando como natural a reação à nomeação de alguém ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT) [4]. Bolsonaro já vinha criticando a atuação de Levy por não abrir a ‘caixa preta do BNDES’ – uma das promessas do presidente – e por não combater as linhas de financiamento a exportações em países como Cuba e Venezuela, aprovadas no governo do PT [5]. No mesmo dia, Barbosa Pinto entrega carta de renúncia [6] e, no dia seguinte, Levy se demite do cargo [7]. Em 17/06, Gustavo Montezano é escolhido para substituir Levy [8]. Em abril, o Ministro do Meio Ambiente ameaçou processar funcionários e exonerou agentes de cargos comissionados do ICMBio [veja aqui] e outras exonerações ocorrem, por exemplo, com o presidente dos Correios [veja aqui], a presidente do Inep [veja aqui], o presidente da Funai [veja aqui] e o diretor do Inpe [veja aqui].
Leia a análise sobre o histórico de demissões no governo por discordâncias com Bolsonaro.
O Ministério das Relações Exteriores publica edital que exclui da lista de conhecimentos exigidos para a prova de ingresso na carreira diplomática conteúdos referentes às políticas econômicas dos governos petistas [1], que previam comparações nos dois mandatos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e efeitos positivos das políticas distributivas de renda no governo de Dilma Rousseff [2]. As alterações também incluem a supressão de menção a gênero e raça do item que trata das políticas de identidade [3]. Professores encaram as exclusões como um retrocesso e possível ‘orientação ideológica’ nas modificações [4]. Vale notar que as mudanças estão alinhadas com outras posturas adotadas pelo Ministério, quando o ministro Ernesto Araújo exclui curso sobre América Latina de formação de diplomatas [veja aqui], chancela a retirada de menção a direitos LGBT em documento [veja aqui] e reforça matriz ‘antigênero’ da política externa brasileira [veja aqui]. Além disso, o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas sexo biológico [veja aqui], censura informações sobre política de gênero até 2024 [veja aqui] e o governo Bolsonaro, ao se candidatar para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, omite temas fundamentais como ‘gênero’, ‘tortura’ e ‘migração’ [veja aqui].
Leia a análise sobre a política antigênero do governo Bolsonaro.
O Brasil formaliza candidatura a um assento no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU [1]. O documento apresentado para a candidatura não menciona temas como ‘migração’, ‘gênero’ e ‘tortura’, que estavam presentes em anos anteriores [2]. O Presidente Jair Bolsonaro se manifesta nas redes sociais afirmando que as prioridades no documento são o ‘fortalecimento das estruturas familiares e a exclusão das menções de gênero’ [3]. O texto também não cita direitos LGBTI nem direitos reprodutivos das mulheres, cuja pauta, na visão do Presidente, promove a defesa do aborto [4]. Na mesma ocasião, o país deixa de votar resolução para que sejam investigadas execuções extrajudiciais realizadas pela polícia do governo filipino [5]. Além disso, o governo Bolsonaro deixou o Pacto Global para a Migração no início do ano [veja aqui] [6], já defendeu a ditadura de 1964 [veja aqui], elogiou torturador [veja aqui] e chamou tortura de presos de ‘besteira’ [veja aqui]. A Secretaria da Família afirma que a essência da Declaração Universal de Direitos Humanos ficou de lado com o enfoque em pautas minoritárias [7] e que ‘durante um bom tempo, houve um direcionamento ideológico dos direitos humanos’ [8]. As relações diplomáticas do Brasil com o CDH estão estremecidas, pois em sua campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que pretendia retirar o país do CDH [9] e gerou desconforto ao atacar Michelle Bachelet e seu pai, torturado e morto na ditadura chilena [veja aqui]. Na mesma linha, o Itamaraty orienta diplomatas sobre gênero ser apenas ‘sexo biológico’ [veja aqui] e censura informações sobre política de gênero [veja aqui]. Diversas ONGs se posicionam contra a candidatura, pois o governo promove diversos retrocessos na área dos direitos humanos [10]. Em outubro, o Brasil consegue manter seu assento no CDH [11].
Leia mais sobre o funcionamento das eleições do Conselho de Direitos Humanos da ONU e ouça a análise sobre a reeleição do Brasil para o órgão.
O presidente Jair Bolsonaro, em conversa informal com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni e antes do encontro com imprensa internacional, afirma: ‘daqueles governadores de paraíba, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada para esse cara’ [1], sem saber que estava sendo gravado pela TV Brasil [2]. Os governadores do Nordeste manifestam ‘indignação’ com as ‘orientações de retaliação’ e uso do termo pejorativo ‘paraíba’ para se referir aos nordestinos [3], afirmando que, em respeito à Constituição e à democracia, deve-se manter uma relação de diálogo e convergências entre os Estados e o governo federal [4]. O governador do Maranhão, Flávio Dino, reage dizendo que o presidente não pode ‘determinar perseguição contra um ente da Federação’ e que é grave o presidente sugerir que não teria que ter nada para o governador do Maranhão [5]. Em resposta, Bolsonaro alega que os governadores do Nordeste têm ideologia e tentam manipular, por meio de desinformação, os eleitores da região [6]. Três dias depois (22/07), um advogado cearense processa Bolsonaro por injúria e racismo no Supremo Tribunal Federal por usar o termo ‘paraíba’ para se referir aos nordestinos [7]. Em 23/07, em visita ao Nordeste, Bolsonaro declara ‘amar os nordestinos’ e ter sangue ‘cabra da peste’ na família [8]. Essa não é a única vez que Bolsonaro promove ataques ao Nordeste. Em agosto, ele afirma que os governadores querem transformar a região ‘em uma Cuba’ [9] e, em fevereiro de 2020, sustenta que eles querem formar ‘militantes’ por não aderirem à criação de colégios cívicos-militares e, novamente, Flávio Dino reage, defendendo o seu investimento na rede pública e aumento do piso salarial para professores [veja aqui].
Leia as análises sobre o movimento de governadores do Nordeste para fazer contraponto político ao presidente e confrontar as pautas do governo federal e entenda os crimes de racismo e injúria racial.
Durante o 20º Festival de Inverno em Bonito, no Mato Grosso do Sul (MS), a Polícia Militar interrompe o show da banda BNegão & Seletores de Frequência e expulsa todos do local [1]. Durante a apresentação, o cantor se posiciona de forma contrária à violência policial e aos ataques nas aldeias Wajãpis, no Amapá e critica o presidente Jair Bolsonaro [2]. As críticas também ocorrem durante o show anterior, da cantora Gal Costa, em que o público se manifesta com gritos de ordem e xingamentos ao presidente [3]. De acordo com BNegão, o estopim para a interrupção se dá quando ele diz, no palco, que produtores do evento teriam sido agredidos por policiais dois dias antes [4]. Uma das produtoras foi agredida por policiais, que a levaram algemada para a delegacia e o outro foi detido ao filmar a ação ilegal da polícia [5]. O Fórum Estadual de Cultura do MS divulga nota de repúdio frente ao ocorrido [6]. Sobre a interrupção do show, o cantor afirma se tratar de censura e ressalta o uso desproporcional da força pelos policiais, que empurraram as pessoas e utilizaram cassetetes e gás de pimenta [7], fato corroborado por relatos de pessoas que assistiam ao show, ao afirmarem que a polícia agiu de forma ‘truculenta’ [8]. Em nota, a prefeitura de Bonito repudia as manifestações políticas que ocorreram no festival [9] e a Polícia Militar declara que as acusações são inverídicas e que os policiais foram averiguar as denúncias de que pessoas estariam fazendo o uso de entorpecentes no local do evento [10]. Em março, foliões denunciaram violência policial durante o Carnaval [veja aqui] e outras interferências na área cultural ocorrem, como os cancelamentos de peça de teatro com cena de nudez [veja aqui], de peça infantil com temática da repressão e ditadura [veja aqui], da apresentação de cantora transexual em Parada LGBT , de eventos e espetáculos com temática LGBT e democracia [veja aqui] e adiamento da estreia do filme ‘Marighella’ [veja aqui].
Leia a entrevista com BNegão sobre o ocorrido e a análise sobre as estratégias do governo vistas como censura a produções culturais.